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6.3 REFLEXÕES ACERCA DO PRÓPRIO ATO: MOVIMENTOS E

6.3.1 A avaliação como um momento de autoconfrontação

No dia 16 de março, em encontro do grupo 1 que ocorre após a entrega do relatório parcial, Caio propôs como objetivo da reunião a avaliação do relatório parcial (linha1 do quadro a seguir). Para conduzir a avaliação, ele propõe a Eva uma autoavaliação (linha 4):

Quadro 20 – Encontro 4 – Grupo 1

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

Caio: a gente pensou nessa reunião, pra gente avaliar o relatório (...) aí eu te pergunto: como tu viu o teu relatório? O que é que tu acha que poderia ter melhorado? O que avançou em relação ao primeiro? O que tu acha que poderia ter feito diferente? Como uma autoavaliação mesmo, né?

Eva: eu acho assim: primeiro, em relação ao primeiro relatório, que eu consegui comparar, relacionar mais as greves ao período e trazer todo o contexto de Recife, de Pernambuco, e até alguns pontos do Brasil, também... que é importante pra gente analisar isso, não ver só apenas como um movimento aleatório que aconteceu.

Caio: Um caso isolado, né? Porque, embora a gente não teja analisando o Brasil todo, é um contexto...

Ana: Totalmente dentro de um contexto

Caio: Eu concordo contigo. Em relação ao primeiro relatório que tu produziu – na verdade, os dois, né? Porque no primeiro PIBIC foram dois - esse relatório, mesmo ele sendo parcial, ele tá melhor do que o final do outro.

Eva: sim, eu percebi isso também.

Caio: melhorou em vários aspectos. Depois vou comentar contigo sobre esses aspectos.

As perguntas de Caio direcionam Eva a olhar para o processo vivido por ela na escrita do relatório parcial: “como tu viu o teu relatório? O que é que tu acha que

poderia ter melhorado? O que avançou em relação ao primeiro? O que tu acha que poderia ter feito diferente?” (linhas 2 e 3). As marcas temporais discursivas, utilizadas por Caio, dividem a atividade de Eva em temporalidades anteriores: primeiro, a escrita do relatório parcial entregue um mês antes e, segundo, a escrita do relatório escrito no projeto do ano anterior (referido por Caio como o “primeiro”, linha 3). Essas referências são observadas principalmente com o emprego dos verbos no passado para marcar a temporalidade desses dois momentos iniciais e não a temporalidade em que a avaliação está sendo realizada.

Dentre as perguntas de Caio, uma delas conduz Eva perceber o seu aperfeiçoamento enquanto pesquisadora, visto que a palavras empregada por ele, “avançou” (linha 3), remete a uma avaliação positiva do processo: “O que avançou em relação ao primeiro? “ (linha 3). É justamente a essa pergunta que Eva responde primeiro: “primeiro, em relação ao primeiro relatório, que eu consegui comparar, relacionar mais as greves ao período e trazer todo o contexto de Recife, de Pernambuco, e até alguns pontos do Brasil, também... que é importante pra gente analisar isso, não ver só apenas como um movimento aleatório que aconteceu.” (linhas 5, 6, 7, e 8). Eva, então, chama atenção para a questão da ampliação do contexto conjuntural do período e da época como base fundamental para a análise da contingência das notícias de jornais relacionadas à greve. Ela parece avaliar esse movimento positivamente no seu processo de mudança e busca metodológica, com o uso da palavra “importante”.

Após a autoavaliação de Eva, Caio faz a sua avaliação do processo descrito por ela: “melhor do que o final do outro” (linha 14). Caio refere, assim, uma transformação positiva da pesquisadora Eva que ele, como pesquisador mais experiente, tem autoridade para ratificar.

Se pensarmos em transformações e na temporalidade envolvidas no processo da pesquisa, é impossível determinar para ela um começo e um fim específicos. Giberto Gil, em seu livro de entrevistas Disposições Amoríveis (2015), responde a perguntas de uma espécie de entrevista, dizendo: “não sou de dizer: deixa eu elaborar alguma coisa a respeito do que eu acho. Gosto do modo espontâneo de responder como o momento me diz. Deixando margem para que amanhã (eu) possa responder de forma diferente àquilo que hoje respondo desta

forma” (GIL e OLIVEIRA, 2015, p.11). Essa imagem poética auxilia-nos a pensar que a margem da transformação é, na realidade, sempre fluída e contínua.

Por outro lado, esse tipo de atividade de autoconfrontação consegue demarcar uma fronteira importante para qualquer avaliação de aprendizagem e de desenvolvimento da pesquisa: o tempo do antes e o do a partir de agora (momento da enunciação). A enunciação da avaliação que coloca duas faces de si mesmo, em temporalidades diferentes, em diálogo abre caminho para a ressignificação do ato e para que se possam criar maneiras mais adequadas de ação em uma pesquisa.

No quadro 21, a seguir, que dá continuidade ao quadro anterior, Caio refaz a pergunta que orienta Eva a se posicionar com relação ao que ainda pode ser melhorado (linhas 17 e 18), ou seja, a se autoconfrontar com os pontos negativos do relatório parcial.

Quadro 21 – Encontro 4 – Grupo 1 (continuação do quadro anterior)

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28

Caio: e o que tu acha que tu poderia melhorar nesse relatório com relação ao que tu fez agora?

Eva: Primeiro, em relação à pesquisa: ter mais greves, deveria ter trazido mais greves. E também iniciar com os gráficos.

Caio: É. Eu te digo uma coisa, eu não sei nem os gráficos. Mas assim, o relatório que você produziu, de dados – de dados - tá pobre. A análise, assim, tu tirou leite de pedra. Tu tinha o quê? Tu tinha 10 greves?

Eva: 10 greves...

Caio: tu conseguiu fazer uma análise de 10 greves. Tudo bem que o primeiro relatório final era uma quantidade semelhante, assim. Mas ali era o quê? Foram os dados que só trouxeram pra gente aquela quantidade de greve. Nesse momento agora a gente tem mais greves...

Neste segundo excerto, os participantes posicionam-se com relação a uma temporalidade diferente: do porvir, do projeto. A comparação feita por Caio refere-se ao relatório que está sendo escrito como final (“nesse relatório”, linha 17) e o que foi escrito como parcial (“o que tu fez agora”, linha 18). Pode-se observar que o foco da avaliação continua o mesmo: “melhoria” (linha 17). Eva responde que “deveria ter trazido mais greves” (linha 19), o que nos faz crer que, para ela, o relatório parcial careceu de uma base de dados mais substancial.

Cabe destacar, ainda, que esse momento da atividade de autoconfrontação discursiva permitiu-me dimensionar a importância que o movimento e a transformação do próprio ato de pesquisa tiveram para reorientar as ações futuras dos pesquisadores. Nesta perspectiva, pode-se observar que, ao tomarem consciência do movimento passado, conduzido por eles, no processo da pesquisa, pode corroborar para projetar um movimento voltado, agora, para o futuro. Isto foi possível graças aos diálogos instaurados entre os participantes da pesquisa e que ocorreram sempre de forma circular, o que tornou possível, aproximá-los de uma experiência do pensamento com a linguagem.