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A pesquisa é vista, neste estudo, como uma ação singular e única da vida vivida, que inclui o acabamento de um texto como um objeto do mundo da cultura. De acordo com Amorim (2009), “ para que um objeto cultural continue vivo é necessário que ele receba a possibilidade de regenerar-se e participar de uma vida renovada” (AMORIM, 2009, p. 22).

Quando estamos em campo, o que experienciamos não é a realidade, mas o encontro com outro. Dito isto, é impossível antecipar de que maneiras o texto de pesquisa poderá ser renovado em suas atualizações futuras. Por isso mesmo, nos detemos a analisar exclusivamente as atividades incluídas no ciclo institucional de duração do projeto, que é 12 meses. Por outro lado, nesse período, possibilidades de desdobramentos do relatório de pesquisa foram discutidos pelos participantes. Uma vez que essas possibilidades são sinalizadas discursivamente, consideramos que elas podem ser analisadas como um momento constituinte (enquanto um projetar-se) do ato de pesquisa circunscrito na temporalidade de nossa análise.

6.5.1 A semana de ciência e tecnologia

No dia 15 de setembro de 2017, no final da reunião do Grupo 2, aquilo que Rubens, Sofia, Fabiana e Babi discutiam reverberou em uma questão central da nossa pesquisa. Era o ínicio dos nossos encontros e a reflexão levantada por eles encontrou o confronto com a in-quietude que perpassa o ato responsável do pesquisador nesta pesquisa: qual o lugar das Ciências Humanas na dinâmica social e política que ainda considera a ciência de maneira vinculada à exatidão dos seus resultados?

No excerto a seguir, Rubens menciona o evento institucional da Semana

Nacional de Ciência e Tecnologia, que ocorreria no mês de outubro no Instituto:

Quadro 24 – Encontro 1- Grupo 2

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Rubens: É, eu tou me infiltrando um pouco agora na organização pra poder dar uma... tava conversando com o pessoal do grupo aqui, pra dar tempo participar da semana de ciência e tecnologia... mas aí chega e faz: o tema geral é “a matemática está em tudo”. Ai eu relaxo mesmo...

((Risos))

Rubens: vamos fazer então um quadro estatístico... ((em tom de brincadeira))

Ele sugere o interesse em participar do evento em conversas com o grupo “aqui”(linha 2). Este grupo de pesquisa, por ele mencionado é vinculado ao CNPq, do qual outros professores de História e seus respectivos orientandos participam. No entanto, o tema do evento no ano de 2017 é “A matemática está em tudo”, o que impossibilita, na visão de Rubens, uma adesão por parte daquelas pesquisas que não comportem a exatidão matemática. Nesse sentido, ele fala, em tom de brincadeira, que seria necessário fazer um quadro estatístico.

Neste diálogo, Rubens reflete, em seu acento valorativo, acerca da impossibilidade de um tema como este abranger as pesquisas relacionadas às Ciências Humanas. Rubens, então, expressa uma preocupação em inserir-se na organização “para poder dar uma...” (linha 1). Apesar de não terminar seu enunciado, ele faz, nesse momento, um gesto com a mão, como que acenando para um caminho, uma estrada. Tal gesto parece sugerir que ele tem a intenção de

intervir na abertura de caminhos para que as pesquisas de sua área também possam ter um espaço de visibilidade.

Este ato gestual simbólico é complementado no excerto a seguir, após ele ter mencionado que procurara os responsáveis pela organização, no ano de 2017, que eram professores da área das Ciências Exatas:

Quadro 25 - Encontro 1 – Grupo 2

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Rubens: E chegaram e disseram: quer participar? Eu disse: quero... Pra tentar puxar, dar alternativas...Porque se vocês quiserem focar na pesquisa agora, devia ter alguma coisa voltada para as Humanidades, pras Ciências Sociais... é isso que a gente tem que fazer. Daí, ciência e tecnologia, pra se inscrever tem que tá ligado ao tema mas, se for fazer, vou fazer uma gambiarra com a pesquisa da gente pra adaptar pra encaixar?

Percebo, pelo discurso de Rubens, uma inquietação a partir do estabelecimento de um tema que exclui a possibilidade de participação de trabalhos voltados às Ciências Humanas no evento: “devia ter alguma coisa voltada para as Humanidades, pras Ciências Sociais...”( linhas 8 e 9). Nesse momento, ele assume a responsabilidade, como pesquisador da área, de participar ativamente das decisões que envolvem a definição do tema do evento: “é isso que a gente tem que fazer” (linha 9), “E chegaram e disseram: quer participar? Eu disse: quero” (linha 1).

A crítica de Rubens é fundada a partir de seu posicionamento valorativo de uma exclusão que acaba por apagar a voz dos pesquisadores da área: “pra se inscrever tem que tá ligado ao tema mas, se for fazer, vou fazer uma gambiarra com a pesquisa da gente pra adaptar pra encaixar?” (linhas 10 e 11). Essa reflexão de Rubens dialoga diretamente com a temática da nossa pesquisa e, por ter ocorrido justamente no dia do primeiro encontro, ajudou-me a ajustar o olhar para o nosso fenômeno. De fato, a pesquisa em Ciências Humanas ainda parece precisar batalhar por espaço nos discursos que circulam na academia acerca do que é a ciência.

Esse diálogo estimulou a reflexão que empreendi acerca da ciência moderna, no capítulo 4, e sobre o quanto ainda está enraizado o pensamento de que a ciência é aquilo que se apresenta meramente como resultados atrelados à exatidão. A tecnologia, por sua vez, ainda parece ser uma temática associada diretamente à matermática, excluindo-se, muitas vezes, do seu âmbito de interesse questões sociais e éticas.

Neste excerto, Rubens deixa clara a sua intenção de tornar as suas pesquisas públicas, de acessar um espaço de encontro com o outro dentro da própria instituição, convocando as pesquisadoras participantes a se engajarem no processo. Foi interessante perceber uma transformação dessa situação no período dos ciclos de encontros nos quais estive presente, como veremos a seguir.

Após essa conversa com a comissão organizadora, Rubens, de fato, ingressou na comissão organizadora do evento. Para o ano seguinte, 2018, o tema definido foi: A Ciência e a Tecnologia para a Redução das Desigualdades. No dia 24 de dezembro de 2017, Rubens estimula, então, as pesquisadoras a apresentarem suas pesquisas no evento que ocorreria em outubro do ano seguinte.

A proposta de Rubens é de que ele, juntamente com as pesquisadoras, possam pensar uma forma de apresentar as pesquisas na Semana Nacional, tentando aproximar a ciência do público geral (linhas 9 e 10). Para isto, Rubens sugere que as pesquisadoras encontrem um outro caminho de linguagem no encontro com seus espectadores possíveis. Todo o diálogo que se desenvolve, em seguida, gira em torno de projeções para a apresentação.

Como o nosso propósito, neste tópico, é de apenas mostrar que a pesquisa, muitas vezes, não tem um único fim de apresentar um relatório, não me detenho a analisar todos os enunciados. A minha intenção, aqui, é de mostrar que, embora o ato de pesquisa seja sempre circunscrito a uma temporalidade, os desdobramentos sinalizados são inerentes ao inacabamento de todo ato concreto e, assim, podem representar uma projeção no devir.