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6.2 A BUSCA DO MÉTODO

6.2.5 O Processo de escrita

6.2.5.3 Argumentação e posicionamento valorativo

No dia 17 de julho de 2018, no mesmo encontro entre Caio e Eva (grupo 1) em que foi discutida a construção de uma narrativa-imagem fundada a partir da proximidade com o fenômeno e no diálogo com leitor, analisada no tópico anterior, a questão da emergência e análise das vozes que circulam no ato de pesquisa é ampliada pelos participantes. No excerto, a seguir, avalio a construção da argumentação como construção de efeito de sentido na narrativa-imagem, com vistas ao encontro com o outro – o leitor.

Quadro 19 – Encontro 7 – Grupo 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

Caio: Quem me explicava isso era minha orientadora. Deixa eu ver se eu consigo te explicar tão bem como ela me explicou. Não se preocupe de ser repetitiva em algumas coisas, não. Porque, assim, a ideia é que a gente vai afunilando a informação. Então, as vezes a gente parece que tá se repetindo, mas a gente não tá se repetindo. Porque a gente defende alguma coisa quando tá escrevendo, as pesquisas da gente levaram a gente a defender algumas posições. Você não tá levantando cartaz, você não tá fazendo torcida, é diferente. Você está chegando a essas afirmações com base no levantamento de dados. Então, por exemplo, você quer chegar a um ponto central, um exemplo, que é discutir a questão da solidariedade entre os estudantes, mas pra você chegar até esse ponto central e chegar a essa conclusão aqui, muitas vezes, você vai se repetir (...) E aí, claro, que enquanto escritor, que a gente tem que ser escritor também, quando tá produzindo um relatório... Obviamente que eu não vou entregar de mão beijada, os dados, de uma vez só: “ah! A solidariedade era algo muito importante para os estudantes”. Você vai construir pro seu leitor e construindo contigo aquela ideia de como a solidariedade era importante entre os estudantes, como eles se ajudaram, nesse período. Aí isso é importante, de fazer isso, se repetindo, ok?

Eva: urrum!

A experiência de Caio como pesquisador que já vivenciou uma relação semelhante a que ele, hoje, vivencia com Eva ocupando um outro lugar (o de orientador), mais uma vez, baliza o discurso de aprendizagem do método enquanto vivência (linhas 1 e 2). Ele parece repetir esse movimento para criar uma

aproximação com Eva a cada vez que é necessário exercer claramente o seu papel de pesquisador mais experiente no papel de orientador.

Desta vez, é a questão da construção da argumentação no texto do relatório final que está em questão. Caio parece sugerir uma abertura à criação de uma circularidade discursiva no texto, de forma que a singularidade é pensada enquanto efeito da relação a ser estabelecida com o leitor: “Não se preocupe de ser repetitiva” (linha 2) e “a ideia é que a gente vai afunilando a informação” (linha 3). Desse modo, para Caio, a compreensão do texto pelo leitor não se dá de maneira linear, mas na circularidade da interpretação – na marcação discursiva dos infindáveis movimentos alteritários de distanciamento-familiariadade com o próprio fenômeno, com as referências históricas em termos de já-ditos por outros pesquisadores, com o leitor, com o próprio método de análise e consigo mesmo enquanto pesquisador que assume sua voz no texto de pesquisa. O movimento de idas e voltas com o outro e consigo mesmo, repetição (linha 2) e afunilamento (linha 3) da informação (nas palavras de Caio), marcam a unicidade do ser na pesquisa.

A singularização do ato de pesquisa é considerada em termos de marcação do ponto de vista no processo de escrita: “Porque a gente defende alguma coisa quando tá escrevendo” (linhas 4 e 5). Para Caio, as “posições” (linha 6) assumidas no texto se formam no processo de pesquisa: “as pesquisas da gente levaram a gente a defender algumas posições” (linhas 5 e 6). Defender uma posição é assumir um posicionamento valorativo, é imprimir a singularidade no texto de pesquisa como uma participação do ser em um “objeto” que fará parte de uma memória coletiva, cultural.

Por outro lado, Caio enfatiza a necessária atenção e escuta à complexidade de vozes envolvidas no texto de pesquisa e a não fazer valer, unicamente, a voz do pesquisador: “Você não tá levantando cartaz, você não tá fazendo torcida, é diferente. Você está chegando a essas afirmações com base no levantamento de dados” (linhas 6, 7 e 8). Nesse sentido, o movimento dialógico entre o ponto de vista20 singular de Eva e a voz do próprio fenômeno são considerados por Caio

20

É importante relembrar aqui que, como mencionamos na nota de rodapé 9, a questão do ponto de vista não é claramente definida por Bakhtin. Cunha (2015) nos lembra, no entanto, que “a noção está presente na sua concepção de realidade em movimento, de inacabamento, de heterodiscurso e do ser constituindo-se continuamente pelo discurso” (CUNHA, 2015, p.5)

como relevantes na construção argumentativa do texto. A questão do ponto de vista é encarada como contingente e perpassa a experiência de pesquisa, a vivência do método e o relacionamento com os “dados”. Não se trata, portanto, de um ponto de vista prévio fixo inerente ao pesquisador, mas de um ponto de vista em que o movimento e o relacionamento com o outro são seus fundamentos constitutivos.

Todo esse processo de construção da argumentação enquanto posicionamento valorativo é referido por Caio, mais adiante no diálogo, como um papel a ser exercido pelo pesquisador, o de escritor: “E aí, claro, que enquanto escritor, que a gente tem que ser escritor também, quando tá produzindo um relatório obviamente que eu não vou entregar de mão beijada, os dados de uma vez só” (linhas 11, 12 e 13). Esse também é um posicionamento a ser vivenciado por Eva, o de exercer o papel de escritora dentre os múltiplos papeis que ela pode assumir enquanto sujeito heterodiscursivo.

A participação responsável de Eva no ato é sugerida por Caio a partir da formação do ponto de vista que emerge do relacionamento com os “dados” (linha 8), a partir da forma pela qual Eva se apropria do outro para criar sua argumentação. A metáfora da assinatura ilustra aquilo que aproximaria, a pesquisa e o pesquisador, de um ato ético responsável. O ato de pesquisa de Eva é capaz de reativar e atualizar, nesse ínterim, a memória das notícias de jornais históricas (datadas) e de fazer movimentar, ao mesmo tempo, a sua própria história e de sua comunidade.