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6.2 A BUSCA DO MÉTODO

6.2.4 Avaliação sobre a interpretação dos “dados”

Entendemos que a vivência do método dá-se por uma via de compreensão e interpretação temporais. Desse modo, todo texto que faz parte do ato de pesquisa é sempre passível de revisões, dado que a interpretação não é algo fixo e definitivo. É a possibilidade de voltar e traçar um novo caminho, a partir das perguntas que nós, como pesquisadores, colocamos para nós mesmos, que configura a vivência do método como entendemos neste trabalho.

Nesse sentido, a avaliação é uma atividade que perpassa o desenvolvimento da pesquisa em vários momentos, como já vimos, de (re)construção e (re)orientação dos caminhos de busca do método. Ela pode ser conduzida por um questionamento do pesquisador mais experiente (veremos exemplos mais adiante), mas também surge de maneira espontânea, como uma autoavaliação da condução dos próximos passos a serem seguidos a partir do caminho já trilhado.

No excerto a seguir, cujo diálogo ocorreu no quarto encontro do grupo 1 no dia 16 de março de 2018, Eva procura avaliar o seu processo de interpretação das notícias de jornal a partir do que foi feito no relatório parcial. Para tanto, ela lança uma sugestão de organização textual abrindo espaço para uma intervenção direta de Caio, com a expressão de sua dúvida: “não sei o que o senhor vai achar sobre isso” (linhas 1 e 2 a seguir).

Quadro 15 – Encontro 4 – Grupo 1

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Eva: Inclusive, eu tava pensando assim, durante o relatório eu dividir... não sei o que o senhor vai achar sobre isso... em dividir, por exemplo, os anos que eu encontrei e o quantitativo de greves e a análise sobre greves. Por exemplo, esse relatório que eu fiz, o parcial, foi do ano 1951. Aí eu colocaria um tópico de 1951 aí dividiria ainda nos estudantes e trabalhadores gerais. Aí 1952 também: estudantes e trabalhadores gerais. No final, eu faria um levantamento, uma análise de todos os anos.

Caio: É. É um caminho. Me parece, Eva, que esse caminho que tu tais fazendo de ano e conteúdo, eu acho que uma coisa ou outra. Pra quem ler, eu acho que fica melhor se é uma coisa ou outra. Eu acho que as duas... pra o leitor, vamos pensar assim (...) É como se tu apresentasse os dados duas vezes, um por ano e outro por temática.

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Eva: Então, por exemplo, se eu pegasse o ano de 51...

Caio: Eu acho que tu podia fazer o seguinte: pegar uma tabela, por ano ou um gráfico, você escolhe. Aí aqui a gente tem 1951, 12 greves; 1952, 10 greves; 1953, 11 greves, beleza?

Eva procura encontrar o caminho de organização de seu texto (relatório final) na própria prática de escrita. Ela não lança mão de um modelo metodológico instrucional, mas procura, no diálogo com o seu fenômeno, encontrar a maneira mais adequada de apresentá-lo ao leitor: “Aí eu colocaria um tópico de 1951, aí dividiria ainda nos estudantes e trabalhadores gerais. Aí 1952 também: estudantes e trabalhadores gerais. No final, eu faria um levantamento, uma análise de todos os anos.” (linhas 4, 5 e 6).

A eleição das “categorias” de análise, assim como a maneira de apresentação “dados” e o modo de organização textual estão em questão. O ato de interpretar engloba todos esses momentos, que não são estanques, mas dialogam entre si como constituintes. Uma vez que Eva tematiza o seu próprio discurso, ela se orienta para seus leitores potenciais, a começar pelo próprio Caio, seu interlocutor primeiro como pesquisador mais experiente imbuído de discurso de autoridade.

O outro, como aquele a quem Eva irá se dirigir (o leitor), está presente em cada uma desses momentos constitutivos da interpretação. Caio chama atenção para a instância do leitor (linha 9) e para o diálogo necessário com este. É necessário que Eva atue nas escolhas e ajustes com vistas àquilo que pode gerar determinadas reações no seu leitor: “Pra quem ler, eu acho que fica melhor se é uma coisa ou outra. Eu acho que as duas... pra o leitor, vamos pensar assim... É como se tu apresentasse os dados duas vezes, um por ano e outro por temática” (linhas 8, 9 e 10). A presença da voz do leitor é que define o ajuste proposto por Caio.

Na realidade, eles estabelecem um diálogo não apenas com o suposto destinatário do texto. Também estão consideradas na reflexão a voz de Eva, como autora criadora da pesquisa, e a voz do próprio fenômeno, cuja escuta atenta orienta a seleção e a organização dos momentos constitutivos da interpretação. No quadro a seguir, continuação do diálogo anterior, Caio estabelece justamente um diálogo com o próprio fenômeno (linhas 17, 18 e 19) na busca do método de análise. Nas

palavras de Caio. eles vão precisar “encontrar um modelo explicativo para tentar entender esse ciclo de greves” (linhas 17 e 18).

Quadro 16 – Encontro 4 – Grupo 1 (continuação do quadro anterior)

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Caio: Aí você vai tentar analisar agora, dessas 12 greves quais são as características de 1951? Em 1951 houve eleição municipal e essa eleição municipal permitiu uma maior abertura e discussão. Enfim, a gente vai ter que encontrar um modelo explicativo para tentar entender esse ciclo de greve, essas 12 greves em 1951 (...) Aí isso daí não seria um tópico, mas seria a análise da tabela. Presta atenção, toda tabela, todo dado que tu apresenta, tem que ser analisado. Eu não posso jogar uma tabela aqui e não analisar, não explicar.

É importante ressaltar que esse diálogo com fenômeno para a busca do método passa necessariamente pela compreensão do contexto conjuntural da época mencionada ( linhas 15, 16 e 17). As perguntas emergem, portanto, da compreensão dos pesquisadores acerca da relevância de determinados elementos para a construção do fenômeno. No caso de Caio e Eva, há uma associação do crescimento do número de greves com uma ocorrência que o justificaria na sociedade da época, segundo a avaliação de Caio. Desse modo, compreendo que estamos diante da abertura para olhar e para a interpretação do fenômeno em seu acontecimento único: é a permanência de Caio e Eva junto ao fenômeno que abre possibilidades para que eles acolham aquilo que lhes vem ao encontro.