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3. O Desenvolvimento Moral

3.2. Lawrence Kohlberg (1927-1987)

3.2.2. A Avaliação do Julgamento Moral

A avaliação do estágio predominante de julgamento moral, postulada por Kohlberg, é realizada através da análise das respostas apresentadas pelos indivíduos a dilemas morais propostos, entre os quais, o mais conhecido é o dilema de Heinz, no qual o marido rouba um remédio para salvar a vida da mulher doente. Ei-lo:

Na Europa, uma mulher estava quase à morte devido a um tipo de especial de câncer. Havia um remédio que os médicos achavam que poderia salvá-la. Era uma forma de radium que um farmacêutico na mesma cidade havia descoberto recentemente. O custo de produção do fármaco foi elevado, mas o farmacêutico estava a cobrar 10 vezes mais com relação ao custo de produção. Ele pagou $400 pelo radium e estava cobrando $4.000 por uma pequena dose do fármaco. O marido da mulher doente, Heinz, foi a todo mundo que ele conhecia para pedir dinheiro emprestado e tentou todos os meios legais, mas só conseguiu juntar em torno de $2.000, o que era a metade do que o farmacêutico estava cobrando. Ele disse ao farmacêutico que sua mulher estava à morte, e pediu que lho vendesse mais barato ou que o deixasse pagar depois. Mas o farmacêutico disse: ‘Não, eu descobri a droga e vou fazer dinheiro com isso’. Após tentar todos os meios legais, Heinz ficou

39 desesperado e considerou penetrar na loja do homem para roubar o remédio o remédio para sua mulher (Colby e Kohlberg 2010, vol. II, p.1).

Seguem-se perguntas como: Heinz deveria ter roubado a droga? Porque sim ou porque não? E se ele não gostasse da mulher, ainda assim deveria roubar o remédio? E se fosse um amigo? E se fosse um estranho? E se fosse um animal doméstico? Você acha que as pessoas devem fazer tudo para obedecer a lei?

Kohlberg utilizava um conjunto de três histórias, sendo a segunda uma continuação do dilema de Heinz, a respeito de delação (um policial, que passava casualmente na frente da farmácia e viu Heinz assaltando-a, deveria delatá-lo?). A terceira história examinava a questão da manutenção de um contrato entre pai e filho, ao lidar com problemas de promessa e lealdade. Posteriormente foi criada uma forma B para o teste, com três dilemas paralelos, e ainda uma forma C, com dilemas de caráter social (discriminação racial etc.) (Colby e Kohlberg 1987, 2010).

A entrevista de Kohlberg foi criada, inicialmente, como um modelo de entrevista clínica, nos moldes piagetianos, sem intenção de se constituir um teste psicológico. Contudo, a pressão do mundo acadêmico norte-americano levou Kohlberg e seus colaboradores a refinar o instrumento, a fim de atingir os parâmetros de fidedignidade. Foram elaboradas diversas versões sucessivas do Manual de avaliação de entrevista de

julgamento moral. A última versão, finalmente, atingiu um grau maior de fidedignidade

entre os avaliadores, a permitir menor subjetividade na atribuição de respostas a estágios, embora ainda dependente de avaliação qualitativa (Colby e Kohlberg 1987, 2010). Por meio desse sistema de avaliação, chega-se a um escore numérico entre 100 e 600 pontos em que 100 corresponde ao estágio 1 puro e 600 ao estágio 6 puro, podendo ocorrer também qualquer valor intermediário, por exemplo, 354 (entre o 3 e o 4).

Deve-se enfatizar que a teoria de Kohlberg é estrutural, e que os estágios refletem a maneira de raciocinar, e não conteúdos morais. Assim, uma pessoa pode ser classificada em qualquer um dos estágios, tanto ao dizer que se deve roubar o remédio, quanto ao dizer que não se deve. O importante nas respostas às situações hipotéticas é a justificativa que a pessoa dá para sua decisão (Colby e Kohlberg 1987, 2010).

Em virtude da complexidade da mensuração do julgamento moral original de Kohlberg – Moral Judgment Interview (MJI) – outros instrumentos foram criados: o

Defining Issues Test (DIT) de James Rest (Rest, 1974, 1979) e o Sociomoral Reflection Objective Measure (SROM) de John C. Gibbs (Gibbs et al. 1984; Gibbs et al. 1992),

40 O DIT consiste em seis dilemas kohlberguianos, seguidos de 12 afirmações cada um. As afirmações devem ser avaliadas quanto ao grau de importância dado na resolução do dilema. Esse instrumento fornece um escore P que indica a percentagem de pensamento pós-convencional do sujeito (estágios 5 e 6) (Rest 1986).

O SROM apresenta dois dilemas, dos originais de Kohlberg, seguidos de perguntas a serem respondidas no formato de escolha múltipla. Cada alternativa de cada pergunta corresponde a um estágio do julgamento moral (Gibbs et al. 1984; Gibbs et al. 1992).

Esses dois instrumentos objetivos são muito utilizados como instrumentos de pesquisa pela praticidade que oferecem. A forma brasileira do DIT foi adaptada por Bzuneck (1979) e a do SROM por Biaggio. Há ainda uma versão do SROM em audiovisual, com slides ilustrativos, para uso com populações mais jovens ou menos escolarizadas, elaborada por Barreto (Biaggio e Barreto 1991).

No final dos anos 90, James Rest criou uma nova versão do DIT, chamada de

DIT-2 (Rest et al. 1999). Assim como o DIT original, o foco teórico é a distinção entre

o pensamento convencional e o pós-convencional. É um teste objetivo, com cinco dilemas morais, devendo o respondente avaliar e ordenar alternativas. Sua validade e fidedignidade foram calculadas para uma “mega amostra” de 45.856 DITs avaliados entre 1989 e 1993 (Evens 1995). A validade de construto foi obtida comparando-se os escores de P de dois grupos de diferentes níveis de escolaridade e por meio de um estudo longitudinal.

Esses dois testes objetivos são considerados bastante práticos como instrumentos de pesquisa, porém não permitem o aprofundamento que a Entrevista de Julgamento

Moral (MJI) original de Kohlberg faz (Biaggio 2006). Os dados geralmente revelam

correlações médias com sujeitos norte-americanos e também com pesquisa em quatro capitais brasileiras: Porto Alegre, Belo Horizonte, Natal e João Pessoa (Koller et al. 1994). Sabe-se também que os escores no SROM são ligeiramente mais elevados do que os no MJI, a indicar que é mais fácil reconhecer um estágio como o mais adequado, como se faz num teste de múltipla escolha, do que produzi-lo sob a forma de resposta aberta, como é feito no MJI. O DIT, também objetivo, produz os escores mais altos de todos, uma vez que sua estrutura é diferente, não havendo itens de estágio 1, e com duas possibilidades de estágio 5 (A e B), e ainda o estágio 6, que inexiste no SROM e é difícil de ser encontrado no MJI. Na Europa, o pesquisador alemão Georg Lind, da Universidade de Konstanz, criou o “Moralisches-Urteil-Test” (MUT) ou Moral

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Judgment Test (MJT), também objetivo e disponível em português (Lind 1978; Lind et al.1985; Lind e Wakenhut 1985; Bataglia 2001; Lind et al. 2005a; Lind et al. 2005b).