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II. Roberto Arlt: cronista/viageiro

2.3 A bagagem do viageiro Consciência poética

Os momentos que antecedem a viagem são revestidos de grande carga emocional, pois concentram toda a ansiedade e expectativa do viageiro com relação à viagem. As crônicas que antecedem a partida53 revelam esses últimos instantes. Nesses textos, Arlt anuncia, com uma alegria quase eufórica, sua ida à Espanha, expõe os propósitos da viagem, tece agradecimentos, despede-se da cidade, exibe sua bagagem material de viageiro, composta por guias, mapas, planos, um bloco de papel, cartas de recomendação, e sua bagagem cultural,

52 Em algumas crônicas da série “Aguafuertes Porteñas” Arlt se coloca como passageiro de tranvía: “Iba sentado

hoy em el tranvía cuando al volver la vista tropecé con una pareja constituída por um robusto bizco...” (“El bizco enamorado”). “Iba otro día en un tranvía, cuando oigo que un fulano le decía a otro: …” (“Cuña de oro y pañales de seda”). Roberto Arlt. (in) Aguafuertes – Tomo II. Buenos Aires: Editorial Losada, 1998. p.61 e121.

aquilo que Mario de Andrade chamou de consciência poética54, e que o próprio Arlt definiu como “una memoria ensamblando recuerdos literarios” (“Mañana me embarco”, 13/02/1935).

A consciência poética é um conjunto de representações do mundo, permeadas pelas muitas manifestações artísticas, meios massivos de difusão, como a imprensa gráfica e o cinema, que abastecem nosso imaginário. Essas representações variam de acordo com cada época e grupo de indivíduos. Desse modo, cada sujeito, apesar de possuir uma consciência poética particular, compartilha representações que são comuns ao seu tempo e ao grupo social a que pertence. Esses elementos comuns compõem o que podemos chamar de consciência poética coletiva. Esta auxiliará o cronista Roberto Arlt na sua tarefa de traduzir sua experiência viageira em texto, pois permite a comunicação entre cronista e leitor. É a consciência poética que orienta o olhar do cronista na tarefa de representar a realidade observada e lhe serve de instrumento para tecer comparações e expressar seu entusiasmo e/ou decepção com relação àquilo que vê.

O viageiro, cativo de sua consciência poética imagina a viagem como um grande acontecimento, que começa com “la aventura de um cruce oceánico”55 rumo ao desconhecido

numa clara alusão às viagens de expansão marítima dos séculos XV e XVI. Arlt vê na travessia a oportunidade de se colocar ao lado desses viajantes, e por que não, aventureiros. Mas, ao contrário dos navegadores, o cronista sabe muito bem o que vai encontrar do outro lado do Atlântico. Afinal, possui também uma consciência lógica e um arsenal de informações reunido em guias, mapas, fotos de cidades, vilas e povoados espanhóis que pretende conhecer, que somado a sua consciência poética, compõem sua bagagem. A viagem é antes um reconhecimento do já lido56 e visto através das representações. É a comprovação de um saber acumulado. O descobrimento, quando ocorre, passa a ter um caráter pessoal. Por isso, Arlt,

54“Sei bem que essa viagem que vamos fazer não tem nada de aventura nem perigo, mas cada um de nós, além

da consciência lógica possui uma consciência poética também. Às reminiscências de leitura me impulsionaram mais que a verdade, tribos selvagens, jacarés e formigões. E a minha alminha santa imaginou: canhão, revólver, bengala, canivete. E opinou pela bengala.” Mario de Andrade. O turista aprendiz. 2002, p. 51.

55 “Señores... me voy a España”, 12/02/1935.

56 “Tenía curiosidad bárbara de llegar a las Canarias para conocer su famoso pico de montaña, con el cual habían

tropezado en “Los Hijos del Capitán Grant”, de Julio Verne, […] Mi deseo no fue satisfecho por el lado que dirige la suerte de los viajeros. Tampoco tuve la fortuna de ver brincar a los peces voladores. No me permitiré dudar de su existencia.” (“Las Islas Canarias, puertas de España” 08/04/1935).

ante a possibilidade da viagem empírica, descarta o que ele chamou de “conocimiento libresco”57 em favor dessa experiência inédita, porque quer sentir a ilusão da descoberta:

“La mente rechaza el paisaje falso que ha construido la lectura. Ya no queremos saber cómo es el país que visitaremos. No nos den detalles ni nos describan el panorama que nos recibirá con su novedad. […] No queremos que nos quiten ni una sola migaja de las maravillas que nos prometemos contemplar.” (“Mañana me embarco”, 13/02/1935)

Essa recusa inicial a tudo que contamine o seu olhar marca o enfrentamento entre sua consciência poética e as situações reais que experimentará durante a viagem, levando-o a questionar tais referências. No entanto, a ansiedade com relação à viagem o faz imaginar as etapas da travessia futura, preenchendo o vazio da experiência inédita com suas reminiscências literárias e cinematográficas:

¡Camino de España! Dársena Norte, Montevideo, Santos, Cádiz.

Días y más días de Océano. Evocación del Océano cinematográfico. De los bares de transatlánticos cinematográficos. De las muchachas en flor, que miran la luna apoyadas en una pasarela rejada. Toda la poesía del cruce. La línea del trópico. Los peces voladores. La constelación de la Osa. La Cruz del Sur, que se dibuja en el horizonte.

Llegada. Llegada imaginaria. De pronto se cierran los ojos. !Hay que esperar! (ibid)

São muitas as referências à literatura e ao cinema. Deste último Arlt foi confesso admirador,58 chegando, como dito anteriormente, a exercer por um breve período o cargo de redator da coluna cinematográfica do jornal El Mundo. O pouco investimento crítico desses textos abreviou sua permanência como redator da mencionada coluna. As cinco notas, que escreveu nesse período e que foram reunidas no volume Notas sobre El cinematógrafo, não representam a totalidade de seus comentários. As referências sobre o cinema podem ser encontradas em muitas de suas aguafuertes.59

Ainda no inicio de seu percurso pela Espanha, ao caminhar pelas ruas estreitas de Cádiz, constata o sentimento de angústia e opressão que estas lhe causam, muito diferente da nostalgia que lhe provocavam essas mesmas ruas estreitas vistas através de filmes

57 “Señores… me voy a España”, 12/02/1935.

58 “Casi nadie recuerda „La opera de cuatro centavos‟, a no ser los devotos del cine. […] Esa joya de la

cinematografía francesa, estaba tan perfectamente construída, tan cargada de sátira, que interesó a poca gente. La creyeron pura imaginación.” (grifo nosso) Roberto Arlt. “El novio y los veinticuatro ladrones” (in) Al Margen del cable, 2003, pp. 53-56.

59 Rose Corral (2008) esboça uma lista de filmes vistos e citados por Arlt em suas crônicas, incluindo as de

ambientados em velhas cidades espanholas ou italianas. O cronista se desculpa pelas insistentes referências que faz ao cinema e reconhece este como um modo ideal de viajar60 (“La gloria del sol”, 10/04/1935). A declaração de Arlt remete a experiência, prazerosa, do cinema que como um olhar privilegiado se coloca entre o sujeito e o mundo, organizando-o de tal maneira que propicia ao espectador um ver mais e melhor, livre do ônus da experiência real. Aquilo que escapa ao olhar natural, o “olhar sem corpo” recupera e amplia aprofundando a percepção. 61

Para Roberto Arlt o cinema era um veículo de comunicação massivo, universal e de rápida difusão e que exercia um poder, superior ao dos livros, sobre o imaginário coletivo (CORRAL, 2008, p. 156). A posição de Arlt, a respeito da força e aceitação do cinema assemelha-se à de Walter Benjamin que, ao comparar a pintura e o cinema, afirma a superioridade deste último, no tocante à representação da realidade:

[...] a descrição cinematográfica da realidade é para o homem moderno infinitamente mais significativa que a pictórica, porque ela lhe oferece o que temos direito de exigir da arte: um aspecto da realidade livre de qualquer manipulação pelos aparelhos, precisamente graças ao procedimento de penetrar, com aparelhos, no âmago da realidade. (BENJAMIN, 1994, p. 187)

Atitude textual

Passado o período da expectativa, que antecede a viagem, a questão que surge é contrapor conhecimento, adquirido nas viagens literárias e cinematográficas, à realidade observada. Na afirmação “A veces pienso que todo está por escribirse nuevamente” (“La gloria del sol”, 10/04/1935), Arlt expõe o conflito e, de maneira implícita, assume a tarefa de

60 A afirmação do cronista quanto à maneira ideal de viajar expõe os sentimentos díspares que a mesma

paisagem pode provocar no indivíduo, dependendo do tipo de experiência que realiza. Tal constatação assemelha-se a do personagem Duc des Esseintes, do romance Às Avessas, que a fim de evitar o cansaço da viagem e a decepção, por não encontrar paisagens vislumbradas na literatura, desiste de sua ida à Londres antes mesmo de cruzar o Canal da Mancha, e se pergunta: “Para que movimentar-se se se pode viajar tão magnificamente sentado numa cadeira?” Cf. J.-K. Huysmans. Às Avessas. 1987, p.170.

61Ismail Xavier no ensaio “Cinema: revelação e engano” (NOVAES, 1988, pp. 367-383) trata, entre outros

pontos, do olhar do cinema como mediação e elucida o elogio que faz Arlt ao cinema como uma maneira ideal de viajar: “O usufruto desse olhar privilegiado, não sua análise, é algo que o cinema tem nos garantido, propiciando esta condição prazerosa de ver o mundo e estar a salvo, ocupar o centro sem assumir encargos. Estou presente, sem participar do mundo observado. [...] Ocupo posições do olhar sem comprometer o corpo, sem os limites do corpo. Na ficção cinematográfica, junto com a câmara, estou em toda parte e em lugar nenhum; em todos os cantos; ao lado das personagens, mas sem preencher espaço, sem ter presença reconhecida. Em suma, o olhar docinema é um olhar sem corpo. Por isso mesmo ubíquo, onividente. Identificado com esse olhar, eu espectador, tenho o prazer do olhar que não está situado, não está ancorado – vejo muita mais e melhor.”

desconstruir o imaginário, imposto por essas referências, para construir outro. Pretende que sua experiência viageira, transformada em literatura, passe a ser uma nova referência. Esse compromisso assumido por Arlt é umas das características do escritor/viajante, como aponta Thaís Pimentel (1988) “Os viajantes produzem um olhar sobre o mundo o qual produz imagens que a todo o tempo se confundem com as da literatura. E muitas delas irão constituir novas imagens literárias”.

Essa tentativa de reescritura já aparece na crônica “Ya estamos a bordo”, que relata a travessia oceânica. Nesse texto, o cronista trata de desmistificar a imagem idílica da travessia de barco, divulgada pelo cinema, – e por ele evocada em crônica anterior – informando ao seu leitor que as viagens marítimas não são nada românticas, pelo contrário, são chatíssimas. Os passageiros sofrem de enjôos constantes e o navio se assemelha mais a um hospital aquático.

Na viagem empírica, que implica deslocamento físico e espiritual, o corpo também sai para viajar e isso pode trazer algum desconforto ao viageiro (BOTTON, 2003, p. 28). O abatimento físico causado pelos enjôos impede a descrição poética da travessia marítima. Arlt reconhece que há momentos de beleza e prazer, mas é impossível narrá-los devido ao mal- estar de que padece. Sabe que vai decepcionar o leitor, mas sua franqueza – um dos traços que compõem sua imagem de cronista/viageiro – não lhe permite omitir a realidade:

Debía, y esto de acuerdo con ustedes, haberles dedicado unas líneas a los poéticos efectos de luna sobre la llanura negra del océano; […] y por lo menos un párrafo a la gitanilla trashumante y azafranada, que nos

encalabrina a todos desde su sillón de mimbre; pero yo no soy Dios, las

páginas tampoco son infinitas, mis ganas de escribir pecan de escasas, y lo que ardientemente deseo es terminar este artículo, y tirarme en la cama… (“Ya estamos a bordo”, 25/02/1935, grifo nosso)

O que é verbalizado pelo viageiro – e aqui nos referimos ao viajante em geral– em seu relato foi, no momento da percepção, apreendido diluído em meio a uma série de outros elementos externos e internos como preocupações e desconforto físico. Pouco se retém dessa experiência, a memória (lembrança), à semelhança da imaginação artística e da expectativa, se encarrega de selecionar e simplificar tal experiência. O viageiro, e também o turista, tende a esquecer ou ignorar tudo o que há no mundo além daquilo que pode prever e espera encontrar em sua viagem. Botton vê na influência que as obras de arte exercem sobre o indivíduo como responsável por essa atitude do viajante:

[...] pois nelas encontramos o mesmo processo de simplificação ou seleção que atua na imaginação. Os relatos artísticos envolvem abreviações radicais

daquilo que a realidade nos impingirá. [...] A imaginação artística e a expectativa omitem e comprimem. Elas eliminam os períodos de tédio e direcionam nossa atenção para os momentos críticos. (BOTTON, 2003, pp. 22-23)

O indivíduo, na condição de leitor e/ou espectador, firma o pacto do faz-de-conta do jogo da ficção no qual não cabe questionar a veracidade ou autenticidade das representações artísticas. Ao questioná-las, Arlt comporta-se como o mais ingênuo dos leitores, quando não o é. Ele demonstra o que Said (2008) denomina como atitude textual. De acordo com esse estudioso, duas situações favorecem a atitude textual: a possibilidade de enfrentar o desconhecido e a experiência do êxito. Interessa-nos a primeira, pois se aplica a condição do viajante, que ante as incertezas da viagem recorre a guias e livros de viagem a fim de informar-se sobre o que vai encontrar. Diante do desconhecido, o viajante confia piamente na informação contida nessa literatura. O lido, então, é revestido de uma autoridade maior do que a realidade que descreve. Por isso, “Muitos viajantes se descobrem dizendo sobre uma experiência em um país novo que ela não corresponde a suas expectativas, querendo dizer que ela não é o que o livro afirmava dizer.” (ibid, p. 141).

A esse respeito, Sanhueza Lizardi (1886)62 comenta sobre o poder da literatura sobre o imaginário do indivíduo, e que mesmo o escritor, como é o seu caso, está suscetível, em um primeiro momento, a envolver-se pela imagem literária e buscar no mundo empírico a sua total correspondência:

Por más que uno esté convencido de que la mayor parte de los cuadros que el viajero traza y dibuja de los pueblos importantes […] que ha recorrido o visto, saca las luces y los colores de la conformación de su trama nerviosa, de las ideas que lo dominan […] la verdad es que uno cree que podrá ver sin la menor alteración y de la misma manera todas aquellas cosas de que nos ha hablado en las páginas de un libro… (ibid, p.169).

Roberto Arlt, escritor e jornalista, iniciado na arte e técnica da narrativa, sabe reconhecer o processo de economia literária a que um autor submete seu texto. Ele próprio se valerá de tais recursos quando da organização do livro de viagens. Portanto, devemos atribuir a atitude textual ao cronista, que é quem assume a responsabilidade pelo enunciado, e não a Roberto Arlt autor do enunciado. A atitude textual é um comportamento que se espera do

62 Rafael Sanhueza Lizardi, advogado e pedagogo chileno, viajou à Espanha no final do século XIX. Seu livro

Viaje en España foi publicado em Santiago do Chile em 1886 e em Paris em 1889. (GARCIA-MONTÓN, 2000, pp. 266-267)

leitor comum, desse modo, ao assumi-la, o cronista se coloca ao lado de seu leitor reforçando os laços de cumplicidade que os une. 63

Arlt narra a experiência viageira em sua completude, exibindo os momentos que podiam suscitar a inspiração poética e, que foram vivenciados diluídos em meio a outros acontecimentos pouco inspiradores, como se desconhecesse o processo de criação literária. Podemos dizer que o cronista, ao optar pela representação imediata e integral dessa experiência, – que expõe não só os momentos poéticos da travessia, mas também as dificuldades, por ele, sofridas – decompõe o processo de criação literária exibindo o material integral de onde o artista parte para a execução de sua obra, exibindo, ao contrario do que possa sugerir seu discurso, domínio do processos de criação literária. Não se trata de desconstruir uma imagem para construir outra e sim de mostrar os diferentes olhares que podem surgir a partir de uma mesma realidade. E com isso, preparar o leitor para receber e aceitar a sua representação literária sobre a Espanha.

63 A cumplicidade entre cronista e leitor busca a identificação entre ambos. O leitor vê no cronista um indivíduo

que pertence ao seu grupo social, que compartilha de sua memória ficcional. Segundo Martín Vivaldi (1973, p. 180) em nenhum momento o articulista – que equivale ao nosso cronista - deve mostrar superioridade com relação ao seu leitor, “el buen articulista [...] nunca debe abrumar al lector con su cultura. Sus conocimientos deben aparecer casi disimuladamente, como si su saber fuese de dominio público. La especial pedagogía del articulismo periodístico impone al escritor el enseñar las cosas disimuladamente, que no se note nunca su prosa al „dómine‟, al profesor.”

Mi estimado amigo […] Hábleme usted de lo que hay de humano en este lugar, de lo triste y de lo alegre; del sufrir de las gentes. Allá en la Argentina, que es un pedazo de España, quieren saber de estas cosas. Roberto Arlt

III. A imagem da Andaluzia nas “Aguafuertes Españolas”

Antecedentes

A Espanha foi, no século XIX, um dos destinos preferidos dos escritores românticos, sobretudo os franceses. Um dos motivos que os levavam a esse país era o desejo de afastar-se do mundo civilizado europeu que lhes parecia monótono e entediante. Viam o progresso, que ditava os moldes da vida burguesa, como responsável pela extinção das diferenças entre os países (ORTEGA CANTEROS, 1990).

Para o escritor romântico a Espanha, especialmente a região da Andaluzia, representava o diferente, o imprevisto, a possibilidade da aventura64. Era um lugar que não

64“El romántico viaja en pos de experiencia capaces de alimentar su temperamento y su imaginación. „Lo que

constituye el placer del viajero – escribe Gautier – es el obstáculo, la fatiga, hasta el peligro. ¿Qué encanto puede ofrecer una excursión cuando se tiene la seguridad de llegar, encontrar caballos preparados, una cama blanda, una buena cena y todas las comodidades que disfruta una en casa? Una de las grandes desgracias de la vida moderna es la falta de lo imprevisto, la ausencia de aventuras.‟ […] Viajar por España es abrirse a un mundo inaudito y fascinante, a una realidad no exenta de dificultades y riesgos. La legendaria figura del bandolero o el

havia sido alcançado pelo progresso, com natureza quase intocada, clima primaveril, detentora de um passado impossível de ser alcançado pelo viajante em seu país de origem. Um passado que, havendo conservado os traços da cultura muçulmana, aproximava a Espanha, país renegado da Europa, do Oriente próximo. A frase “África começa nos Pirineus”, atribuída ao escritor do Romantismo francês Alexandre Dumas (pai) dá uma idéia do tópico ligado à imagem da Espanha.

Os elementos buscados por esses viajantes foram acentuados em seus relatos, criando, assim, imagens da Espanha acordes com o ideário romântico, e que nutriram o imaginário de gerações posteriores.

Escritores/viajantes como Prosper Mérimée, Victor Hugo, Alexandre Dumas (pai), Theóphile Gautier são apontados (COLOMBI, 2004, p.116) como “responsables de la representación de España a partir de determinado repertorio del color local: pandereta, manolos, bandidos en los caminos, pobreza y grotesco.” Os estereótipos, perpetuados pelos escritores românticos sobre esse país – que além dos elementos citados, incluem os pátios floridos e ensolarados, a alegria perene, a sensualidade feminina, uma atemporalidade que permite vislumbrar uma Espanha pretérita, medieval e moura – estão presentes também nos guias turísticos editados ao longo do século XX. Esses manuais65, apesar de sua função documental, corroboraram com o discurso literário reforçando os estereótipos, pois não houve, por parte de seus autores, uma preocupação em atualizar tais informações.

Percebe-se, pela enumeração dos tópicos acima, certo protagonismo da Andaluzia, o que acarretou a assimilação de características próprias desta região como sendo comuns a todo país. Um exemplo dessa generalização é a personagem Carmem, de Prosper Mérimée que, inspirada na mulher andaluza com traços ciganos, compõe o estereótipo da mulher espanhola. Para muitos viageiros conhecer Espanha significava conhecer, principalmente, a Andaluzia.

calamitoso estado de los caminos subrayan lo que el viaje tiene de permanente aventura.” Nicolás Ortega Canteros (1990, p.123).

65 Hijano del Río e Martín Zuñiga (2007) analisam a imagem do andaluz projetada em alguns guias turísticos,

entre os quais figuram três de edição anterior a viagem de Roberto Arlt: Guías de España: Córdoba de Rafael Castejon (1930), Guía de Sevilla de Santiago Montoto (1930) e ¡Sevilla! Apuntes sentimentales para una guia