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IV. A imagem do Marrocos nas “Aguafuertes Africanas”

4.2 O retorno do cronista

Ainda encantado com o colorido das imagens pitorescas que se lhe apresentam, Arlt continua seu passeio pelo Zoco, mas parece haver abandonado seus dias de turista, pois a observar com mais atenção os personagens que circulam pelo mercado. Para descrever o ambiente, retoma o recurso da enumeração exaustiva, frases nominais que tentam dar conta de todos os tipos humanos, vestimenta, características, gestos daqueles que se aglomeram no Zoco para ver atuar o “jefe de conversación”, uma espécie de contador de histórias. Arlt se posiciona junto à platéia para acompanhar o espetáculo.

A história narrada em árabe não permite que o cronista conheça o conteúdo da mesma, por isso se atém aos gestos do narrador e à reação da platéia:

De pronto el narrador levanta la voz, pronuncia tres palabras y todos estallan en carcajadas. Algo aquí ha ocurrido; el xej se encorva, su cara se llena de terror, su palo se mueve en el aire. Evidentemente, está combatiendo con u espíritu invisible; todos contemplan espantados el enemigo con el cual batalla el narrador. De pronto el xej lanza un grito, levanta as manos al cielo; nuevamente pronuncia el nombre del Clemente, del Misericordioso; los dedos de la multitud vuelan de los labios a la frente; todos se quitan el gorro, vitorean el triunfo de Alá su profeta. Los viejos sonríen satisfechos; el narrador se frota la frente con la manga negra de la chilaba. Y señala a lo lejos. La multitud vuelve la cabeza para mirar huir al enemigo; el xej se sienta en cuclillas; para despabilar al auditorio arranca un redoble sordo del tambor, y luego extiende las manos. (“El narrador de cuentos” (03/08/1935)

100 “[…] un anfibio me ronda, restregándose los labios con la lengua y haciéndome guiños indecentes, estamos

en Tánger, señores, Tánger, codiciada por las potencias, donde conviven fraternalmente los vicios más extraordinarios, aquí todo está permitido.” Roberto Arlt, Aguafuertes Españolas, p. 74.

A experiência de ver atuando o contador de histórias impressionou o cronista. Sabemos que a série de contos orientais, de Roberto Arlt, foi diretamente influenciada pela passagem no Marrocos. No primeiro conto dessa série, “La aventura de Baba en Dimisch esh Shan” (ARLT, 1994) traz como narrador da história o “jefe de conversación”.

Esgotada as atrações do Zoco, o cronista começa a circular pela cidade para observar o cotidiano, aquilo que o guia de Tânger não menciona. Em seu deambular mais investigativo começa a desprender-se da visão do pitoresco, passa a enxergar e registrar a realidade que o circunda. Espanta-se com a sujeira e mau cheiro que impregna a cidade. Na crônica “¿Dónde está la poesia oriental?...” (02/08/1935), questiona-se sobre falsa imagem do Oriente poético e sedutor propagado pela literatura. Atribui à falta de poesia, que esperava encontrar, a ausência da mulher no convívio social:

Anuladas en la función social, desprovistas en absoluto de las más rudimentarias nociones de cultura, convencidas ellas mismas por efectos de la educación de su inmensa inferioridad respecto al hombre, son pequeñas bestias junto a las cuales se pasa indiferentemente como ante un muro. (ibid)

A mulher marroquina continua sob o foco do cronista, no entanto, deixa de ser objeto de desejo. Em pouco tempo, Arlt se inteira da dura vida das mulheres, tanto as campesinas quanto as citadinas, do atraso dos costumes, principalmente no que concerne às relações sociais. A este tema, o cronista dedica uma série de três crônicas, em que trata de todas as etapas do processo matrimonial. Na primeira Arlt trata dos acertos de casamento entre as famílias, nos quais os principais envolvidos, o noivo e a noiva, não participam (“Noviazgo moro en Marruecos...”, 06/08/1935). O cronista narra a partir dos pensamentos da mãe do noivo que pesa pós e contras de uma lista de possibilidades:

La madre musulmana […] medita en cuál de las muchachas de la vecindad puede ser convenientemente la esposa de su hijo. Aixa, la hija del platero, es demasiado cara; seguramente sus padres pedirán la misma dote que si su hijo fuera un caíd; Menana es ligeramente bizca y los padres ocultan inútilmente un secreto que ha dejado de serlo, pues ya de terraza en terraza ha corrido la noticia; Rahma es aficionada a mirar a los cristianos y no será extraño que aquel que se case con ella tenga que hacerla encarcelar por adúltera; Zodia, aunque es bonita, tiene mal aliento; lo sabe por chismes de su esclava. Axuxa, seguramente los padres pedirán cien duros por la muchacha; […] Y resuelta la mujer, gira en torno de esa abstracción que se llama Axuxa, (ibid)

O trecho acima exibe toda uma rede de intrigas que envolvem a negociação de um casamento. Impossibilitadas de sair de casa, informam-se pelas criadas que circulam pelos mercados e trazem informação que serve como trunfo na hora de negociar o casamento.

Na segunda crônica “Boda musulmana en Tânger...” (07/08/1935), descreve o cortejo e a cerimônia de casamento como um ato fúnebre. A noiva é carregada no interior da “mariá”, espécie de liteira cortinada com tecidos que oculta a jovem dos olhares exteriores. Para dar mais dramatismo à cena, Arlt traduz o termo “mariá” por “jaula”, sendo que “litera” descreve melhor a forma do objeto, contudo o termo escolhido pelo cronista traduz melhor a condição feminina no Marrocos: a de animal encarcerado.

A terceira crônica dedicada a esse tema, “Esclavitud del Marimonio...” (08/08/1935), narra o cotidiano das mulheres casadas. Os dados apresentados nas crônicas foram obtidos por europeus que vivem em Tanger, uma vez que dificilmente Arlt teria acesso a um lar marroquino.

Arlt inteira-se sobre a exploração do trabalho infantil e das mulheres. Estas como o verdadeiro motor da produção rural, são comparadas a animais, devido ao desumano esforço a que são submetidas no labor diário. Ao informar-se sobre as condições de trabalho da camponesa marroquina O cronista reconhece seu olhar de turista que, nos primeiros dias, somente enxergou o pitoresco.

Arlt tenta desmistificar a imagem poética ao mesmo tempo em que por ela se sente atraído. O cronista quando se afasta do maravilhoso e se aproxima da realidade o faz de maneira crítica. Abandona o olhar de turista, deixa de lado a paisagem e o pitoresco para focalizar a sujeira, a miséria, e o atraso dos costumes. No entanto, admite que apesar de todo o negativo que pôde observar, sente-se facinado: “África, África que me suscita y desenrosca de nuestros corazones los sentimientos más contradictorios, África que por momentos nos seduce con su color y en otros emana de su carnaza una bestialidad tan repulsiva que aterroriza…” (“El trabajo de los niños y las mujeres”, 05/08/1935)