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A BIBLIOTECA, A LEITURA E APROPRIAÇÃO DE SENTIDOS

CARACTERÍSTICAS BIBLIOTECA PÚBLICA BIBLIOTECA COMUNITÁRIA

4 LEITURA E CIDADANIA

4.2 A BIBLIOTECA, A LEITURA E APROPRIAÇÃO DE SENTIDOS

O saber, que hoje se encontra parcelado e disperso, herança do desenvolvimento técnico e científico do século XIX, deve ser repensado em uma perspectiva de complexidade. O ato de aprender está estreitamente vinculado a um processo de autoconhecimento em busca da realização plena do homem, que:

No actual contexto da sociedade moderna, o saber e a difusão do conhecimento assumem-se como um componente indissociável do desenvolvimento. Neste sentido, é necessário estabelecer uma articulação integrada, gerada entre os diversos agentes susceptíveis de rentabilizar significativamente o saber, nomeadamente os organismos detentores de conteúdos culturais (museus, bibliotecas, arquivos e centros de informação e documentação), entidades formais de criação e difusão do saber (escolas e universidades),

entidades de criação e difusão artística (escolas e universidades específicas, criadores e artistas) e instituições de I&D (universidades, laboratórios, empresas (CIRNE, 2010, p.1). Grifos nossos.

O conhecimento se tornou a principal força produtiva e é um consenso racional de ideias e informação (FREITAS, 2010). Nesse processo de construção do conhecimento, a prática da leitura é importante instrumento para o exercício da cidadania e para a participação social. Nas bibliotecas a leitura é uma atividade que deve ser entendida como código de interpretação da realidade e se faz presente em vários momentos: seminários de estudos, grupos de leitura, murais, recitais, saraus, dramatizações de texos. A leitura não deve visar apenas ao domínio técnico, mas principalmente à competência e desempenho, e saber usar linguagens em diferentes situações e contextos.

Segundo Milanesi (2002, p.96), com ações culturais orientadas a biblioteca contribui para a apropriação da leitura. Assim:

Ação cultural é denominação que se aplica a tipos diferentes de atividades e raramente associadas a bibliotecas. De um modo geral giram em torno de práticas ligadas às artes: música, teatro, dança, literatura, ópera... Pode ser uma exposição, um recital, um concurso literário... A qualidade do evento pode ir do amadorismo desajeitado ao mais alto grau de profissionalismo e de qualidade. Os motivos da atividade cultural também variam e de forma antagônica: do mero lazer à panfletagem política. [...] Quase sempre o público é um dos grandes problemas dos agentes culturais: nunca se sabe se ele estará presente ou se o espaço ficará vazio; se haverá participação ou constrangedor alheamento. [...] Aqui ela é vista como uma atividade associada à informação preexistente. Tendo como base a informação, ela é desenhada e implantada a partir da disponibilidade de acervos que estejam localizados num local específico: uma biblioteca pública ou onde determinadas informações estejam disponíveis.

A leitura tradicional abre espaço para a interpretação e leitura do desenho, da foto ou do filme, ganha profundidade, acolhe o explorador ativo de um modelo digital, ou até uma coletividade de trabalho envolvida com a construção do conhecimento.

A biblioteca deve oferecer informações de diferentes naturezas, suportes e linguagens que levem o sujeito da apropriação à construção identitária e cultural com

saberes orientados pelo mediador do saber, (profissionais da informação e educadores), numa ação contínua, integrada e planejada criteriosamente.

Segundo Sônia Kramer (1989, p.16), ―a prática pedagógica é entendida como prática social, viva e ativa‖, sendo que essa experiência remete ao processo de mediação na biblioteca. Sendo assim, Angel Pino (1991, p. 33), em suas pesquisas sobre a teoria de Vygotski, limita o significado de mediação, utilizando-o para:

[...] designar a função que os sistemas gerais de sinais desempenham nas relações entre os indivíduos e destes com o seu meio. Mais especificamente, [este termo] é utilizado para designar a função dos sistemas de signos na comunicação entre os homens e construção de um universo socio-cultural (PINO, 1991, p.33).

As contribuições de Vygotski (1896-1934), na abordagem histórico-cultural acerca da construção social dos processos psíquicos permitem articular o aspecto do funcionamento social e individual. Dessa forma, entende-se que a interação/ mediação entre profissional da informação/leitor é um forte auxiliador no processo de inserção social.

Deste modo:

 trabalhar os conhecimentos que venham a fortalecer a relação de compreensão do leitor sobre o meio em que vive, enfatizando as conexões e as redes conceituais interdisciplinares;

 utilizar a leitura e interpretação de texto, valorizando a linguagem;

 repensar a utilização do tempo e do espaço da biblioteca em benefício do usuário e da biblioteca;

 transcender os muros da biblioteca, levando os usuários para o contato com o ambiente físico, com o intuito de contextualizar os conhecimentos enciclopédicos.

No que diz respeito à atuação dos bibliotecários, mediadores do saber, agentes da informação e gestores cabe a necessidade de articulação entre o acervo distribuído e o leitor, o agir com ética. ―O profissional da informação, inclusive o bibliotecário, é o mediador entre o acervo passivo e o usuário, tendo um papel

relevante por lidar com questões especiais exigidas pela organização da documentação‖ (Carvalho, 2002). Seja por meio manual tradicional de organização ou com um computador e um software gerenciador de acervo, os catálogos são instrumentos de apoio a pesquisa e é visto como um canal de comunicação entre a biblioteca e os usuários. Contudo, nem sempre, oferecer acesso ao livro contribui para a prática efetiva da leitura.

Neste sentido, sugestões vêm sendo observadas, em distintas escalas, tanto para reformulações de políticas públicas de bibliotecas, como para modernização nos currículos da Biblioteconomia, sem descartar a relação família, escola e biblioteca. Para Carvalho (2006, p.11):

Sugere-se a necessidade de adotar políticas públicas que possam repensar a formação continuada pelos meios tradicionais ou interativos; criar disciplinas dedicadas à Literatura Infantil e Juvenil, Fundamentos de Leitura, Formação de Leitores nos Cursos de Letras, Biblioteconomia, Arquivologia, Pedagogia e áreas afins; valorizar o papel da pesquisa no campo específico; envolver alunos de universidades em programas de leitura.

[...]

As ações que exigem a participação da sociedade também merecem destaque, entre elas: a criação de bibliotecas em municípios, a manutenção de equipamentos; dinamização de programas de leitura em bibliotecas públicas e escolares integradas ao projeto político- pedagógico da escola; estímulo a programas de valorização da função docente; incentivo à pesquisa que beneficie o custo de materiais básicos para a leitura; projetos de estímulo à leitura nas escolas; implantação de ações voltadas para zona rural; valorização de ações de autores nacionais e incentivo a concursos literários; ampliação de parcerias com instituições similares; e viabilização de oficinas de leitura e escrita.

Finalmente, a articulação necessária entre a escola que ensina a ler e a biblioteca que garante o exercício da leitura.

A apropriação cultural é um dos maiores desafios na biblioteca brasileira, pois requer transformações em um sistema criado para atender a leitores que não possuem a mesma faixa etária, não têm o mesmo nível e ritmo de aprendizagem, e que depende ―de fases de desenvolvimento e maturação específicas‖ (PERROTTI; VERDINI, 2008, p.13).

A biblioteca de caráter público é um espaço sociocultural em que as diferentes presenças se encontram:

[...] são crianças, jovens e adultos que pertencem a classes sociais desiguais, têm diferentes origens étnicas, marcas de gênero, religião, tipos de famílias, contextos históricos e geográficos (rurais ou urbanos) onde se inserem ou de onde foram excluídos, com trajetórias feitas e desfeitas, rastros perdidos e nem sempre reencontrados (MOREIRA; KRAMER, 2007, p.1052).

A democratização da biblioteca deve assumir aportes verdadeiros, que levem o usuário a visualizar o próprio eu, percebendo-se como sujeito capaz de apropriar-se de novos conhecimentos, incorporando-os à sua prática social. Para tanto é importante, em primeiro lugar, implantar na biblioteca projetos para que todos os leitores compreendam o valor da leitura e, em segundo, cuidar das questões burocráticas da administração, que se esbarra na falta de autonomia para decidir, já que os processos estão todos previstos e descritos em manuais internos, restando apenas que os gestores os interprete. Significa um olhar para as propostas da Unesco, do Proler e para tantos projetos significativos apresentados na literatura sobre as questões relativas à biblioteca de apropriação de sentidos.

Uma realidade visível é bastante complexa: o cumprimento de metas préestabelecidas, por caminhos pré-traçados, através da determinação de tarefas burocráticas, uma vez que o caráter deliberativo da autonomia assume uma posição ainda articulada com o Estado. Contudo, o sucesso desses profissionais está na forma como a biblioteca é percebida pela sua comunidade (leitores, usuários, pais, professores e associações comunitárias), significando que os profissionais da biblioteca não devem apenas esperar os recursos financeiros e humanos advindos do poder público, para refletir e inovar no seu ambiente de trabalho. Esse cenário facilita a compreensão e o fortalecimento de práticas múltiplas guiadas pela vivência, pelo que o indivíduo pensa, acredita e prevê.

O desenvolvimento humano é determinado pelas aquisições vinculadas às experiências e pela estimulação ou imposição do meio externo social relativas a interações realizadas entre os indivíduos que compõem o grupo social. O homem é sujeito da sua própria educação: cria a cultura na medida em que, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre ela e dá respostas aos desafios que encontra: ―[...] todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, de seu trabalho por transformar e estabelecer relações dialogais com os outros homens‖(FREIRE, 1974, p.41).

Para Freire (1986, p. 22), "ler é reescrever o que estamos lendo. É descobrir a conexão entre o texto e o contexto do texto, e também como vincular o texto/contexto com o meu contexto, o contexto do leitor". Assim, reforça que o processo de adquirir competência oportuniza uma contínua abertura à experiência e à incorporação do processo de mudanças. Entendendo dessa forma, Kleimam (2004) parte do pressuposto de que leitura é uma atividade de interação entre dois autores sociais – autor/leitor. A complexidade toma uma direção subjetiva, apontando caminhos que visem estabelecer fundamentos para o papel da biblioteca no contexto da comunidade inserida, e na concepção real da realidade dos seus leitores.

Na medida em que os homens se aproximam ativamente da exploração de suas temáticas, sua consciência crítica da realidade se aprofunda. Dessa forma, é que a biblioteca tem papel importante nesse processo, abrindo espaço para o novo paradigma da sua função: local onde as habilidades individuais e grupais devem ser contempladas.

5 INSERÇÃO SOCIAL PELA LEITURA: BIBLIOTECA PÚBLICA INSTITUCIONAL