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3.5 – A Biblioteca escolar: um centro nevrálgico da comunidade educativa

A biblioteca escolar devido às suas características, objectivos e público-alvo, é sem dúvida um espaço que abarca três condições essenciais: “lugar de encontros de prazer com o livro, centro nevrálgico no processo de ensino e aprendizagem e espaço de dinamização cultural” (Cabrero, cit por Gomes, 2004, p.17). A biblioteca escolar é colocada no centro de uma série de inter-relações operadas no seio da comunidade educativa. A nossa reflexão vai incidir nas relações que a biblioteca escolar estabelece com os actores da comunidade educativa, apoiando-nos na figura do professor

bibliotecário, enquanto elo de mediação e cooperação com alunos, os órgãos de gestão, o corpo docente, os pais e restantes membros da comunidade educativa.

3.5.1. - O professor bibliotecário: um papel crucial

Para iniciar esta reflexão, somos tentados a repescar os termos utilizados por Sobrino (2000, p.63) que, ao falar da biblioteca escolar, refere que um dos seus aspectos mais apelativos será a “presença inspiradora do bibliotecário, confidente e encantador de serpentes”.

Certamente que esta comparação reflecte uma imagem poética e carinhosa da função do bibliotecário. Mas não deveria ser ele a personagem que dá vida a todos os mistérios e segredos que ali se encontram?

Sustentamos que o bibliotecário (no caso português aplica-se mais o termo professor bibliotecário) tem um papel fulcral em toda a dinâmica da biblioteca escolar, devendo por isso reunir uma série de características; deve possuir “uma formação técnica, o mais profunda e actualizada possível, mas é muito mais importante que seja um leitor convicto” (Idem, p.64). Ao mesmo tempo, torna-se cada vez mais premente que o professor bibliotecário tenha preparação para que, ao informar, formar e educar, transmita e ajude a adquirir as habilidades necessárias para o uso da informação e conhecimento, considerados como portas para a sociedade de informação em que vivemos. (Calçada, 1998, p.42)

Ross Todd (2006) reforça o papel da biblioteca escolar e, ao mesmo tempo, do professor bibliotecário, no que concerne à leitura e todas as capacidades que lhe são inerentes, ao afirmar que:

“school libraries and school librarians are critical in the reading- literacy knowledge life cycle, because they are the transformational link, the bridge between children learning to read, and children continuing to read, to know and to understand. They are a key to the education of children and the development of communities and cultures that highly value literacy” ao mesmo tempo, chama a

atenção para o facto de “it is not just creating the library as a

stimulating and engaging place, it is interventions by the school librarian personalized and tailored to the individual needs of each child to be a transformational link”.

A biblioteca escolar, para este autor, deve ser o elo transformacional que opera desde as idades mais precoces na criação de hábitos de leitura e posteriormente na

consolidação dos mesmos. Ao mesmo tempo, a biblioteca escolar é o meio de dotar os jovens utilizadores de ferramentas pessoais que lhes permitam aceder à informação e transformá-la em conhecimento.

Na verdade, a realidade dos nossos dias obriga a mudanças significativas por parte de todos os actores da comunidade educativa; o professor bibliotecário é também chamado, apesar de alguns constrangimentos que abordaremos de seguida, a captar a colaboração, essencialmente de outros professores para levar a cabo a sua missão no âmbito do processo ensino/aprendizagem cujos destinatários finais são os alunos. De acordo com Todd (2003) a biblioteca escolar distingue-se das outras em três aspectos essenciais: a diferença (os serviços prestados pela biblioteca pretendem, à priori, que seja exercida uma efectiva diferença nos seus principais utilizadores que são os alunos), a intervenção (o professor bibliotecário intervém pedagogicamente e a sua acção vai necessariamente reflectir-se na qualidade da aprendizagem do aluno) e a transformação (a biblioteca escolar vai actuar no processo de busca e transformação da informação em conhecimento, condição fundamental para o sucesso dos alunos). O professor bibliotecário é entendido como “um mediador activo do acesso à informação e um promotor das capacidades necessárias à sua recuperação e utilização efectiva” (Nunes, 2005).

O professor bibliotecário, deve ser, em suma, a coluna vertical onde se sustenta o trabalho realizado pelos restantes membros da equipa e os outros intervenientes da comunidade educativa.

Rueda (1998, p.32) refere que para que se pudesse atribuir a denominação de bibliotecário, a pessoa deveria reunir algumas condições básicas tais como:

“- Tener formación en Biblioteconomia y Documentación.

-Poseer preparación en aspectos metodológicos en relación con la búsqueda, uso y valoración de la información.

- Estar formado en organización, dinamización y gestión de la Biblioteca Escolar.

- Pertenecer al Claustro del centro en que la Biblioteca Escolar está inmersa.

- Tener la capacidad de motivar a la investigación, la lectura y el uso de la biblioteca.”

Tal como o autor constata, dificilmente os professores que desempenham a tarefa de professor bibliotecário possuem estas características. Ao mesmo tempo, apesar de já em 1996 o Programa de Lançamento da Rede de Bibliotecas Escolares preconizar

a existência de lugares de quadro para professores com formação específica nas áreas de biblioteconomia, e apesar da formação que tem sido disponibilizada a alguns professores e auxiliares, “ainda não foram regulamentadas as carreiras nem elaborado o respectivo regime de transição, o que cria instabilidade em quantos nela trabalham, dificultando a tão desejada fixação de técnicos nas bibliotecas” (Tavares, 2001, p.114).

O mesmo autor espanhol Rafel Rueda (1998, p.33) resume as funções do professor bibliotecário da seguinte forma:

“ – Analizar la situación y las necesidades de su centro; - Recoger y tratar la documentación. – Gestionar los recursos. – Comunicar y hacer circular la información. – Ofrecer recursos y oportunidades para el aprendizaje. – Participar en la capacitación de los alumnos y las alumnas en el uso de las fuentes de información. – Promocionar la lectura como medio de formación y de ocio. – Relacionarse con el exterior. – Participar con el profesorado del centro en la selección del material y de los recursos, tanto para la Biblioteca Escolar como para los departamentos o ciclos. – Orientar en el uso de la Biblioteca Escolar tanto el profesorado como al alumnado, ofreciendo pautas e instrucciones para dicho uso. – Orientar e informar a la Comisión Pedagógica del centro tanto de las adquisiciones de material como de las actividades y presupuesto de la Biblioteca Escolar”.

Ao professor bibliotecário são atribuídas muitas funções, que obrigam a que desenvolva uma série de competências pessoais em diversos domínios (técnico, afectivo, literário, psicologia, filosofia, informática, etc) (Nunes, 2005), tentando que cada encontro com uma criança seja o início de uma relação feliz com a biblioteca e com os seus mistérios.

Traçado o perfil do professor bibliotecário, importa realçar que o seu trabalho deve ser sempre apoiado e analisado, não de forma isolada, mas sim como o resultado de convergência de acções e objectivos de diferentes intervenientes, que apontaremos de seguida.

3.5.2. – Alunos construtores de saberes

Sobrino (2000, p 64) define um bom bibliotecário como aquele que “conversa com as crianças sobre as suas leituras, anima, sugere e orienta, mas sem perder de vista que nunca pode cercear a liberdade de escolha dos livros, e muito menos a liberdade de ir ou não ir à biblioteca”.

Desta feita, consideramos que o encantador de serpentes terá de centrar, num primeiro nível, as suas energias e atenção no público muito especial que são as crianças e jovens. Apesar dos muitos avanços que têm ocorrido nos últimos anos no que concerne à melhoria das condições de vida das populações e do acesso às TIC, é muitas vezes na escola que as crianças contactam pela primeira vez com essas ferramentas. Paralelamente, somos bombardeados a cada minuto que passa por informação diversa, proveniente de muitas fontes, sendo a escola o sítio ideal (uma vez que é na escola que se encontram pessoas com formação adequada para o efeito) para desenvolver nas crianças e jovens o sentido crítico, a análise atenta dos factos, o discernimento necessário para, por exemplo, na elaboração de trabalhos curriculares, o aluno ser capaz de não se limitar a procurar informação, copiar e transpor essa informação. Um trabalho curricular deve ser muito mais do que isso, obedecendo a um tratamento cuidado de análise crítica e posterior adaptação à situação em causa, pois

“information without purpose, without questions to be answered, is unnecessary, irrelevant, forgettable. Once obtained, information still needs to be handled with discrimination, and some that is found may have to be rejected and some may be worth using” (Royce, 2004, p

255-256).

A biblioteca pode assumir assim uma acção de apoio às necessidades dos alunos e, em contrapartida, ganhar com o envolvimento e participação dos mesmos nas actividades promovidas, tal como Veiga et al. (1996, p.53) defendem: “o funcionamento da Biblioteca e o seu plano de desenvolvimento e acção deverão integrar-se no Projecto educativo de Escola e, como tal, serem assumidos pela comunidade escolar”, onde se incluem necessariamente os alunos.

Para além das actividades de dinamização da biblioteca escolar em que os alunos devem participar, este espaço deve permitir que os alunos possam fazer o tradicional trabalho de casa, trabalhos em grupo, tarefas relativas à resolução de problemas, trabalhos de pesquisa, produção até de portfólios para serem apresentados aos professores ou aos colegas (IFLA / UNESCO, 2002, p.17).

Inci Onal (2004, p.230) na Conferencia Anual da IASL, a propósito de um estudo sobre os efeitos de Programa de Leitura na Turquia, concluiu que:

“there is general agreement that a wide and detailed knowledge of the children’s literature and children’s and young people’s choices of reading materials are deeply affected by the school library

arranged, and managed libraries, and work with encouragement of librarians for them. The school library is seen of the most important places for motivating children and young people to select, read, access and evaluate, not only printed materials, but also audio-visual and electronic materials.”

Os dados enunciados anteriormente levam-nos a apontar uma vez mais a biblioteca escolar como recurso propiciador da igualdade de oportunidades e simultaneamente, da promoção das literacias, sendo que a sua actividade se repercute no sucesso escolar dos alunos e no compromisso com um futuro que se quer sempre melhor.

3.5.3 – Professores cooperantes

Relativamente aos outros professores da escola (os que constituem a equipa da B.E. bem como o restante corpo docente), o professor bibliotecário deve ser capaz de criar redes de cooperação com vista a delinear e concretizar actividades em conjunto e promover a rentabilização dos recursos educativos existentes na biblioteca. Segundo o Manifesto da Biblioteca Escolar, da IFLA / UNESCO:

“Está comprovado que quando os bibliotecários e os professores trabalham em conjunto, os alunos atingem níveis mais elevados de literacia, de leitura, de aprendizagem, de resolução de problemas e competências no domínio das tecnologias de informação e comunicação” (2000).

Desta forma, urge reforçar o trabalho de equipa e colaboração dando, quer ao professor quer ao professor bibliotecário - que, por vezes só dispõe de uma escassa componente do seu horário para desenvolver as suas tarefas - uma nova dinâmica no que diz respeito ao processo de ensino / aprendizagem. Juntos devem procurar que os estudantes desenvolvam ferramentas pessoais de pesquisa autónoma de informação, tratamento e construção de saberes que os tornem simultaneamente aprendizes autónomos ao longo da vida.

3.5.4. – O papel dos órgãos de gestão

Os órgãos de gestão (Assembleia de Escola, Conselho Pedagógico, Conselho Executivo e Coordenadores de Departamento) e a forma como os elementos que os constituem concebem a biblioteca escolar vão ser também determinantes para toda a dinâmica que este recurso educativo pode adquirir. Desta forma, as suas acções e deliberações vão repercutir-se no desenvolvimento e pleno funcionamento da biblioteca escolar. Segundo a IFLA /UNESCO (2002, p.15) os órgãos de gestão têm a tarefa de:

“ -acknowledge the importance of an effective school library service and encourage the use of it;- (…) work closely with the library in the design of the school development plans, especially within fields of information literacy and reading promotion programmes; -(…) ensure flexible scheduling of time and resources to allow teacher’s and students’ access to the library and its services; - (…) ensure cooperation between teaching staff and library staff; - (…) ensure that school librarians are involved in instruction, curriculum planning, continuing staff development, programme evaluation and assessment of student learning; - integrate library evaluation and highlight the vital contribution a strong school library service makes in the achievement of the established educational standards”.

De salientar que os coordenadores de departamentos devem colaborar com o professor bibliotecário no intuito de que a biblioteca escolar assegure que os recursos da informação e os serviços que possui cobrem as necessidades especiais das diferentes disciplinas. Importa referir que o professor bibliotecário no caso das bibliotecas escolares inseridas na R.B.E., por inerência do cargo de coordenador, faz parte dos elementos que constituem o Conselho Pedagógico e a sua posição pode também influir positivamente nas interacções que os outros elementos podem estabelecer com a biblioteca escolar.

3.5.5 – A restante Comunidade Educativa

No que concerne à relação que o professor bibliotecário pode estabelecer com a restante comunidade educativa, destacando-se os pais e encarregados de educação, esta deve assentar num compromisso de aproximar as crianças da leitura desde as mais tenras idades; este trabalho de cooperação pode basear-se em tertúlias, discussão e

divulgação de leitura literária e utilitária, organização de exposições temáticas, colóquios, uma infinidade de acções que permitam o envolvimento efectivo dos pais.

Paralelamente, pais e encarregados de educação informados e conscientes das valências que a biblioteca escolar pode oferecer, criarão certamente nas crianças expectativas positivas e vontade de conhecer este espaço. Josette Jolibert (2000, p.147) ao apresentar um trabalho realizado em França por um conjunto de professores (no qual esta se incluía) no âmbito da formação de crianças leitoras, refere que a relação estabelecida com os pais nesta tarefa deve ser a de cumplicidade. A autora alerta também para o facto de que “nem todos os pais estão igualmente implicados na escola e no sucesso escolar dos filhos. Por isso, é conveniente procurarmos actividades diferenciadas que permitam a cada um encontrar um lugar onde se sinta à vontade, seja criativo e eficaz”. Desta feita, o professor bibliotecário deverá convidar todos os pais a conhecer e desfrutar dos recursos que a biblioteca oferece e encontrar estratégias para que cada um, de acordo com as suas possibilidades, possa dar algum contributo para prossecução dos objectivos da biblioteca.

A educação é um processo e um produto muito complexo, ligada “a todos os aspectos da vida de uma comunidade: vida política, religiosa, económica, científica, social, etc.” (Mialaret, 1980, p.47). Tendo em conta esta premissa, não podemos alienar- nos do facto de que a própria comunidade educativa interage com uma panóplia de instituições as quais, se influenciam reciprocamente, sendo que a articulação de opções e orientações deve convergir para o mesmo fim social que é a educação. A biblioteca escolar e, mais concretamente, o professor bibliotecário, pode também neste sentido ser um agente precioso ao serviço da formação, quer dos mais jovens quer dos adultos, no âmbito da formação contínua e ao longo da vida.