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3.3 – A biblioteca escolar e o projecto educativo de escola

O processo educativo é constituído por uma panóplia de interacções entre os diferentes intervenientes, trespassadas por directrizes governamentais e uma infinidade de processos que, têm como fim maior, a educação. À escola, em diálogo constante com a família e outras instituições, é solicitado que prepare a criança e o jovem para o mundo complexo que temos. Desta forma, deve ser entendida como um organismo vivo, porque constituído por pessoas e para as pessoas.

A escola deve caminhar no sentido de estar aberta à comunidade envolvente e a uma colaboração constante com os pais e encarregados de educação, criando oportunidades para uma maior participação da sua parte na vida da escola, rompendo com o desfasamento escola / restante comunidade. Tal como Formosinho (cit. por Costa 2001, p.4) refere: “a escola pressuposta pela Lei de Bases, é uma escola / comunidade educativa, uma escola com autonomia pedagógica e administrativa, é a escola enquanto comunidade alargada, tem a direcção em si própria”.

À escola são assim lançados novos e grandes desafios tal como refere Adelino Costa (1997, p.43)

“entre as valências relativamente ás quais se atribui os estabelecimentos de ensino, enquanto unidades organizacionais, responsabilidades acrescidas, parecem-nos ser de destacar: a tomada de decisões; a inovação e a mudança; a avaliação e a prestação de contas; a integração comunitária, a articulação inter-institucional a formação continua; alocação de recursos, a liderança organizacional”

Paralelamente,

"Una escuela que piensa está hecha por personas que piensan o aprenden a pensar. Aprender a pensar quiere decir literalmente abrir una discusión continua, un interrogarse continuamente, un observar, aportar material para discusiones, en que cada uno de nosotros controla la propia discusión, conciencia, responsabilidad, pensamiento ético, pensamiento cultural. Lo que importa es que la escuela piense y para pensar hacen falta muchas cabezas. Una cabeza sola puede pensar, puede llegar muy lejos, pero en el terreno de la educación se necesita la discusión conjunta, se necesita entrar en crisis" ( Malaguzzi, cit por Martins, 2005).

As palavras de Malaguzzi remetem-nos para a concepção moderna de escola; a escola que pensa, que estabelece hábitos continuados de auto-reflexão, que mobiliza todos os agentes educativos – dentro e fora e dos seus muros, que promove uma dinâmica de inovação (para a mudança), num movimento contínuo de adaptações a

sucessivas estabilidades dinâmicas, isto é, que não se deixa estar em apatias e constrangimentos mortificadores com vista a atingir os seus objectivos por demais já explicitados.

No contexto de escola moderna, que paralelamente pretende alcançar a sua autonomia, “poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados” (Dec. Lei nº 115 – A198, art. 3º), surge então o Projecto Educativo de Escola (P.E.E.), afirmando a sua identidade própria dentro da diversidade. O P.E.E. é um

“documento que consagra a orientação educativa de escola, elaborado e aprovado pelos seus órgãos de administração e gestão por um horizonte de três anos, no qual se explicam os princípios, as metas, as estratégias, segundo as quais a escola se propõe a cumprir a sua função educativa”(idem, ibidem).

Este instrumento é também

“[um] documento de carácter pedagógico que, elaborado com a participação da comunidade educativa, estabelece a identidade própria de cada Escola através da adequação do quadro legal em vigor à sua situação concreta, apresenta o modelo geral de organização e os seus objectivos pretendidos pela instituição e, enquanto instrumento de gestão, é ponto de referencia orientador na coerência e unidade da acção educativa” (Costa, cit. por Silva, 2000, p. 177).

Para Carvalho e Diogo (1999, p.47), o P.E.E. faz a definição da escola, ou seja, define “as opções da Escola - comunidade educativa quanto ao ideal de educação a seguir, as metas e finalidades a perseguir, as políticas a desenvolver”. Ainda segundo os mesmos autores, a Escola terá de se confrontar “com a necessidade de explicitar uma concepção de educação” devendo, para isso, “tomar a escola como referência, a comunidade educativa como lugar de acção”, e activar práticas inovadoras e construtoras de espaços de formação “ (Idem, ibidem, p.40).

O P. E. E. inscreve-se assim, num quadro de um processo de inovação e organização de cada estabelecimento de ensino. Ele deve ser assumido como uma etapa de planificação estratégica, reflectindo uma visão prospectiva que permita o delineamento de objectivos a que a escola se propõe, as acções a serem levadas a cabo, delimitadas no espaço e no tempo, de acordo com as possibilidades e limitações do

contexto educativo, empenhada em superar os seus constrangimentos e limitações, pela optimização das suas potencialidades. Esta visão deverá, assim, em nosso entender, ajudar a inventar e a construir um futuro melhor.

O P.E.E. pode ser também o instrumento privilegiado para se chegar à autonomia da própria escola (artº 2º. do Dec. Lei nº 43/89, de 3 de Fevereiro) e esta torna-se uma condição essencial para se atingirem os fins desejados localmente, ou seja, a sua adequação às características dos utentes e beneficiários, pois as medidas de política educativa decididas ao nível do estado central destinam-se a adequar o sistema educativo, no seu conjunto, ao ambiente geral. Só com verdadeira autonomia é que se pode construir uma nova escola, e só no âmbito desta, faz sentido a emergência do P.E.E.

Este documento nuclear da orientação educativa é um instrumento com projecção para o futuro, que

"esclarece o porquê e o para quê das actividades escolares, que diagnostica os problemas reais e os seus contextos (...), que prevê e identifica os recursos necessários de forma realista, que descobre e desenvolve os factores capazes de empenharem os actores na consecução dos objectivos da escola e o que avaliar, para quê, como e quando" (Alves, 1993, p.62).

O Projecto Educativo individualiza cada uma das escolas, materializa o seu retrato -singularidade-, pressupõe uma vontade colectiva e um envolvimento comunitário e é

“É por excelência um documento de compromisso acerca das linhas orientadoras da acção educativa; compromisso entre a politica educativa nacional e a sua adequação aos interesses regionais e locais; compromisso entre os vários interesses dos protagonistas locais do processo educativo; compromisso possível entre a realidade – humana, material e financeira – e a utopia. É o rosto filosófico da pedagogia de cada escola; é o enquadramento espiritual em que se inserem os Planos Anuais de Actividades, incluindo a intervenção da Comunidade Educativa e os Projectos Curriculares – e o Regulamento Interno” (Azevedo, cit por Rocha, 1998, p.103).

Desta feita, traçadas as linhas gerais da importância que o P.E.E. assume no processo educativo, somos levados a considerar a biblioteca escolar como um dos agentes a operar e integrar as orientações e metas que o sustentam. Para Veiga et. al (1996, p. 34) a biblioteca escolar “constitui um instrumento essencial do desenvolvimento do currículo escolar e as actividades devem estar integradas nas

restantes actividades da escola e fazer parte do seu projecto educativo”. Esta posição é partilhada por Valverde, Carrasco e Munôz (2000, p.18) ao afirmarem que

“Más allá de ser instrumento de uso más o menos habitual, la biblioteca escolar debe estar integrada en el proyecto educativo y curricular del centro como elemento activo, constituyendo el centro de recursos informativos, formativos y recreativas susceptíveis de intervenir en las actividades educativas, y que contribuyan a lograr los objetivos generales de proceso educativo”.

Esta visão de uma biblioteca activa, com objectivos claramente definidos e enquadrados nas grandes linhas gerais de acção da escola a que está vinculada, está também patenteada na Declaração Política da IASL sobre Bibliotecas Escolares,

“A biblioteca é essencial ao cumprimento das metas e objectivos de aprendizagem da escola e promove-os através de um programa planeado de aquisição e organização de tecnologias de informação e disseminação dos materiais de modo a aumentar e diversificar os ambientes de aprendizagem dos estudantes. Um programa planeado de ensino de competências de infirmação em parceria com os professores da escola e outros educadores é uma parte essencial do programa das bibliotecas escolares”.

Estão desta forma lançadas as sementes para que a biblioteca escolar, dotada de identidade própria que contemple uma politica documental e um programa de actividades de animação e formação coerentes com as especificidades do contexto, com as características, necessidades e interesses dos potenciais utilizadores, com os objectivos do P.E.E., contribua efectivamente para o grande desafio que é o sucesso escolar e educativo de criança e jovens.

Valverde, Carrasco e Munôz (2000, p.15 e 19) sugerem que tendo em conta as premissas anteriormente explicitadas, a biblioteca escolar pode servir a Comunidade Educativa em três aspectos fundamentais:

“- Como centro de información y documentación, facilitando a alumnos y profesores la información que necesiten en el proceso de enseñanza – aprendizaje. Esto implica, además de reunir, organizar y servir una colección bibliográfica suficiente y adecuada, que la biblioteca este al corriente de las nuevas tecnologías de la información, facilite el acceso a fuentes (bases de datos, etc) externos, oriente y forme en el uso de les distintos recursos, ayude a una selección critica de la información, etc, facilitando la adquisición

de técnicas y hábitos de trabajo intelectual y la autonomía en el aprendizaje. Implica también informar a la escuela de los recursos, servicios y actividades culturales del entorno.

- Como centro de lectura, fomentando la lectura y facilitando los materiales necesarios (libros de ficción, audiovisuales) así como el acceso libre a los mismos en un ambiente apropiado que invite a la utilización de los distintos medios con fines de esparcimiento.

- Como centro de actividades pedagógicas y culturales en relación con el libro, la información y las funciones que le son propias, colaborando en cuálas actividades culturales (exposición, debates, encuentros con autores, audiciones, representaciones) que fomenten la creatividad y la expresión, desarrollen hábitos de compartimiento y hábitos culturales para el uso creativo del ocio y del tempo libre”

Em suma, a biblioteca escolar deve ser vista como o local onde convergem informação, recursos de apoio às actividades curriculares e recursos susceptíveis de proporcionar prazer e conhecimento a todos os que dela usufruem.

O Manifesto da Biblioteca Escolar da IFLA/UNESCO (2000) define como meta prioritária que os integrantes da comunidade educativa se tornem “pensadores críticos e utilizadores efectivos da informação em todos os suportes e meios de comunicação”, tendo a biblioteca escolar que alcançar os seguintes objectivos:

- “Apoiar e promover os objectivos educativos definidos de acordo com as finalidades e o currículo da escola;

- Criar e manter nas crianças o hábito e o prazer da leitura, da aprendizagem e da utilização das bibliotecas ao longo da vida;

-Proporcionar oportunidades de utilização e produção de informação que possibilitem a aquisição de conhecimentos, a compreensão, o desenvolvimento da imaginação e lazer;

- Apoiar os alunos na aprendizagem e na prática de competências de avaliação e utilização da informação, independentemente da natureza e do suporte, tendo em conta as formas de comunicação no seio da comunidade;

- Providenciar acesso aos recursos locais, regionais, nacionais e globais e às oportunidades que confrontem os alunos com ideias, experiências e opiniões diversificadas;

- Organizar actividades que favoreçam a consciência e a sensibilização para as questões de ordem cultural e social;

- Trabalhar com os alunos, professores, órgãos de gestão e pais de modo a cumprir a missão da escola;

- Defender a ideia de que a liberdade intelectual e o acesso à informação são essenciais à construção de uma cidadania efectiva e responsável e à participação na democracia;

-Promover a leitura, os recursos e serviços da biblioteca escolar junto da comunidade escolar e fora dela”.

A biblioteca deve oferecer as ferramentas essenciais, com a participação de todos e para todos os membros da comunidade educativa, para palmilhar o trilho complexo do processo educativo. A biblioteca deve ser também o lugar privilegiado para desenvolver as competências informacionais que, nos dias de hoje, não podem ser esquecidas pelo P.E.E. O estudo “Information Literacy Standards for Higher

Education”, da Association of College & Research Libraries (ACRL), diz que:

“gaining skills in information literacy multiplies the opportunities for students self directed learning, as they become engaged in using a wide variety of information sources to expand their knowledge, ask informed questions, and sharpen their critical thinking for still further self-directed learning. Achieving competency in information literacy requires an understanding that this cluster of abilities is not extraneous to the curriculum but is woven into the curriculum’s content, structure and sequence” (2000, p. 5).

Ao mesmo tempo, a biblioteca estará também a cumprir a sua função social de esbater assimetrias e promover a igualdade de oportunidades, uma vez que o acesso às novas tecnologias ainda não é para todos.

Uma outra função da biblioteca escolar, que se enquadra perfeitamente na filosofia subjacente à existência do P.E.E., é a apresentada por Sérgio Andricaín (1999)

“y cabría agregar que en la biblioteca se nos enseña a compartir y a respectar los bienes comunes, la propiedad social, a través del cuidado de los libros, que constituyen un patrimonio de la comunidad informal de usuarios, un bien por todos compartido”.

A biblioteca surge assim como um organismo cheio de vida, palpitante no seio da comunidade educativa que estabelece redes com outros organismos, que se querem positivas e propiciadoras do crescimento harmonioso das crianças e jovens - os seus primeiros destinatários - e da restante comunidade educativa, no âmbito da educação permanente e ao longo da vida. A biblioteca escolar e o P.E.E. devem caminhar de mãos dadas, com convergência de objectivos e acções consertadas em que o empenho e colaboração de todos (papeis que iremos explicitar posteriormente) será decisivo para levar a cabo a missão da escola.