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ICAPÍTULO

I. INTRODUÇÃO A colite ulcerosa é uma doença de etiologia desconhecida que, juntamente

I.2. O conhecimento actual

I.2.3. A cancerigénese em colite ulcerosa

O CCR é considerado como a mais grave complicação da DIII de longa duração e a principal causa de mortalidade nos doentes com colite ulcerosa [Ekbom A et al 1992, Harpaz N & Tlabot IC 1996, Palli D et al 1998, Greenstein AJ 2000, Bernstein et al 2001, Cottone M et al 2008]. Apesar de contribuir com menos de 1% da totalidade dos casos de CCR, esta neoplasia é a principal causa de mortalidade em doentes com colite ulcerosa (cerca de 15% das causas de morte) [Lennard-Jones JE et al 1977, Ekbom A et al 1992] e constitui uma das poucas condições pré-neoplásicas conhecidas na mucosa do cólon. O risco relativo de CCR em colite ulcerosa de longa evolução é cerca de dez vezes superior ao da população em geral e aumenta significativamente nos doentes que têm início precoce da doença, colite extensa, lesões com maior gravidade, associação de colangite esclerosante e história familiar de carcinoma colorectal [Rubin DT & Parekh N 2000, Herszenyi L et al 2007]. Na meta- análise publicada por Eaden e colaboradores avaliou-se um risco absoluto para mais de 54 000 casos publicados em 116 estudos. Estes autores encontraram uma prevalência de CCR de 3,7% na colite ulcerosa com uma incidência de 0,3 % (uma neoplasia em cada 333 doentes). O risco cumulativo foi de 8,3%

aos 20 anos e 18,4% aos 30 anos [Eaden JA et al 2001]. Algumas publicações recentes encontraram uma tendência para a diminuição do número de casos de cancro, eventualmente relacionável com melhor vigilância e controlo da doença.

Acredita-se que a etiopatogénese do cancro colorectal associado a colite ulcerosa envolve uma progressão morfológica desde a mucosa inflamada com epitélio reactivo ao adenocarcinoma invasivo, passando por uma fase intermédia de neoplasia não invasiva (displasia) [Riddell RH et al 1983, Schlemper RJ et al 2000]. Rubio propôs, em 2007, cinco tipos de lesões precursoras para o carcinoma no contexto de colite ulcerosa: 1) áreas de displasia em mucosa plana; 2) focos de transformação vilosa displásica; 3) lesões displásicas exofíticas directamente associadas a colite ulcerosa designadas por “DALM” (“Dysplasia-associated-lesion or mass”); 4) áreas displásicas em mucosa do cólon “herniada”; 5) adenomas esporádicos não relacionados com colite ulcerosa [Rubio C 2007]. Na realidade, a heterogeneidade das lesões morfológicas encontradas na colite ulcerosa pode indiciar que há mais do que uma via de carcinogénese neste contexto [Brackmann S et al 2008].

Apesar de a displasia ser actualmente o melhor “marcador” de evolução para neoplasia invasiva, o seu diagnóstico nem sempre é fácil [Riddell RH et

al 1983], já que em áreas com inflamação activa, pode ser particularmente

difícil o diagnóstico diferencial com alterações regenerativas, podendo haver discrepâncias consideráveis, quer intra-observador quer inter-observadores. Por outro lado, num número significativo de casos, a sua identificação é coincidente com a de neoplasia invasiva. Estes aspectos apontam para a necessidade de haver uma melhor compreensão das vias de cancerigénese e de se identificarem marcadores precoces de evolução para neoplasia na mucosa intestinal dos doentes com DIII. Até hoje, a estratégia universal para diagnosticar precocemente estas neoplasias é a vigilância periódica dos doentes considerados de “alto-risco” (doença com mais de dez anos de evolução e com envolvimento extenso do intestino, doença iniciada antes dos 30 anos), com o objectivo de identificar as áreas de displasia/neoplasia não invasiva.

Tal como nos casos esporádicos, o CCR que se desenvolve no contexto de colite ulcerosa surge por uma acumulação de erros em genes supressores tumorais, oncogenes e genes de reparação de ADN, assim como da perda de

estabilidade genómica. Sabe-se actualmente que a cancerigénese no contexto de colite ulcerosa partilha alguns passos com as vias de cancerigénese em CCR esporádicos, mas parece seguir vias moleculares diferentes, com alguns passos ainda mal compreendidos. Com efeito, as mutações do gene APC parecem ser menos frequentes [Redston MS et al 1995, Tarmin L et al 1995] e as mutações do gene p53 mais precoces [Rabinovitch PS et al 1992, Harpaz N et al 1994] nos casos de colite ulcerosa. Muitos outros marcadores foram avaliados até à actualidade numa tentativa de compreender quais os passos que levam ao aparecimento de neoplasias em DIII, nomeadamente aneuploidia, mutação de

K-ras, TGFBR2, p14 (ARF) [Moriyama T et al 2007], DPC4, gene BARF [Aust

DE et al 2005], genes de reparação de ADN hMSH2 e hMLH1 [Cawkwell L et al 2000], não existindo ainda um consenso sobre os respectivos papéis na cancerigénese em colite ulcerosa. A instabilidade de microssatélites, que ocorre numa proporção de casos sobreponível nos dois contextos, parece ter um papel importante na colite ulcerosa, ocorrendo mais cedo do que nos casos de CCR esporádico [Fujiwara I et al 2008]. A instabilidade de microssatélites está presente em tecidos que são sede de processos inflamatórios crónicos, tal como ocorre na pancreatite crónica e também na mucosa intestinal dos doentes com colite ulcerosa, independentemente da presença ou ausência de displasia [Brentnall TA et al 1996], o que sugere que pode haver uma relação entre a inflamação crónica e o mecanismo de cancerigénese. Na realidade, Virchow formulou em 1863 a hipótese de que as neoplasias malignas ocorreriam em locais que são sede de processos inflamatórios crónicos [Cendan JC et al 2007]. Sabemos hoje que o desenvolvimento de neoplasias num contexto de inflamação crónica é um fenómeno biológico que pode ocorrer em múltiplos órgãos do tracto digestivo. Assim, o risco cumulativo de neoplasias em doentes portadores de colecistite crónica após 20 anos é cerca de 1%, representando um aumento de três vezes, quando o mesmo é comparado com o de uma população sem patologia vesicular. De forma semelhante, nos doentes com gastrite crónica atrófica associada a infecção por Helicobacter pylori encontra-se um aumento do risco de adenocarcinoma gástrico que é duas vezes superior ao da população sem gastrite [Schottenfeld D & Beebe-Dimmer J 2006]. No esófago, o risco de adenocarcinoma aumenta muito significativamente em situações de refluxo gastro-esofágico crónico com esofagite e metaplasia

intestinal (metaplasia de Barrett) [Shaheen N & Ransohoff DF 2002]. É também inquestionável a relação entre inflamação crónica e displasia na colite ulcerosa, sabendo-se que o risco de neoplasia aumenta com a gravidade, a extensão e a duração das lesões inflamatórias [Rutter M et al 2004, Itzkowitz S & Yio X 2004, Gupta RB et al 2007].

Em resumo, a displasia é actualmente o único “marcador” universalmente aceite de evolução potencial para neoplasia invasiva. O seu diagnóstico nem sempre é fácil e está dependente da amostragem e da experiência do observador. Muitos outros marcadores têm sido avaliados com o objectivo de melhorar a compreensão da cancerigénese na DIII e, sobretudo, para a detecção precoce dos doentes de risco, sem que se tenha atingido um consenso sobre o seu valor. Se a importância dos mecanismos inflamatórios é inquestionável na cancerigénese, ainda continuam por elucidar todos os passos da sequência de eventos moleculares que identificam, na DIII, a transição displasia -carcinoma.

I.3. Fundamentos científicos para a escolha do