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VI CAPÍTULO

VI. CONCLUSÕES Este trabalho teve o objectivo de contribuir para o esclarecimento de alguns

mecanismos relacionados com vias de cancerigénese no cólon de indivíduos com colite ulcerosa, com particular ênfase para o papel da cronicidade da inflamação e de componentes associados com o aparecimento de linhagens celulares metaplásicas.

Pretendeu-se avaliar a existência de padrões de diferenciação divergente, de tipo gástrico, na mucosa colorectal dos doentes com colite ulcerosa, revelados através da imunoexpressão de apomucinas características da mucosa gástrica (MUC5AC e MUC6), qual a relação dessa expressão com a gravidade e a duração das lesões inflamatórias e qual a relação entre a expressão aberrante de apomucinas de tipo gástrico e o risco de transformação neoplásica, indiciando um papel desempenhado por populações celulares metaplásicas no processo de cancerização. Foi também propósito deste estudo contribuir para esclarecer se havia relação da expressão aberrante de apomucinas de tipo gástrico com a expressão dos factores de transcrição SOX2 e Pdx1 e qual o estado de metilação das regiões promotoras dos genes envolvidos na codificação destes factores de transcrição, numa tentativa de elucidar alguns aspectos implicados no controlo da diferenciação celular no contexto específico desta patologia.

O estudo das características clinicomorfológicas demonstrou:

Pela análise dos resultados conclui-se que a série estudada é representativa do perfil clínico-epidemiológico dos doentes com colite ulcerosa, seguidos em serviços hospitalares especializados. Observou-se equilíbrio na distribuição entre sexo masculino e feminino, uma média de idades de 46,75 anos (± 17,58) e grande variabilidade da duração dos sintomas (1 ano a 37 anos, com uma média de 7,91 anos ± 8,16). O grande número de casos de pancolite (39,2%) reflecte provavelmente o facto de se tratar de uma população de doentes seguida em meio hospitalar, onde se concentra habitualmente maior número de casos com gravidade clínica.

No grupo de doentes com neoplasia encontrou-se uma média de idades mais elevada (59,08 anos vs. 43,08 anos, p = 0,000), mas também maior

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duração dos sintomas (16,47 vs. 6,36 anos, p = 0,000) e maior extensão da doença (80% de doentes com pancolite vs. 29,52%, p = 0,000), o que está de acordo com a associação positiva conhecida entre a duração e a extensão das lesões inflamatórias e o desenvolvimento de neoplasias. Havia uma diferença significativa quando comparada a utilização de agentes terapêuticos nos dois grupos: 85 casos (80%) no grupo I vs. 14 casos (56%) no grupo II, (p = 0,009). Demonstrou-se haver uma associação negativa entre a existência de neoplasia e a utilização de agentes terapêuticos, confirmando o factor “protector” de tratamento específico nos doentes com colite ulcerosa.

Das características morfológicas da presente série realça-se a observação de o grau de distorção da arquitectura das criptas se correlacionar com a intensidade da inflamação e com a duração da doença, reflectindo os fenómenos lesionais e reparativos próprios da inflamação recorrente e, revelando-se o parâmetro histológico que diferiu de forma mais significativa entre os doentes sem displasia vs. com displasia/neoplasia invasiva. A depleção de muco associou-se sobretudo a actividade da inflamação, equivalendo a um bom critério histológico de “agudização” da doença. Ao contrário do que se esperava, a metaplasia de células de Paneth não acompanhou uma duração maior da doença ou maior intensidade das lesões inflamatórias. Comportou-se, nesta série, como uma condição que dependerá eventualmente de outros factores que influenciaram a variação individual.

A metaplasia de células de Paneth encontrou-se com menor incidência nos doentes com neoplasia e correlacionou-se de forma negativa com a existência de displasia ou neoplasia, sugerindo a possibilidade de identificar factores protectores para a transformação neoplásica da mucosa.

A identificação de displasia multifocal em grande número de doentes (68% dos casos do grupo II) deve reflectir um “efeito de campo” em relação ao processo de cancerigénese na colite ulcerosa.

Observam-se frequentemente áreas de padrões serreado, mucinoso e mucocelular nesta série, o que corrobora estudos recentes e sugere a possibilidade de identificar a via de cancerigénese serreada no contexto de colite ulcerosa. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

O estudo das apomucinas gástricas e dos factores de transcrição SOX2 e Pdx1 na presente série demonstrou:

Verificou-se a existência de expressão aberrante das duas apomucinas gástricas MUC5AC e MUC6, em ambas com tendência para reproduzir o padrão da mucosa gástrica normal, ou seja, com marcação predominantemente no terço superficial da mucosa para a MUC5AC e no terço profundo para MUC6.

Quando comparada a expressão de MUC5AC entre os dois grupos de doentes (doentes sem displasia vs. doentes com displasia ou neoplasia invasiva) encontrou-se uma diferença estatisticamente significativa. Correlacionou-se com a distorção arquitectural e com parâmetros de inflamação (actividade, intensidade, duração dos sintomas), o que favorece a hipótese de poder reflectir os processos inflamatórios e reparativos da mucosa.

Observaram-se diferenças significativas na expressão de MUC6 entre os doentes sem displasia e com displasia ou neoplasia invasiva, com uma percentagem de casos marcados muito superior nos doentes do grupo II (57,7% vs. 10,7%). Esta expressão permitiu ainda distinguir subgrupos de doentes quando avaliados os graus da variável “displasia/neoplasia invasiva”, observando-se diferenças entre os doentes sem displasia vs. doentes com displasia e entre doentes sem displasia vs. doentes com neoplasia invasiva. Não se encontraram diferenças significativas quando comparados doentes com displasia vs. doentes com neoplasia invasiva. Verificou-se que há uma correlação com a duração da doença, com a expressão de MUC5AC e, nomeadamente, com a variável “displasia”, pelo que se admite que a presença de MUC6 reflecte eventos bioquímicos provavelmente precoces associados á transformação neoplásica.

Observou-se a expressão anormal dos factores de transcrição SOX2 e Pdx1, quer em mucosa com alterações regenerativas e inflamatórias quer em mucosa neoplásica. Ao contrário da presença de apomucinas, a expressão de SOX2 foi sobretudo evidenciada nas áreas de tumor menos diferenciadas ou em neoplasias que apresentavam padrão mucocelular. A expressão de Pdx1 correlacionou-se nesta série com a distorção da arquitectura das criptas e com a expressão aberrante de MUC5AC, o que

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está em contradição com publicações que a associam principalmente com MUC6.

A expressão de SOX2 correlacionou-se com a expressão das duas apomucinas estudadas, particularmente com a MUC6.

A expressão de SOX2 correlacionou-se com a existência de displasia, sendo a variável que demonstrou uma associação estatística mais forte (R = 0,522; p = 0,000). Observou-se uma correlação negativa entre esta variável e a utilização de agentes terapêuticos (R = - 0,376; p = 0,000). Quando se compararam as médias de expressão dos factores de transcrição entre o grupo I e o grupo II observou-se que só a expressão de SOX2 (e não a de Pdx1) possuía significância estatística.

Concluiu-se, assim, que o estudo da expressão anormal dos factores de transcrição foi útil porque o SOX2 revelou poder ser importante na modulação da expressão de apomucinas gástricas e um putativo marcador de risco, atendendo à sua forte associação com a existência de displasia/neoplasia.

O estudo do estádio de metilação da região do promotor dos genes

SOX2 e Pdx1 evidenciou:

O coeficiente de metilação da região do promotor do gene SOX2 identificou maioritariamente ausência de metilação em 24 amostras (80%), tal como ocorreu com gene Pdx1.

Quando os valores do coeficiente de metilação dos promotores foram comparados entre os grupos I e II, embora se tenha identificado para o SOX2 uma tendência para valores mais elevados no grupo II (17,82) e mais baixos no grupo I (13,47), não se encontrou valor estatístico nessa tendência. Não se observou haver relação com as diferentes variáveis histológicas e clínicas e o coeficiente de metilação do gene Pdx1.

Não se observou qualquer correlação entre o estado de metilação do promotor dos genes SOX2 e Pdx1 e a expressão de apomucinas e de factores de transcrição.

Quando avaliadas as variáveis clínicas, observou-se uma correlação negativa pouco significativa entre o coeficiente de metilação do SOX2 e a variável “terapêutica”. 7. 8. 9. 1. 2. 3. 4. 5.

O coeficiente de metilação do promotor do gene SOX2 correlacionou- se com a presença de displasia/neoplasia, o que poderá explicar-se pelas características da série estudada, designadamente no que se refere a uma certa heterogeneidade de tipos neoplásicos. A microdissecção poderia seleccionar as áreas que expressaram SOX2 e Pdx1 no estudo imunohistoquímico, podendo vir a ser útil, no futuro, para clarificar o significado destes resultados.

Assim, de acordo com os resultados obtidos no estudo desta série, conclui-se que:

A sequência “adenoma → carcinoma” descrita no CCR esporádico poderá incluir na colite ulcerosa o percurso biopatológico “inflamação → metaplasia /diferenciação anómala → displasia → carcinoma”, tal como sugere a expressão aberrante de mucinas (particularmente MUC6), que admitimos possa ser um evento precoce na via de cancerigénese em colite ulcerosa.

O gene SOX2 desempenha provavelmente um papel importante nesta sequência, quer através da sua relação com expressão de MUC6, quer participando eventualmente em alguns dos eventos moleculares que levam ao desenvolvimento de neoplasias. Esta participação parece ser um acontecimento molecular “tardio”, posterior ao aparecimento de expressão de mucinas aberrantes e provavelmente determinante no aparecimento de adenocarcinomas com menor grau de diferenciação ou de subtipos histológicos particulares.

A existência de analogias com a via “serreada”, descrita no CCR esporádico e que terá como lesão percursora o pólipo hiperplásico e o adenoma serreado séssil, sugere que poderá ocorrer uma via de cancerigénese sobreponível na colite ulcerosa. Esta via, que inclui seguramente uma etapa de metaplasia, poderia ser chamada de “via metaplásica”, reflectindo de forma mais correcta os eventos biológicos que lhe estão subjacentes (Figura 20). Não sendo a única via responsável por casos de CCR em colite ulcerosa será, muito provavelmente, uma das mais importantes neste contexto.

6.

Este estudo contribuiu para uma melhor compreensão da carcinogénese colorectal no contexto de inflamação crónica, propondo a existência de uma via “metaplásica” num número significativo de casos de CCR em doentes com colite ulcerosa. A melhor compreensão das vias de cancerigénese envolvidas no cancro colorectal no contexto de colite ulcerosa e a comprovação de que a expressão aberrante de MUC6 e de SOX2 representam marcadores precoces de evolução para neoplasia na mucosa intestinal com inflamação crónica poderão concorrer para uma melhor vigilância clínica dos doentes.

Cancro colorectal em colite ulcerosa: via “metaplásica”

Figura 20 – Sequência de eventos moleculares implicados na via de carcinogénese “metaplásica” em colite ulcerosa (proposta pessoal, modificado do modelo de Itzkowitz SH et al 2004).

VII