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ICAPÍTULO

I. INTRODUÇÃO A colite ulcerosa é uma doença de etiologia desconhecida que, juntamente

I.3. Fundamentos científicos para a escolha do tema

I.3.2. A diferenciação anómala no cólon

No cólon estão pouco investigados os processos de metaplasia. Alguns estudos relatam a existência de metaplasia gástrica ou “pseudo-pilórica” no intestino proximal de doentes com doença de Crohn [Liber AF 1951, Ahnen DJ et al 1994, Longman RJ et al 2000, Buisine MP et al 2001] mas este fenómeno, que parece ser muito invulgar encontra-se mal documentado no intestino distal. É reconhecida a existência de metaplasia de células de Paneth no cólon como um fenómeno frequente, sinónimo de cronicidade do processo inflamatório, mas não há referências claras a outras populações celulares aberrantes identificáveis por histologia convencional em patologia inflamatória ou neoplásica.

Uma forma possível de pesquisar a presença de populações celulares com características fenotípicas aberrantes poderá ser através da identificação da expressão de mucinas não nativas e, por isso, anómalas. As mucinas são glicoproteinas de elevado peso molecular, geneticamente codificadas, com “núcleos” proteicos glicosilados [Ho S B et al 1995, Buisine MP et al 1998] e estão presentes em muitos epitélios que contactam com o meio exterior “hostil”. Estes epitélios conseguem proteger-se de agressões extrínsecas através da secreção de um gel mucinoso ou muco que forma uma barreira defensiva que, adicionalmente, se destina a seleccionar as substâncias que interagem ou devem ser absorvidas pelas células. As mucinas são responsáveis pelas propriedades visco-elásticas do muco e são produzidas por numerosas estruturas: olhos, ductos pancreáticos, vesícula biliar, próstata e principalmente, tracto respiratório, tracto gastrointestinal e tracto ginecológico.

O epitélio intestinal está coberto por uma camada contínua de muco, que é segregado predominantemente pelas células caliciformes. As características estruturais desta barreira são indicadoras da sua função fisiológica e as alterações na sua composição são, há muito, conhecidas em várias patologias

do tubo digestivo.

Os genes das mucinas codificam proteínas ricamente glicosiladas que se caracterizam por um número variável de sequências de péptidos ricos em serina, treonina e prolina (apomucinas) e contêm um grande número de cadeias de oligossacáridos (Figura 1).

Figura 1 – Representação geral da estrutura de um monómero de mucina (Adaptado de R. A. Bowen, Hypertexts for Biomedical Sciences, 1998).

A expressão diferencial de mucinas é específica de um determinado tipo celular e tecido e é cuidadosamente regulada a nível genético e epigenético, estando envolvida quer na diferenciação quer na carcinogénese [Lesuffleur T

et al 1994, Kim YS et al 1999, Packer LM et al 2004, Leroy X et al 2006,

Mizoshita T et al 2007].

As técnicas histoquímicas que são utilizadas para a detecção de mucinas dependem da capacidade para reconhecer carboidratos de cadeia positiva ou negativa. O uso de técnicas de imunohistoquímica e hibridação in situ permite identificar especificamente as várias apomucinas nas células e nos tecidos. Com a utilização de novas técnicas de biologia molecular foi possível esclarecer alguns dos processos responsáveis pela regulação da sua expressão. Foram descritos até à data vinte e um genes que codificam mucinas secretoras e de membrana e foram identificados dois agrupamentos: os genes das mucinas secretoras MUC2, MUC5AC, MUC5B e MUC6, localizados no cromossoma 11p15.5 e os genes MUC-3, MUC-11 e MUC-12 localizados no cromossoma 7q22. Pelo contrário, as mucinas de membrana estão dispersas por três regiões cromossómicas (7q22, 3q, 1q21) [Pigny P et al 1996, Desseyn JL et al 1998,

Rousseau K et al 2007]. A secreção de uma determinada mucina ou a sua identificação membranar são, enquanto presença permanente e geneticamente determinada, um marcador de diferenciação ou de fenótipo tipo celular.

No epitélio gástrico adulto normal encontram-se predominantemente MUC1, MUC5AC e MUC6, os dois primeiros tipos expressos no epitélio de superfície (foveolar) e MUC6 expresso nas glândulas profundas (mucopépticas). Na mucosa gástrica normal não se identifica MUC2. Pelo contrário, a mucosa intestinal adulta normal expressa MUC2, que começa a ser produzida no intestino fetal por volta das dez semanas de gestação, protege o epitélio intestinal da bílis e do líquido amniótico e contribui para a formação do mecónio. O padrão de expressão de mucinas evolui ao longo da vida fetal, sendo possível identificar, por técnicas de imunohistoquímica e hibridação

in situ, a expressão de MUC5AC na mucosa do intestino até cerca das oito

semanas de gestação. No entanto, esta reduz-se significativamente com o crescimento do feto e, a partir das treze semanas, desaparece completamente. A mucina MUC6, pelo contrário, não é detectada, nem na fase embrionária nem na fase fetal do desenvolvimento intestinal [Buisine MP et al 1998, Reid CJ & Harris A 1998].

Foi descrita a presença críptica de características gástricas em mucosa intestinal evidenciada pela expressão das apomucinas MUC5AC e MUC6 em pólipos hiperplásicos, em adenomas vilosos e em CCR esporádicos [Biemer- Hutman AE et al 1999, Bartman AE et al 1999, Jass JR & Walsh MD 2001]. A presença de MUC5AC e MUC6 na composição da mucosa do cólon representará, assim, uma forma de diferenciação anormal que lhe faz atribuir características de tipo gástrico. Na colite ulcerosa, a existência deste processo e a sua relação com a inflamação crónica e com o processo de cancerigénese é ainda pouco clara. Foi descrita ocasionalmente [Jass JR et al 1988, Shaoul R

et al 2004, Forgue-Lafitte ME et al 2007], permanecendo por explicar o seu

significado e quais os mecanismos biopatogénicos que lhe estão subjacentes. O processo de diferenciação celular enquanto aquisição de capacidades funcionais pode considerar-se um somatório de sucessivas alterações qualitativas e quantitativas que surgem na sequência da síntese de diversos produtos genéticos. O controlo deste processo de síntese é multifactorial, com factores intrínsecos e extrínsecos à célula a contribuírem para o modular, daí

resultando a expressão de características fenotípicas anómalas, como é próprio da alteração denominada metaplasia. O esclarecimento dos mecanismos moleculares subjacentes à expressão de um fenótipo aberrante ou metaplásico pode contribuir para compreender os processos da cancerigénese em que a metaplasia faz parte integrante da sequência biopatogénica. Este pode ser o caso de alguns mecanismos envolvidos na expressão anómala de mucinas. Os factores responsáveis pela regulação dos genes das mucinas parecem ser muito complexos e começam a ser agora melhor conhecidos. Sabe-se que podem ser activados a nível transcricional por diversos mediadores, incluindo citocinas pró-inflamatórias, produtos bacterianos, factores de crescimento e hormonas [Van Seuningen I et al 2001, de Bolos C et al 2001]. No tracto respiratório foi descrita a activação de MUC5AC mediada por EGF-R e pelos seus ligandos EGF e TGF-alfa,[Takeyama K et al 1999]. Foi também descrita a mesma activação da transcrição mas mediada pela cascata Src/Ras/MAPk/pp90RSK [Perrais M et al 2002], envolvendo o factor nuclear de transcrição NF-kappa. Os mecanismos reguladores epigenéticos, através de alterações do padrão de metilação da respectiva região promotora, parecem também estar envolvidos na expressão aberrante de mucinas [Vincent A et al 2007].