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VCAPÍTULO

V. DISCUSSÃO A existência de um processo inflamatório crónico poderá ser um dos

V.2. A importância dos fenómenos adaptativos com alteração da diferenciação celular na colite

V.2.4. Metilação e regulação epigenética

Durante o desenvolvimento embrionário as células que são originalmente totipotentes transformam-se em células multipotentes após algumas divisões, dando origem a células somaticamente diferenciadas. A perda progressiva de “potencialidade” durante os processos de diferenciação até células adultas tem implicações fundamentais, sendo a recuperação da pluripotência através da reprogramação nuclear um dos maiores desafios que a medicina regenerativa defronta [Reik W 2007] e a disrupção deste processo um factor provavelmente crucial na transformação neoplásica. A diferenciação das células embrionárias humanas em células adultas requer a repressão de factores de transcrição responsáveis por manter a pluripotencialidade, bem como carece da activação de certos genes que estão envolvidos no desenvolvimento. Ambos os processos biológicos são regulados por mecanismos epigenéticos específicos.

Os mecanismos epigenéticos, não sendo os únicos responsáveis pela regulação da expressão de genes, têm-se revelado de importância crescente

nas alterações que determinam o aparecimento de neoplasias [Holliday R 2005, Brena RM & Costello JF 2007, Herceg Z 2007, Verma M et al 2007]. As células neoplásicas têm muitas vezes metilação aberrante e silenciamento de múltiplos genes que regulam processos fundamentais (controlo do ciclo celular, reparação de ADN, angiogénese), permanecendo por explicar as causas desta metilação aberrante das regiões dos promotores [Shen L et al 2007, Suehiro Y et al 2008]. A metilação da região do promotor parece ser um evento importante na tumorigénese no contexto de inflamação crónica e tem sido identificada a sua ocorrência em lesões pré-neoplásicas. É conhecido que a metilação de ilhas CpG em vários genes parece preceder a displasia e ocorrer, de forma difusa, na mucosa dos doentes com colite ulcerosa [Issa JP et al 2001], não apenas na mucosa neoplásica mas também em mucosa sem displasia. Um dos genes em que se observou hipermetilação foi o p14ARF, importante na modulação celular do p53 através da interacção directa com o gene MDM-2 que medeia a degradação da sua proteína. Sato e colaboradores [Sato F et al 2002] demonstraram inactivação do p14ARF por hipermetilação, não só em áreas de carcinomas e displasia em doentes com colite ulcerosa mas também em casos de mucosa inflamada não neoplásica, considerando ser um fenómeno precoce na cancerigénese, responsável pelo menos em parte pelas alterações do p53 observadas precocemente neste contexto. Outro gene que se demonstrou estar hipermetilado nas fases iniciais da cancerigénese em colite ulcerosa foi o HPP1 [Sato F et al 2002, Schulmann K et al 2005, Belshaw NJ et al 2008]. Curiosamente, este gene encontra-se também frequentemente hipermetilado em pólipos hiperplásicos do cólon, que não se consideram constituir lesões pré-neoplásicas e também em alguns casos de CCR esporádico [Young J et al 2001].

A metilação do ADN não é, no entanto, o único mecanismo responsável pela regulação da expressão de genes. A transcrição de ADN é ditada pala sua estrutura e a densidade de “acondicionamento” é geralmente indicativa da frequência de transcrição. As histonas são proteínas octaméricas que formam complexos com o ADN e são responsáveis pelo espiralização da hélice, podem ser temporariamente modificados pela fosforilação, com consequências mais ou menos permanentes nos níveis de expressão dos genes. A acetilação das histonas é também um processo importante para a transcrição. As enzimas

histona-acetiltransferases têm capacidade para dissociar o complexo ADN - histona, permitindo a transcrição. Outros factores são responsáveis pela regulação da transcrição mediada pela polimerase do ARN, conhecendo-se pelo menos cinco mecanismos diferentes: “factores específicos” (que alteram a especificidade de uma polimerase do ARN para um determinado promotor), “repressores” (que se ligam a regiões não codificadoras de ADN e encobrem a região do promotor, impedindo a progressão da ARN polimerase), “factores de transcrição gerais” (posicionam a polimerase do ARN no início de uma sequência codificadora de uma proteína e induzem a transcrição de ARN), “activadores” (estimulam a interacção entre a polimerase do ARN e um determinado promotor) e “estimuladores” (locais em que a helix de ADN se liga a um activador e forma ponte com um determinado promotor). A regulação da estabilidade do mARN é, por sua vez, um factor importante na modulação da expressão de um gene, condicionada por estímulos exteriores [Cheadle C et al 2005]. Entende-se assim que os mecanismos responsáveis pela expressão genética são complexos e dependem de numerosos factores.

Neste trabalho, avaliámos o estado de metilação do promotor dos genes

SOX2 e Pdx1, não tendo sido demonstrada correlação entre a ausência de

metilação e a expressão de SOX2 ou Pdx1 nos casos estudados. Em 3 casos identificou-se expressão de SOX2 e metilação do promotor. Uma explicação possível poderá residir nas características das amostras estudadas, em que existem células de diferentes linhagens e áreas neoplásicas com diferentes padrões e graus de diferenciação, algumas das quais sem evidência de SOX2. Na realidade, esta expressão observou-se sobretudo em áreas com menor grau de diferenciação e, particularmente, quando havia um padrão mucocelular, ocorrendo ser muitas vezes heterogénea numa mesma amostra. Não tendo sido seleccionadas as áreas a estudar com recurso a microdissecção, poderá ser esta a explicação para os resultados obtidos na avaliação do estado de metilação da região do promotor. Além disso, outros factores poderão ser aventados para explicar estes resultados, nomeadamente se será necessário atingir um determinado nível de metilação (cut off) para reprimir a expressão dos genes ou, ainda, se serão outros mecanismos os responsáveis pela expressão dos factores de transcrição neste contexto, particularmente no caso de SOX2.

determinante na expressão do gene SOX2 na patologia observada. Todavia, face aos resultados obtidos, não dispomos de dados suficientes para concluir qual o papel real da metilação destes genes na sequência inflamação→neoplasia e qual a sua relação com a expressão aberrante de apomucinas neste modelo. Para clarificar esta questão admite-se que estudos funcionais, em linhas celulares, possam ajudar a avaliar o efeito da metilação dos genes investigados neste tipo específico de patologia.

V.2.5. A via “serreada” e outras vias de carcinogénese na