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A Caracterização das Variáveis no Modelo: Os Preditores e os Mediadores

Ao se considerar o estresse como um processo na perspectiva da psicologia social, torna-se possível desmembrá-lo em seus antecedentes, recursos adaptativos, e, por último, o desfecho sobre a saúde. Essa relação aqui equivale, conseqüentemente, à percepção do estressor (antecedentes), preditores e mediadores (capacidade adaptativa) e as repercussões do estresse (desfecho) (Figura 4).

A análise simultânea da predição e da mediação de variáveis independentes (VI) sobre variáveis dependentes (VD) apresenta-se como um avanço a ser consolidado nesta área (Brosschot, Pieper & Tayer, 2005). Percebe-se, hoje em dia, que ao largo das pesquisas observacionais e associacionais que dominaram a história do estresse (Lazarus, 2000; Sommerfield & McCrae, 2000), é premente a proposição de um modelo teórico teórico, cujo princípio esteja pautado no efeito determinante de mediadores e o impacto dos preditores (Asberg et al, 2008; Cohen, Janick-Deverts & Miller, 2007; Gadalla, 2009; Moreno & Roda, 2003; Nezlek, 2008).

Os preditores definem-se como VI pré-existentes que possuem a capacidade de incrementar ou mesmo provocar, ainda que parcialmente, a manifestação de uma VD. Como ilustração, o sexo se apresenta como um dos preditores mais estudados em relação ao estresse (Klainin, 2009). Sobre isso, no trabalho de Hagedoorn, Sanderman, Bolks, Tuinstra e Coyne (2008), analisando a adaptação de casais frente ao câncer de um dos conjugues, observou-se que as mulheres exibem maiores índices de estresse em comparação aos homens, independente do cônjuge que esteja no papel de doente. Logo, percebe-se que o preditor (sexo) modificou a intensidade da VI (adaptação ao câncer em um dos conjugues) sobre a VD (nível de estresse).

Além do sexo, é possível relacionar outras quatro variáveis que compõem o grupo de preditores mais freqüentemente investigados no tocante ao estresse e a saúde. São eles: a raça (Harrel, 2000; Leicht, 2008), o status socioeconômico (Marmot, 2005; Nielsen et al, 2008; Wilkinson & Marmot, 2003), a idade (Goodman, McEwen, Dolan, Schaefer- Kalkhoof & Adler, 2005; Stawski, Sliwinski, Almeida & Smyth, 2008) e a religiosidade (Bade & Cook, 2008; Emmons & Paloutzian, 2003).

Sabendo-se que estes preditores podem apontar para características particulares de inserção social dos indivíduos, revelando o locus de cada grupo na sociedade, estas

variáveis fazem parte do conceito de contexto psicossocial aqui definido por mobilizarem diferentes desfechos a depender do enquadre considerado na análise. Assim, dada a extensa lista de variáveis que poderiam ser relacionadas, os cinco preditores supracitados foram especialmente selecionados em virtude de quatro motivos:

1. Há uma maior quantidade de pesquisas que realizam a análise destas variáveis em relação ao estresse e aos perfis da saúde física e mental, o que disponibiliza um maior rol de discussões e explicações acerca dos seus efeitos sobre o estresse; 2. Estão documentadas comprovações de efeito isoladas, o que já demonstra o impacto das variáveis sobre o estresse, geralmente de forma uni ou bidimensional (i.e. renda e/ou raça e estresse);

3. São variáveis que diferenciam fenotipicamente os indivíduos, sendo características básicas para a formação de protótipos, cujo efeito se percebe na influência sobre hábitos e pensamentos dos indivíduos pertencentes a estas categorias, o que produz diferentes perfis de saúde dentro dos estratos que cada variável ligada ao contexto psicossocial delimita;

4. São variáveis que tendem a compor os perfis epidemiológicos da saúde de indivíduos e populações, o que favorece à criação de hipóteses de largo espectro.

Em resumo, os preditores são inclusos no desenho do modelo teórico desta pesquisa em virtude de sua capacidade de alterar o desfecho do estresse, compondo o agrupamento de variáveis representativas da concepção de contexto psicossocial e o seu papel modulador da saúde.

Falando-se agora dos mediadores, estes são variáveis que explicam a forma pela qual a VI altera o status da VD, transmitindo o efeito de uma sobre a outra. Dito de outro modo, o mediador é a variável que demonstra como e porquê os efeitos de uma VD ocorrem frente à a uma VI (Baron & Kenny, 1986). Em psicologia, o mediador geralmente é um construto psicológico que se insere como variável latente na seqüência causal da relação entre a VI e a VD (Mackinnon, Fairchild & Fritz, 2007), logo, é a via de acesso de eventos externos e mudanças de estado interno, sejam estes físicos, psicológicos ou sociais, que repercutem na dinâmica psicológica (Baron & Kenny, 1986).

Como exemplo de um mediador bastante explorado em relação ao estresse, as estratégias de enfrentamento são mecanismos cognitivos que buscam manejar eventos

estressores que excedem ou sobrecarregam os recursos individuais de adaptação (Lazarus, 1999). Estas estratégias atuam na mediação entre a percepção do estressor (VI) e a precipitação do estresse (VD) (Taylor & Stanton, 2007).

Pesquisas sobre as estratégias de enfrentamento consolidaram seu papel como um recurso psicossocial, pois as formas de lidar com o estressor são influenciadas tanto por variáveis contextuais, como por processos psíquicos ligado ao desenvolvimento longitudinal da capacidade de adaptação (Lazarus, 2000; Sommerfield & McCrae, 2000; Sontag, Graber, Brooks-Gunn & Warren, 2007). Dentre os estudos que afirmaram a sua mediação no processo de estresse, Littleton e Breikopf (2006) encontraram que estratégias de enfrentamento focalizadas na emoção elevam o impacto e a cronicidade de sintomas psicológicos ligados à experiência de estupro, associando-se positivamente a presença de seqüelas psíquicas decorrentes do estresse oriundo do trauma.

Assim como nas pesquisas sobre as estratégias de enfrentamento, através da literatura é possível ressaltar outros construtos psicossociais que denotam impacto sobre o estresse. Dentre os mais pesquisados, além das estratégias de enfrentamento, quatro foram especialmente relacionados para esta investigação: a percepção de controlabilidade (Scott Jr. & House, 2005; Winstein & Quigley, 2006), o suporte social (Devereux, Hastings, Noone & Totsika, 2009; Uchino, 2006), a valência afetiva (Folkman & Moskowitz, 2004) e a resiliência (Frazer & Parkenham, 2008; Neblett, Philip, Cogburn & Sellers, 2006).

É pertinente ressaltar que embora se refiram a construtos voltados para a adaptação e manejo das adversidades, usualmente associados ao estresse, cada um dos construtos psicossociais atuam em um foco de mediação em algum nível distinto dos demais, ou seja, são formas responsivas pressupostas como relativamente autônomas, criadas por teóricos a fim de espelhar as diferentes habilidades ou meios recursivos que, uma vez ativados, designam modos particulares de lidar com os estressores e administrar o estresse.

A seleção destes construtos como os mais salientes mediadores do estresse ocorreu em consonância a quatro motivos cruciais para o desenvolvimento do modelo teórico do estresse objetivado por esta pesquisa, são eles:

1. O elevado número de estudos envolvendo estes construtos, principalmente no tocante à saúde, o que reflete a busca por uma compreensão detalhada acerca dos seus funcionamentos enquanto atenuadores ou maximizadores das respostas adaptativas;

2. Compreendem aspectos individuais, interpessoais, desenvolvimentais, sociais e psicológicos, como também transacionais e longitudinais que abarcam diversas frentes da capacidade adaptativa que podem interagir entre si e dinamizar os recursos utilizados para lidar com fatores estressores;

3. São medidas objetivas e de fácil consecução, o que promove a contínua testagem acerca da validade de seus pressupostos e a extrapolação da visão clínica a respeito das habilidades e da capacidade adaptativas humana;

4. Comportam os grandes e particularmente recentes investimentos dos estudiosos em psicologia a fim de entender como o sujeito psicológico, ainda que social e biológico, tem elevada capacidade de alterar e determinar o mundo em que vive, transformar a forma de se comportar e interagir em sociedade, além de particularizar a significação das suas experiências.

Enfim, por se constituírem em recursos adaptativos mobilizados para promover o ajuste do indivíduo aos desequilíbrios do meio externo e interno, compatibiliza-se, nesta pesquisa, o conceito de mecanismos psicossociais de adaptação ao papel dos mediadores do estresse, pois envolvem meios adaptativos em nível psicológico e social que permitem a regulação da capacidade de lidar com o advento dos estressores.

Tanto em relação aos preditores, como aos mediadores, é válido lembrar que há outros construtos ou características que poderiam compor o quadro de variáveis aqui consideradas como capazes de influenciar o estresse, porém, juntamente aos critérios já explicitados, restringiu-se a este número de variáveis (cinco preditores e cinco mediadores) com o intuito de que seja viável a testagem do modelo teórico, pois cada construto e variável tem um método de coleta específico e que, quando combinados, tornam o escrutínio individual de informações bastante extenso.

Conforme argumentos expostos até o momento, sabe-se que embora os preditores e mediadores sejam cruciais na análise dos processos que se situam entre a VI e a VD, na psicologia não é usual encontrar pesquisas que se direcionem a investigar a mediação e envolvam a análise da interação destes dois tipos de variáveis (Mackinon, Fairchild & Fritz, 2007), o que também se aplica ao estresse (Brosschot, Pieper & Thayer, 2005; Cohen, Miller & Rabin, 2001; Monroe, 2008; Moreno & Roda, 2003). Por exemplo, é mais fácil obter pesquisas que relacionam isoladamente alguns preditores à VD e, em relação aos mediadores, geralmente se busca determinar a relação de um ou dois construtos em

direção à VD, sendo factível supor que as nuanças da capacidade de adaptação humana são restringidas aos construtos que o pesquisador se propõe a investigar.

Com isso, o que aqui se busca é integrar a testagem das medidas segundo os mediadores e preditores, formulando-se uma proposta que represente os fatores que influenciam em diversas direções e dinâmicas da capacidade adaptativa. Entende-se que a medida isolada de um mecanismo psicossocial não apreende a complexidade dos recursos que são acionados frente à ação dos estressores, visto limitar-se a compreensão a uma dimensão adaptativa. Em conseqüência disso, julga-se necessário analisar a ação conjugada de diversos mediadores, observando como atuam interativamente sobre a adaptabilidade humana.

Mediante o que foi exposto neste capítulo, acredita-se que o mais importante questionamento que se faz é acerca da mediação do estresse, cujo papel é aqui atribuído aos mecanismos psicossociais, pois, seguindo o crivo da relação percepção-avaliação do estímulo estressor, a transmissão do significado parece ser o elemento fulcral para a identificação da variabilidade da capacidade adaptativa. Neste viés interativo, onde mecanismos psicossociais de adaptação podem interagir entre si na produção do impacto do estresse e os contextos psicossociais exibem diferentes níveis de exposição, espera-se que a elaboração de um modelo teórico possa contribuir ao elucidar os diferentes caminhos adaptativos que alteram a resposta final do estresse.

Enfim, tendo sido explicitadas as relações entre os mecanismos psicossociais de adaptação como mediadores e o contexto psicossocial como preditor, é factível supor que estas variáveis, agora sustentadas por relações teóricas, permitam o desenho de um modelo explicativo. Logo, considerando que na criação de um modelo teórico são necessárias definições que esclareçam o lugar e o poder de cada variável inserida na proposta a ser testada, intentar-se-á, a seguir, delimitar a direção da relação entre as variáveis, apontando para a necessidade de investigação acerca da causalidade do estresse.

4.2 O Modelo Teórico do Estresse e a Arquitetura Explicativa da Capacidade de