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O Modelo do Risco Acumulativo e o Estresse como Elemento

3.2 O Diálogo entre a Epidemiologia Social e a Psicologia Social sob a Ótica

3.2.2 O Modelo do Risco Acumulativo e o Estresse como Elemento

A proposta de Defur et al (2007), aqui denominada como Modelo do Risco Acumulativo, trabalha em um contexto mais específico dos determinantes da saúde, centrando-se no agrupamento de fatores de risco. Na definição do NEJAC (2004), risco acumulativo significa a combinação de diversos fatores socioambientais que incidem sobre um dado sistema (seja ele um organismo, indivíduo ou grupo), tendendo a combinar-se e sobrecarregar a capacidade adaptativa, o que desencadeia processos deletérios que podem levar a sua desestabilização e desintegração (Hatch, 2005).

Em análise inicial, Defur et al (2007) apontaram que é falho considerar que os níveis de vulnerabilidade apresentados por indivíduos são similares aos observados em comunidades e populações. Para eles, apesar da constatação que os estressores químicos e biológicos chegam a um mesmo fim − a vulnerabilização −, os estressores psicossociais são específicos e percorrem caminhos diferentes na fomentação de fatores de risco, porque dependem de aspectos adaptativos em nível individual. Isto significa que apesar do fato que nos modelos previamente desenhados haver a menção aos fatores de risco individuais, essas propostas se mostravam incipientes quanto às formas de medida do risco e vulnerabilidade. Enfim, não se pode considerar o indivíduo como um alvo não responsivo, ou seja, deve-se compreender como ele recebe o estímulo estressor processa e reage ao estresse.

Como proposta inovadora em seu modelo, Defur et al (2007) incluem variáveis psicossociais na avaliação do risco acumulativo em geral, o que as compatibiliza com as medidas clássicas de fatores de risco como os estressores biológicos e químicos. Como um todo, no Modelo do Risco Acumulativo estão relacionados fatores que afetam os sujeitos, comunidades e o meio ambiente, capazes de modificar o nível de vulnerabilidade e comprometer a mobilização de recursos adaptativos. São descritos aspectos objetivos e subjetivos, grupais e individuais de vulnerabilidade, no intuito de evidenciar a complexidade inerente a uma macro-determinação das questões envolvidas no processo de saúde-doença.

Feitas as explicações iniciais, a saúde, neste prospecto, é definida como o produto de três fatores: 1. Condições Ambientais (estressores); 2. Características dos Receptores

(medidas de potencial vulnerabilidade); e 3. Recursos Disponíveis dos Receptores (habilidade de restabelecer-se mediante a exposição) (Figura 3).

Para a mensuração do risco, as duas primeiras dimensões são colocadas como a origem dos determinantes sociais da saúde e a terceira é derivada dos aspectos protetores observados nas anteriores. Sumarizando, a vulnerabilidade resulta de como os estressores interagem com o receptor e de como os receptores respondem aos estressores percebidos, sustentando-se na capacidade de responder suficientemente à situação e prover um adequado restabelecimento pós-exposição.

Condições Ambientais

Estressor 1

Estressor 2

Estressor n

Ambiente físico e social Comunidade Ambiente familiar e de trabalho Individual Desfecho A Desfecho B Desfecho Z Vulnerabilidade

Características dos Receptores (biológicas, sociais e psicológicas)

Receptor

Indivíduo Comunidade

População

Exposição

Figura 3. Modelo Conceitual para a Consideração da Vulnerabilidade no Risco Acumulativo - Modelo do Risco Acumulativo (Defur et al, 2007).

No Modelo do Risco Acumulativo, cada uma das três dimensões é subdividida em componentes específicos para a detecção dos determinantes, visando a, ao final, obter critérios para a mensuração da vulnerabilidade. Assim, as “Condições Ambientais” são contextos de exposição que promovem desestabilidade ou predisposição ao adoecimento, oriundos do meio ambiente ou da configuração de recursos básicos para a sobrevivência em sociedade. Esta dimensão subdivide-se em três categorias de avaliação:

1. Familiar: na qual se avalia a estrutura familiar e sua posição social na comunidade. É composta por critérios como renda, estabilidade residencial,

alimentação, qualidade da habitação, instabilidade conjugal, crises familiares, imigração, dentre outros;

2. Comunitário: envolve a qualidade do ambiente de convivência entre grupos e pessoas. É caracterizado por índices de criminalidade, localização da moradia, proximidade a centros industrializados, capital social, transporte público, qualidade das redes sociais, segregação, pobreza, etc.;

3. Institucional: refere-se aos recursos infra-estruturais e de organização social que atuam na regulação de comportamentos e práticas em sociedade. Inclui o acesso a serviços de saúde e escolarização, a valoração social da atividade laboral, relações raciais, nível de desigualdade quanto ao uso de equipamentos públicos, oportunidades econômicas, dentre outros derivativos de instituições macrossociais.

A proposta de Defur et al (2007) é que em cada uma das categorias sejam investigados os fatores estressores mais freqüentes e o seu impacto sobre o processo de saúde-doença dos indivíduos, conforme as condições ambientais experienciadas e o nível de estresse ocasionado pela exposição.

A dimensão “Características dos Receptores” compreende os mecanismos ou processos subjacentes à inserção social que representam recursos individuais, relacionais ou sociais de enfrentamento de situações estressoras. Deste modo, estão também inclusos fatores psicológicos e sociais que afetam a vulnerabilidade em nível individual, pressupondo que o repertório comportamental e psicológico é um intermediário da exposição aos estressores. Nesta dimensão, outras três categorias de avaliação são relacionadas, que conjuntamente favorecem ou limitam a adaptação individual; são elas:

1. Biológica: condições inatas que carregam consigo determinações específicas quanto ao aparato biológico e que, independente do aspecto genômico, estão sujeitas a diferentes tipos de exposição social. Estão inseridos nesta categoria o sexo, o gênero, a idade, a raça, dentre outros;

2. Personalidade e inteligência: são filtros intrapsíquicos da realidade que propiciam maior ou menor capacidade de adaptação. Aqui entram fatores como pessimismo, agressividade, temperamento, introversão e nível de inteligência;

3. Interpessoal: recursos desenvolvidos em meio às redes sociais que auxiliam no processo de enfrentamento e adaptação aos estressores vivenciados individualmente ou em grupo. São cotejados aspectos como qualidade das relações interpessoais, habilidade para enfrentar adversidades que atinjam seu grupo de pertença, aceitação e suporte social, conflitos intra e intergrupais, dentre outros que impactam sobre a intensidade da vulnerabilidade a depender da rede de relacionamentos dos indivíduos.

Em relação à dimensão “Recursos Disponíveis dos Receptores”, Defur et al (2007) pontuaram que são aspectos que permitem o organismo recuperar-se das conseqüências ou mesmo compensar os efeitos da exposição aos estressores. Com efeito, a conjectura das Condições Ambientais e as Características dos Receptores designam o quanto é possível suportar os estressores e manter um adequado padrão de adaptação. Em outras palavras, trata-se da capacidade de recuperar-se e obter o melhor nível possível de adaptação após a ocorrência do estresse.

É importante notar que apesar de o Modelo do Risco Acumulativo ser descritivo e se deter a compor configurações de risco, o contexto psicossocial e os mecanismos psicológicos revelam-se como cruciais na graduação da vulnerabilidade. Ao lado dos fatores biológicos e químicos clássicos, os níveis de exposição e submissão a estressores sociais já acumulam evidências consideráveis para se sustentarem como elementos centrais na determinação do processo de saúde-doença (NEJAC, 2004; Gee & Payne-Sturges, 2004; Sexton & Hattis, 2007). Supõe-se, então, que a vulnerabilização ocorre quando diversos mecanismos psicossociais são acionados pelo indivíduo, mas estes recursos falham em promover um nível de adaptação salutar.

Como embasamento para novos estudos, Defur et al (2007) salientaram que apesar das maciças recomendações de inclusão de variáveis psicossociais no estudo da vulnerabilidade, poucas pesquisas têm explicado como estas atuam na facilitação para o adoecimento. Trabalhos recentes de diferentes campos de estudo fazem menção a necessidade dessa investigação, tanto os que estão ligados às áreas da psicologia da saúde e psicologia social da saúde (Blyth, Macfarlane & Nicholas, 2007; Leventhal et al, 2008; McEwen, 2008b; Miller, Chen & Cole, 2009; Stanton, Revenson & Tennen, 2007; Pottie & Ingram, 2008; Veissier & Boissy, 2007), como os pertencentes à epidemiologia social (Adler & Rehkopf, 2008; Bartolomucci, 2005; Carroll, Phillips, Hunt & Der, 2007; Defur

et al, 2007; Dupéré & Perkins, 2007; Gee & Payne-Sturges, 2004; Kopp, 2007; Krieger,

2001; Marmot, 2006; Wilkinson & Marmot, 2003; Shulz & Northridge, 2004).

Um aspecto a ser observado no Modelo do Risco Acumulativo é que apesar de considerar que recursos psicossociais e biológicos implicam notoriamente sobre a saúde, agindo por intermédio do estresse, os aspectos psicológicos de adaptação são limitados a dois construtos clássicos: inteligência e personalidade. Considerando-se apenas traços constitutivos e de menor flexibilidade como a personalidade e a inteligência, a capacidade adaptativa dos indivíduos é situada aquém da variedade de mecanismos psicológicos e sociais de ajuste ao meio ambiente, supondo reduzida capacidade de alterar e reconfigurar respostas adaptativas mediante o sucesso ou insucesso frente às situações de exposição (Bartolomucci, 2005; Bartolomucci et al, 2005; Lazarus, 1999; Lazarus & Folkman, 1984; Skinner & Zimmer-Gembeck, 2007).

Nesta perspectiva, pelo fato de que o estresse em humanos depende intrinsecamente da interpretação das mudanças percebidas no ambiente externo e das ameaças advindas deste contato, a avaliação do estressor, que é um forte diferencial dos níveis de adaptação, impõe-se como um elemento chave na modulação da saúde (Ericksen & Ursin, 2002; Lazarus, 2000; Ursin & Ericksen, 2004). Assim, como a avaliação cognitiva é mais complexa que a redução à análise da inteligência e da personalidade, é necessário incluir demais aspectos do funcionamento psicológico e psicossocial, abrangendo a dinâmica multidimensional da mediação adaptativa, não inclusa no modelo proposto por Defur et al (2007).

Desta forma, o que se apreende é que apesar de inserido nos modelos teóricos sobre os determinantes sociais da saúde, questões ligadas à própria determinação do estresse estão obscuras. Em outras palavras, cabe elucidar os mecanismos que influenciam a variabilidade responsiva dos indivíduos, isto é, como as diferenças individuais no tocante à capacidade adaptativa alteram o desfecho do estresse por meio da avaliação cognitiva.

Enfim, a par do estado atual das investigações sobre saúde, vulnerabilidades e risco na epidemiologia social, além do robusto quadro de evidências acerca do estresse, o próximo tópico pretende estruturar dois conceitos para o delineamento do modelo teórico a ser testado no presente estudo, os mecanismos psicossociais de adaptação e o contexto psicossocial, exibindo em que sentido o ponto de vista da psicologia social pode contribuir para o aperfeiçoamento dos modelos teóricos da saúde e, por conseqüência, no desenvolvimento da teoria do estresse.

3.3 Mecanismos Psicossociais de Adaptação e Contexto Psicossocial: Contribuições da