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Estresse, Saúde e Adaptação: Da Psicologia da Saúde à Psicologia Social

Por definição, a psicologia da saúde é uma disciplina que enfoca aspectos educacionais, científicos e profissionais para a promoção e manutenção da saúde, prevenção de doenças, identificação dos fatores etiológicos, diagnósticos da saúde e da doença, análise dos sistemas de saúde e políticas públicas voltadas a esta área (Leventhal, Weinman, Leventhal & Phillips, 2008; Traverso-Yepez, 2001). Como um amplo campo de investigação, as derivações do seu objeto de estudo primordial − o processo de saúde- doença −, são variadas e viabilizam o empreendimento de pesquisas em largo espectro. Estas partem do próprio significado de saúde, dialogando com a filosofia da saúde, para os processos psicológicos e de inserção social imbricados na experiência de vida humana, mantendo fortes correlatos com a psicologia social (Marks, Sykes & McKinley, 2003).

A aceitação da psicologia da saúde no meio científico é reiterada através do considerável aumento de pesquisas que se pautam no princípio de que as características psicológicas e sociais são aspectos fundamentais na análise dos diferentes perfis de vulnerabilidade em saúde (Leventhal et al, 2008; Sanchez, Garrido & Álvaro, 2003). Ultrapassa-se, deste modo, o uso mecanizado de indicadores psicológicos e o delineamento, sem fins análise aprofundada, do perfil psicossocial das amostras estudadas, o que é um grave problema dos estudos menos criteriosos, segundo Frosh (2003).

Dentre os avanços obtidos nas últimas décadas, é pertinente salientar a confirmação empírica de que fatores psicológicos mantêm simetria biológica, com ênfase no funcionamento do cérebro (McEwen, 2008b; Miller & O’Callanghan, 2002), nas respostas endocrinológicas (Charmandari, Tsigos & Chrousos, 2005; Stanton, Revenson & Tennen, 2007) e no sistema imunológico (Brydon, Edwards, Jia, Mohamed-Ali, Zachary, Martin & Steptoe, 2005; Perdersen, Zachariae & Bovbjerg, 2009). De igual relevância também se sabe que em determinados níveis de ativação, as alterações decorrentes da comunicação entre os sistemas psicológico e orgânico podem potencializar o desencadeamento de doenças através do estresse (Goldstein & Kopin, 2007; Veissier & Boissy, 2007).

Apesar de reconhecer o baixo poder explicativo em algumas situações, devido ao estágio inicial de determinadas abordagens de estudo dentro da psicologia da saúde (Leventhal et al, 2008), fatores sociais e psicológicos mostram sua influência sobre a saúde através de três princípios básicos (Baum & Posluszny, 1999; Miller, Chen & Cole, 2009):

1. O funcionamento psicológico e a manifestação de comportamentos produzem respostas fisiológicas concomitantes, sendo estas reflexos parciais ou totais da dinâmica psicológica, emocional ou comportamental;

2. Comportamentos e mecanismos psicológicos estão relacionados diretamente aos conceitos de proteção e risco diante das doenças;

3. As influências psicológicas e comportamentais estão associadas ao desenvolvimento e prognóstico das doenças, bem como implicados na forma de lidar com estados patológicos.

As evidências acerca da validade dos três princípios supracitados têm sido relatadas de forma consistente (Gee & Payne-Sturges, 2004) e, apesar de estarem longe de responder pela totalidade da relação entre a psicologia e a saúde, são elaborações básicas para a explicação de como as comorbidades físicas e mentais estão entrelaçadas com os comportamentos e funcionamento psicossocial dos indivíduos (Leventhal et al, 2008; Miller, Chen & Cole, 2009).

Atualmente, as pesquisas em psicologia da saúde têm se dedicado a investigar os comportamentos e hábitos que promovem saúde ou mesmo atuam na prevenção e controle das doenças. Em ambos os campos, a perspectiva psicológica tem sido aplicada ao estudo integrado dos contextos psicossociais e a vulnerabilização biológica (Abroms & Maibach, 2008; Blyth, MacFarlane & Nicholas, 2007; Kajantie, 2008; Kessler & Wang, 2008). Destacam-se os estudos sobre fatores de risco psicossocial, o estresse e o aumento da carga viral do HIV (Carey & Vanable, 2003), a constatação que o feedback negativo dos hormônios ligados à defesa do organismo é retardado em sujeitos sob estresse (Buwalda et

al, 2005; Karlamangla, Singer, McEwen, Rowe & Seeman, 2002), o que propicia tanto a

hiperreatividade imunológica frente a substâncias inócuas, causando alergias (Wolf, Nicholls & Chen, 2008), como hiporreatividade e maior suscetibilidade às infecções oportunistas (Cohen, Miller & Rabin, 2001).

Tendo em vista que a dinâmica psicossocial e os comportamentos afetam as condições de saúde, a psicologia social, em sua vertente aplicada à saúde – a psicologia social da saúde –, oferece uma contribuição singular na busca pela compreensão dos perfis de saúde (Marks, Sykes & McKinley, 2003; Wolf, 2008). Portanto, é em virtude do complexo papel desempenhado no processo saúde-doença, que os conhecimentos da psicologia são requisitados como uma possível via explicativa para a compreensão da

saúde dos indivíduos e populações (Frosh, 2003; Koop, 2007; Whitefield, Wedner, Clark & Anderson, 2003).

Inserido entre os objetos de estudo da psicologia da saúde, o estresse é uma teoria que figura como uma importante linha de investigação sob o prisma social da saúde, tendo em vista as comprovações de que seus efeitos podem ser tanto diretos, alterando o funcionamento neurofisiológico, como indiretos, ao afetar a manifestação de comportamentos preventivos ou influenciar negativamente o progresso, tratamento e recuperação das doenças (Kiecolt-Glaser, McGuire, Robles & Glaser, 2002; McEwen, 2008; Monroe, 2008; Sapolsky, 2007; Vanitallie, 2002).

Segundo o relevante lugar designado para o estresse nos estudos em saúde, a sua inclusão na análise de problemas tais como os diferentes perfis de saúde entre as populações (Contrandiopoulos, 2006), a epidemiologia de doenças crônicas não- transmissíveis (Stanton, Revenson & Tennen, 2007), vulnerabilização e risco (Defur et al, 2007) e o delineamento dos determinantes sociais da saúde (Wilkinson & Marmot, 2003), é decorrente da amplitude de conseqüências danosas sobre o organismo que são principiadas pelos efeitos do estresse (Jones & Bright, 2007).

Em síntese, sabe-se atualmente que é necessário ir além de marcadores biológicos individuais, em direção a modelos mais sofisticados, visando a compreender como a esfera psicossocial atua no desenvolvimento de vulnerabilidades em saúde (Brosschot, Pieper & Taylor, 2005; Miller, Chen & Cole, 2009). Deste modo, a psicologia social, por propor construtos teóricos que permitem embasar uma perspectiva ampliada acerca da teoria do estresse, pode responder a algumas questões levantadas sobre como o contexto social e recursos psicológicos promovem ou limitam a adaptação dos indivíduos.

Compartilhando de similar interesse, outra área da ciência, a epidemiologia social, que é referência quanto à elaboração de modelos teóricos sobre os determinantes sociais da saúde, mostra-se como um campo que requer o aprofundamento nos estudos sobre o estresse por parte da psicologia. Nesta área, à medida que a teoria do estresse se revelou como um promissor objeto de estudo em saúde, diversos estudiosos passaram a incorporá- la em seu panorama conceitual, tornando-se um dos aspectos merecedores de especial atenção na formulação de modelos explicativos. A partir de então, o ponto de vista da psicologia social da saúde ganhou terreno e atualmente é requisitado como um critério fundamental para uma abordagem complexa relação entre o indivíduo, o meio social e a saúde (Almeida-Filho, 2004; Krieger, 2001).

Finalmente, percebe-se que são promitentes as contribuições da psicologia social aos estudos sobre o estresse e à psicologia da saúde e, por isso, volta-se o presente enfoque para a dinâmica psicossocial e os seus efeitos sobre a adaptação. A seguir, versa-se acerca a formulação dos modelos explicativos dos determinantes sociais da saúde na epidemiologia, apontando para algumas lacunas que patenteiam a demanda por uma abordagem compreensiva do estresse sob a luz dos estudos em psicologia.

3.2 O Diálogo entre a Epidemiologia Social e a Psicologia Social sob a Ótica do