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Mecanismos Psicossociais de Adaptação e Contexto Psicossocial:

Como visto nos tópicos anteriores, a premência pelo mapeamento da diversidade adaptativa em nível psicológico mostra-se como fruto de um contra-senso originado nos resultados de algumas pesquisas: sustenta-se a etiologia psicossocial de algumas doenças, geralmente apontando para características macrossociais ou microssociais expositoras, mas, falha-se ao explicar de modo aprofundado como os fatores psicossociais podem provocar distintos efeitos a depender das formas de adaptação presentes no repertório cognitivo-comportamental humano. Como conseqüência, uma notável colaboração produzida no âmbito da psicologia social se volta para o estudo da capacidade adaptativa, que é composta pela dinâmica de ajustamento psicológico, que são aqui trabalhados como os mecanismos psicossociais de adaptação, e o entorno social, concebido como contexto psicossocial.

Tendo como base posturas semelhantes defendidas por outros autores (Aneshensel, 1992; 2005; Turner, Wheaton & Lloyd, 1995; Pearlin, 1989; Turner & Lloyd, 1999), considerar-se-á, a partir deste momento, o conceito de contexto psicossocial como um conjunto de características que descrevem os múltiplos papéis e alocações sociais que atribuem uma posição ao sujeito na organização da sociedade, o que aponta para retratos singulares de experiência social para grupos e indivíduos.

A definição de contexto psicossocial, neste estudo, abrange as categorias sociais, partindo das heranças genéticas e indo ao encontro dos atributos designados a este indivíduo ou grupo na sociedade (i.e. gênero e o sexismo; raça e o racismo). Inclui etapas do desenvolvimento e os estressores específicos a estas fases da vida (i.e. infância e velhice), o status socioeconômico, a posição social, renda, escolhas religiosas, trabalho, nível educacional, dentre outras características que descrevem inserções singulares no arranjo social.

Em vista disso, sabendo-se que para cada recorte social, diferentes estressores incidem sobre o sujeito, o conceito de contexto psicossocial busca apreender o quantum de exposição estressógena que um indivíduo pode ser submetido em virtude de pertencer a um determinado grupo de pessoas que compartilham características ou escolhas semelhantes, ou seja, não se trata de uma variável unidimensional, mas um possível agregado de fatores e papéis que transcategorizam indivíduos e grupos. A exemplo dessa noção, não se percebe

apenas mulheres, mas mulheres como um grupo social, submetidas a uma específica modalidade de inserção social e possibilidades de desenvolvimento, detentoras de um perfil socioeconômico e posição social particulares, aspectos estes que, em conjunto, produzem diferentes efeitos sob a perspectiva social da saúde (Mullings & Schulz, 2006).

O contexto psicossocial parece se inserir na regulação do estresse, demarcando aspectos de pequena mobilidade durante a vida que denotam maior suscetibilidade à ação de estressores específicos (Marmot, 2006; Schinittker & McLeod, 2005; Wilkinson, 2006). Como exemplo, encontra-se na literatura que grupos minoritários exibem mais altos índices de adoecimento físico e mental (Clark, Anderson, Clark & Williams, 1999), o que sugere maior exposição ao estresse (Nazroo & Williams, 2006) e menor acesso às tecnologias em saúde (Whaley, 1998), por fim, correndo maior risco de morrer prematuramente por adoecimento ou por serem vítimas preferenciais dos problemas sociais (Deaton, 2003; McDonough, Williams, House & Duncan, 1999).

O espectro desse aglomerado de constatações na saúde é que a estrutura social coloca à margem da sociedade grupos caracterizados por um amplo panorama de vulnerabilidades, que apesar de serem históricas, mantém-se como o centro das atenções no combate à desigualdade e promoção de saúde para as populações (Marmot, 2006; Shaw, Dorling & Smith, 2006). Deste modo, acredita-se que são contextos psicossociais particulares que subjazem à instalação das vulnerabilidades, denotando um conjunto de características que tornam o indivíduo mais ou menos passível de ser o alvo do estresse.

O segundo conceito formulado para este estudo se refere aos mecanismos psicossociais de adaptação, que são construtos psicológicos que compreendem processos constitucionais e/ou cognitivos, desenvolvidos mediante relação social ou aspectos interativos entre o aparato genético e experiências vitais, além dos estados psicológicos inerentes à condição de existência humana, que influenciam a percepção, avaliação e interpretação dos estímulos interno e externos.

Em relação ao estresse, estes mecanismos atuam como amortecedores subjetivos e/ou reguladores das experiências percebidas como estressoras, sejam internas ou externas, provendo significados e compondo variados modos de lidar com a transitoriedade do ambiente experiencial.

Um aspecto subjacente se apresenta como primordial para o entendimento dos mecanismos psicossociais de adaptação: as diferenças individuais. Faz-se essa menção porque embora demandas e pressões ambientais produzam estresse em um grande número

de pessoas, indivíduos e grupos diferem quanto aos níveis de reação e o alcance de suas conseqüências. São percebidas diferenças entre indivíduos no tocante a sua sensibilidade e vulnerabilidade às experiências estressoras (Lazarus, 1999; Schneider, 2004), como também em relação às reações e a interpretação destes eventos (Ericksen & Ursin, 2004; Folkman & Moskowitz, 2004).

Para Koolhaas et al (1999), é possível defender que as diferenças individuais agem como balizadores do estresse, visto que apesar da ampla variedade de eventos estressores, as repercussões fisiológicas estão firmemente associadas a diferentes modos de avaliação das demandas estressoras. Complementando esta posição, Overli et al (2007) salientou que as avaliações cognitivas são o fator basal para o estresse e disparam seletivamente determinadas reações neurofisiológicas para o processo adaptativo. Por exemplo, avaliações negativas liberam uma maior quantidade de cortisol, predispondo a transtornos depressivos e avaliações do estressor como desafio eleva a quantidade de catecolaminas no sangue, provocando anabolismo e estabilização dos níveis de cortisol. Por outro lado, avaliações de ameaça estão associadas a emoções negativas e maior contração vascular periférica, o que pode levar a baixa irrigação sanguínea de extremidades, necrose e rompimento de aneurismas em portadores de diabetes (Billings, Folkman, Acree & Moskowitz, 2000; Overli et al, 2007).

Tendo em vista que a avaliação cognitiva é derivada da interação entre o sujeito e o ambiente, do qual se adquire informações específicas que vão incitar determinadas formas de lidar com os eventos estressores (Lazarus, 2000; Moal, 2007; Ursin & Ericksen, 2004), é possível concluir que as pessoas apresentam variações em sua performance adaptativa a depender dos mecanismos psicossociais de adaptação ativados mediante a avaliação do estressor. Em outras palavras, a atividade cognitiva e a avaliação das demandas experienciais são relacionadas como fatores que se combinam com estruturas prévias de interpretação no processo de adaptação, revelando a natureza da mediação existente entre o indivíduo e o ambiente (Gasparotto, Ignácio & Gonçalves, 2002; House & Mortimer, 1990; Lazarus, 1999; Sanchez, Garrido & Álvaro, 2003; Schroevers, Kraaij & Garnefski, 2007; Ursin & Ericksen, 2004), o que reflete a existência de recursos reguladores, ou seja, os mecanismos psicossociais de adaptação.

Finalmente, a conceituação do estresse apreende-o como um fenômeno que não resulta apenas da exposição às variações do ambiente, sendo perpassado inicialmente pelos significados de estar incluído em um contexto psicossocial, que regula a intensidade dos

estressores e, ao final, por mecanismos psicossociais de adaptação que provêm o sujeito de interpretações acerca do estressor e os recursos disponíveis, formando, portanto, a capacidade adaptativa psicossocial do indivíduo.

Dada a síntese dos conceitos aqui trabalhados, no próximo tópico são explicitados os critérios para a elaboração do modelo teórico do estresse desta investigação, buscando- se unificar os aspectos teórico-empíricos que foram relacionados até o momento e propor a organização explicativa das variáveis a serem testadas.

4APROPOSTA DA CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO PSICOSSOCIAL NA CONSTRUÇÃO DE UM MODELO TEÓRICO PARA O ESTRESSE

Como visto até o momento, dois pontos foram destacados enquanto demandas de pesquisa sobre o estresse: o aprofundamento do conhecimento acerca dos mecanismos psicossociais de adaptação e a testagem de modelos teóricos que apontem para a causalidade entre o contexto psicossocial, os mecanismos psicossociais de adaptação e o estresse. Assim, nos dois próximos sub-tópicos estão esquematizados os conceitos de variáveis mediadoras e preditoras, situando-as na perspectiva do estresse enquanto um objeto de estudo composto por três possíveis níveis de análise (Figura 4), dentre os quais o escolhido para a presente investigação são os processos envolvidos com a capacidade adaptativa.

Capacidade Adaptativa Estresse

Prejuízos adaptativos Biológicos, Psicológicos e Sociais Antecedentes Estressores Contexto Psicossocial Mecanismos Psicossociais de Adaptação Desfecho

Figura 4. Esquema Teórico dos Níveis de Estudo do Estresse.

Notas: 1. Em negrito o nível selecionado para ser investigado nesta pesquisa. 2. O contexto psicossocial substitui o agrupamento de variáveis denominadas características psicossociais e os mecanismos psicossociais de adaptação substituem o agrupamento de variáveis denominadas estratégias cognitivas, conforme aperfeiçoamento do esquema apresentado na Figura 1.

De acordo com as relações pressupostas na Figura 4, ao final são apresentadas as questões que norteiam a elaboração do modelo teórico do presente estudo, organizadas a partir das lacunas e possibilidades de resposta oferecidas pela psicologia social no tocante aos temas estresse, vulnerabilidade e os determinantes sociais da saúde.

4.1 A Caracterização das Variáveis no Modelo: Os Preditores e os Mediadores do