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A CARTA DA TERRA: UMA CONVOCAÇÃO À SUSTENTABILIDADE

Aline Ferrari Estudante de Pedagogia e estagiária do projeto Educação Ambiental em Espaços Formais e Não-formais de Ensino da UERJ, e integrante do Coletivo Jovem de Meio Ambiente do Rio de Janeiro. linferrari@yahoo.com.br

“Formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida” (2004 p.14). Essa é uma clara questão que nos propõe a Carta da Terra, suscitando em cada um de nós a responsabilidade pela própria escolha, que é pessoal e coletiva, na medida em que implicará em toda a comunidade planetária.

Este documento, que surgiu das reflexões e demandas de comunidades de todos os continentes teve seu nascimento confundido com a história da Rio- 92. Era previsto que ele servisse de suporte teórico para a implementação da Agenda 21, mas por falta de consenso entre os representantes da então Cúpula da Terra (talvez por imaturidade do próprio projeto, ou da consciência ecológica dos avaliadores) o documento não foi aceito. Então, daquela reunião, saiu-se com uma Declaração do Rio sobre Meio Ambiente, com uma Agenda 21, mas sem uma Carta da Terra.

Ainda durante aquele encontro, grupos comprometidos com uma ótica mais integradora e holística do discurso ambientalista decidiram se articular para viabilizar o documento. Os anos seguintes foram de trabalho e formação de alianças pelos diversos atores envolvidos, dentre eles organizações como a recém- criada Cruz Verde Internacional, o Conselho da Terra, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, centros de pesquisas científicas e das tradições espirituais,

escolas, governos de quarenta e seis países, e mais de cem mil pessoas, entre diversas comunidades, favelas, povos indígenas, minorias e representantes de causas humanistas de todos os continentes. Dentre os nomes da Comissão na América Latina, os brasileiros Paulo Freire (in memoriam) e Leonardo Boff. Então, em março do ano 2000, as últimas contribuições foram incorporadas e chegou- se a um texto de convergência.

Todo o texto da Carta da Terra refere-se ao meio ambiente sob a perspectiva de uma Mudança de Paradigma (CREMA, 1989). Para evidenciar a interdependência de tudo, foi privilegiada a idéia de comunidade de vida, mais adequada às complexas relações tecidas em conjunto.

Como integrantes desta comunidade estamos, como numa grande teia, interconectados uns aos outros. Nós, seres vivos, de borboletas a baleias, de andorinhas a homens, compartilhamos das mesmas bases químicas de aminoácidos. E nosso parentesco abrange também tudo o mais que existe, pois o mesmo ferro que corre pelas nossas veias foi fundido outrora no núcleo de uma estrela gigante que deu origem ao nosso Sol.

É uma hipótese para a nossa ciência e uma certeza para ciências mais antigas, que o nosso próprio planeta seja um enorme ente vivo auto-regulador. Chamado de Gaia (CAPRA, 1996) pelos povos da Grécia, de Pacha Mama pelos Incas, e de muitos outros nomes ao longo de nosso trajeto pela sua superfície. E é pelo direito à sustentabilidade da Terra que a sua Carta evoca e convoca nossa comum-unidade, para uma democracia planetária e cósmica que envolva a todos e a Tudo.

A Carta da Terra é um documento de linguagem acessível e universal, destinado tanto às grandes organizações quanto às pequenas, ao nível global e nos níveis locais, com a proposta de divulgar os valores necessários para que façamos a primeira das opções colocadas no início, a de nos aliarmos uns aos outros e cuidarmos do nosso futuro comum.

Articula-se sob quatro princípios básicos, que são: respeitar e cuidar da comunidade de vida; integridade ecológica; justiça social e econômica; democracia, não-violência e paz.

Seus princípios são sustentados por dois eixos, de uma compreensão mais complexa de sustentabilidade e cuidado:

Aqui, a sustentabilidade é tomada emprestada da ecologia em sua concepção Profunda (CAPRA, 1996), agregando valores sistêmicos tais como auto-regulação, interdependência, funcionamento em rede, diversidade, equilíbrio dinâmico, cooperação e organicidade.

É importante notar que neste documento, a sustentabilidade finalmente emancipa-se o desenvolvimento. Este termo, dentro da proposta econômica do capitalismo, no qual é amplamente utilizado e compreendido, aspira que seja auto-sustentável numa perspectiva rasa de simples manutenção de seu

próprio sistema, empenhando-se unicamente em garantir que os bens da Terra possam continuar a ser consumidos. A competição (e não cooperação) gera as desigualdades (e não as diversidades) e vice-versa, sendo este processo o cruel aspecto regulador de suas engrenagens (e não organismo).

Então, a Carta da Terra supera este modelo que vai do desenvolvimento para a sustentabilidade. Antes, pretende que se assegure ao planeta, às comunidades e aos indivíduos, o sustento, não apenas sob o ponto de vista econômico, mas com a garantia da “generosidade e beleza da terra para as atuais e futuras gerações” (2004, p.20).

E o eixo do cuidado, que na proposta deste belo documento, estende-se a toda a “comunidade de vida com compreensão, compaixão e amor” (2004, p.18). A compreensão da diversidade da vida e consciência de sua complexidade. A compaixão e a empatia por todos os seres, com um sentimento de não- indiferença pelo sofrimento dos outros. E amor, que é a grande força de comunhão das partes com o Todo, que não apenas nos envolve como também nos preenche em todas as dimensões, pois a Natureza não está lá fora, em algum lugar privilegiado com a ausência humana, ela está aqui e agora, onde sempre esteve.

E é com cuidado que se planta esta preciosa semente da “integridade criada pelas relações corretas consigo mesmo, com as outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com o grande Todo do qual somos parte” (2004, p.36), a paz.

Assim, a Carta da Terra é um documento para lermos como uma cartilha para uma cultura de paz, a ser divulgada para todos os povos. E para sentirmos, como um chamado para o despertar de uma nova consciência, que pede um acordo de compromisso com seus princípios universais.

Então, leia, sinta, divulgue e comprometa-se com os princípios da Carta da Terra, mas além de tudo, como disse o Mahatma, “seja você mesmo a mudança que propõe ao mundo”.

A Carta da Terra. Petrópolis: Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, 2004.

CREMA, Roberto. Introdução à visão holística: breve relato de viagem do velho ao novo paradigma. São Paulo: Summus, 1989.

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996.

DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA AS