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HOT SPOTS DO AMOR, ENFERMIDADES DA TERRA E O SISTEMA IMUNOLÓGICO GLOBAL: DEVANEIOS SOBRE

JUVENTUDE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS.

Marja Milano É bióloga, mestranda em Ecologia e Conservação pela UFPR. Com 22 anos, já realizou trabalhos voluntários em prol da conservação da natureza e atuou no terceiro setor ambientalista. Atualmente, faz parte do Grupo Pró-Araucária e é pesquisadora do Instituto de Pesquisas Cananéia. marjazm@yahoo.com Thiago Mendes É Mestrando em Geografia da UFBA e ativista ambiental desde a adolescência. Com 24 anos é o atual Coordenador de Articulação Internacional do Instituto Sea Shepherd Brasil, Professor de Relações Internacionais e Coordenador da Área de Ação Socioambiental da Escola de Extensão das Faculdades Jorge Amado (Salvador-BA). thiagomendes81@yahoo.com.br Andréia Adrigueto É bióloga, idealista, tem 25 anos. Atualmente faz MBA Internacional em Gestão e Auditoria Ambiental na Poli-USP e desenvolve projetos de Educação Ambiental com jovens líderes comunitários em São Luís do Maranhão pelo instituto Projeto Pegadas Brasil, Brasília. aandrigueto@yahoo.com.br

“De vez em quando, todos os olhos se voltam pra mim, de lá do fundo da escuridão, esperando e querendo que eu seja o herói” (...) “que eu saiba” e (...) “que eu seja um Deus, querendo apanhar, querendo que eu bata, querendo que eu seja DEUS” (...) “Mas, eu sou inocente (...) não sei de nada (...) e não tenho chicote

Este artigo, construído por várias e jovens mãos do movimento ambientalista brasileiro, tem o intuito de atender à tarefa de falar sobre juventude, meio ambiente e políticas públicas. Essa não é uma tarefa fácil e para enfrentar tal desafio iniciamos destacando o histórico esquecimento da juventude como um fator importante para a formulação de políticas públicas na área ambiental e questionando os espaços atuais para a participação de jovens nesse processo. Com esses dois pontos em mente, vamos explorar o tema percorrendo basicamente três linhas: nossas referências, a herança que recebemos e nosso potencial de contribuição para a resolução da crise ambiental.

O atual contexto político da sociedade nos indica claramente que, cada vez mais, os ídolos, as referências públicas e os grandes valores estão em um imaginário distante e esquecido no passado. Faltam bons exemplos e inspiração para nossas ações. Em meio ao mosaico de percepções sobre a crise ambiental planetária, vemos uma fonte de inspiração na própria natureza. A todo o momento ela nos dá lições de equilíbrio, ao mesmo tempo em que é totalmente dinâmica; nos dá lições de sustentabilidade, alternando atos de generosidade e crueldade (justiça); nos dá também lições de coletividade e responsabilidade. Acreditamos que, nos entendendo como parte dessa natureza (e não como donos dela), é possível resgatar muitos dos grandes valores que estão esquecidos, sem que haja a necessidade de persistir na busca por heróis humanos que nos inspirem.

Diante da percepção da existência de uma herança que a juventude recebe ao envolver-se com a causa ambiental, nossas referências tornam-se importantes por serem determinantes da postura que adotamos a partir dela. Nesse sentido, o escritor Antoine de Saint-Exupéry aponta que “o significado das coisas não está nas coisas em si, mas nas atitudes que temos perante elas”.

A herança a qual nos referimos pode ser interpretada como uma bagagem cumulativa de ações do passado, intrínseca a nós, que nos faz ser o que somos hoje, vivendo no ambiente tal qual se encontra hoje. É apenas em contato com os conflitos atuais, questionando-os, que adquirimos a consciência da existência dessa herança. Mas, uma vez que temos tal consciência, não é possível ignorá- la, nem negar nossa responsabilidade para com o futuro.

Assim, ao identificarmos os inúmeros problemas ambientais gerados e perpetuados pelas gerações anteriores, podemos encarar a herança que recebemos como um fardo a ser carregado. Fardo com o qual teremos que lidar desde já, caso contrário, os problemas tornar-se-ão literalmente insuportáveis quando a nossa geração alcançar a maturidade. Encarada desta forma, a herança fundamenta as projeções catastróficas sobre o acesso a água potável, os processos de desertificação, a perda maciça de biodiversidade, a extinção de culturas milenares e a adoção da cultura de acumulação, que estimula a atual dinâmica de aquecimento global.

Por outro lado, a herança também pode ser encarada como uma grande oportunidade de realmente integrar a juventude, abrindo espaço para articular ações e iniciativas do movimento ambientalista brasileiro. Movimento este que deixa também como herança grandes vitórias sobre a legislação ambiental em nosso país, milhares de organizações ambientalistas, um histórico de luta pelo estabelecimento de organismos governamentais de fiscalização, a possibilidade de capacitação em diversos níveis na área ambiental (desde oficinas de educação ambiental para crianças até cursos de mestrado e doutorado). Encarada dessa segunda maneira, ao invés de um fardo, a herança passa a ser uma luz: a luz da consciência para a mudança, que é leve de ser carregada e pode ser transmitida. Portanto, a herança que recebemos tem caráter aberto e possui várias dimensões. A juventude atual, ao mesmo tempo em que tem a sua frente o enorme desafio de se envolver na causa ambiental em um momento de proximidade de um colapso global, possui também a estrutura de instituições governamentais, não governamentais, empresariais, de ensino e ferramentas tecnológicas com as quais a juventude das décadas de 1960 e 1970 não podia contar.

Mas é preciso reconhecer que o espaço para participação efetiva da juventude na tomada de decisão e na formulação de políticas públicas na área ambiental é ainda bastante reduzido. Normalmente há uma pseudoparticipação, onde a juventude aparece para legitimar processos em que não teve influência de fato e é estereotipada como “energia” e “ação”, mas não é reconhecida como massa crítica e pensante. Da mesma forma, a dinâmica de concorrência de grupos ambientalistas com ideologias divergentes reduz significativamente o espaço para o diálogo e a integração de ações, resultando na fragmentação do movimento ambientalista, que causa sua perda de legitimidade e diminui seu impacto no cenário mais amplo da sociedade brasileira.

Dessa forma, uma contribuição significativa dos jovens para o movimento ambientalista e para balizar o enfrentamento da crise ambiental será abrir um canal para a convivência cooperativa da diversidade de idéias e percepções, possibilitando a integração de esforços. Em outras palavras, como Hot Spots de amor, estes canais irão congregar a diversidade máxima e propagar iniciativas de cuidado com o ambiente em que vivemos. A noção de amor representa exatamente a necessidade de integração de grupos divergentes, trabalhando de forma cooperativa, para enfrentar a crise ambiental que nos atinge.

Se a crise ambiental demonstra que o “planeta Terra está doente”, como aponta Leonardo Boff, os integrantes dos Hot Spots de amor possuem o papel de combater a enfermidade, reconhecendo o agente que a causa e acionando todos os mecanismos de defesa disponíveis. Em outras palavras, enxergamos a necessidade de construir um sistema imunológico global, onde os Hot Spots de Amor atuam como centros de integração de informação e organização de ações de defesa – análogos aos gânglios linfáticos do sistema imunológico humano.

Se a Terra for vista como um organismo, cada igarapé, córrego e rios são vasos, veias e artérias; os pântanos são os rins; o mar, considerando sua evaporação dentro do ciclo da água, atua como o coração que bombeia o sangue da Terra a todos os outros tecidos através das chuvas. Cada bioma, como um tecido, possui sua influência e função no sistema de vida do planeta todo. A pobreza, por outro lado, é uma forte enfermidade que afeta o sistema imunológico, debilitando as estratégias de defesa. De nada adianta combater seus efeitos, se não combatemos sua causa. A forma como temos tentado acabar com ela, através do progresso econômico concentrado, tem exatamente agravado a “febre” da Terra. O aquecimento global, da forma como o vemos, nada mais é que a febre que anuncia a doença.

Tais percepções demonstram a necessidade de cuidarmos de maneira precisa e integrada de cada processo ecológico-social que a crise nos revela. Neste contexto a juventude tem papel importante, cativando para o cuidado, mobilizando com energia, propondo com a licença poética de quem não estava até agora sendo escutado, na direção da comunhão de contrários.

Parafraseando Thomas Kunt, estudioso das preocupações de natureza filosófica, “as crises (ambientais) são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias e respostas”, segundo ele: “uma solução só se torna possível quando o sistema é considerado inválido de responder aos novos desafios”. Será que estamos conseguindo responder aos problemas ambientais que se apresentam? Acreditamos que uma maior e efetiva participação da juventude pode viabilizar as estratégias inovadoras de que necessitamos.

As perspectivas apresentadas neste artigo não têm a pretensão de indicar a juventude como grande saída para todos os problemas, muito menos, de esgotar os temas e conceitos aqui utilizados. Entretanto, é preciso reconhecer que sabemos de algo e não somos inocentes a partir do momento que compreendemos a herança que nos foi revelada. Também não somos heróis, nem Deuses. Somente aumentar nosso chicote, que ainda está muito pequenino, tendo em vista a baixa possibilidade de intervirmos na formulação de políticas públicas, não solucionará toda a questão. Vislumbramos possibilidades de participação, mas a juventude, sozinha, não fará o caminho. Para enfrentarmos a crise ambiental de fato, cremos que precisamos todos rejuvenescer.

Os autores são componentes da Rede de Trainees em Meio Ambiente – Turma 2004.

Obs. As idéias sobre “Hot Spots de amor” e “Sistema imunológico global” surgiram durante discussões da turma de 2004 do Programa Trainee em Meio Ambiente, da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, contando com a participação de 22 jovens ambientalistas de todas as regiões do Brasil.

JUVENTUDE, MEIO AMBIENTE E MOBILIZAÇÃO SOCIAL: