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A Carteira de Activos como Património Distinto

1. Noção e Caracterização do Tipo Contratual

1.2 Caracterização do Contrato

1.2.3 A Carteira de Activos como Património Distinto

A carteira objecto da gestão pode integrar bens de outra natureza que não os tradicionais valores mobiliários e/ou outros instrumentos financeiros. Não é por esta circunstância que quanto a estes se deixará de aplicar o regime previsto no Cód. VM,

apenas se excluindo para os restantes bens126. Desta forma, as regras reguladoras do

123“O Mandato Bancário” in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. II – Direito Bancário,

Almedina, 2002, p. 145.

124 Abordando a distinção entre contratos de gestão ‘direccionada’ e contratos de gestão ‘discricionária’ vide MARIA VAZ DE

MASCARENHAS in “O Contrato de Gestão de Carteiras: Natureza, Conteúdo e Deveres”, cit., pp. 118 e 119 e MENEZES LEITÃO in “O

Contrato de Gestão de Carteiras”, cit., p. 111. Também ANA AFONSO in “O Contrato de Gestão de Carteira: Deveres e

Responsabilidade do Intermediário Financeiro”, cit., p. 61, trata desta problemática considerando que a gestão ‘direccionada’, à qual se

refere utilizando o conceito gestão ‘assistida’, “não constitui verdadeiramente um contrato de gestão de interesses alheios porque não há uma dissociação entre propriedade e gestão decisória”. Por sua vez, MARIA MIGUEL REBELO PEREIRA in “Do Contrato de Gestão de Carteiras de Valores Mobiliários (Natureza Jurídica e Alguns Problemas de Regime)”, cit., pp. 67 e 69, opta pelo conceito de gestão

‘assessorada’ defendendo que a figura se situa entre o contrato de gestão de carteiras por conta de outrem e o contrato de consultoria, acabando por a reconduzir a um sub-tipo da gestão de carteiras.

125 JANUÁRIO COSTA GOMES in “Em Tema de Revogação do Mandato Civil”, cit., pp. 96 e 97. Também acentuando o carácter

discricionário, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA in “Relação de Clientela na Intermediação de Valores Mobiliários”, cit., p. 122.

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contrato de gestão de carteiras são aplicáveis à parte da carteira composta por qualquer

instrumento financeiro lato sensu127.

A carteira é composta por um conjunto de bens semelhantes e que estão destinados ao

mesmo fim de administração pelo gestor128. Trata-se de uma “massa patrimonial,

economicamente distinta do património do titular”129 com uma especial destinação e sujeita

a administração separada, visto que tem como fim a sua conservação e incremento através da realização de operações financeiras que são levadas a cabo pelo gestor, a quem compete a administração apenas daquela massa de bens e não do património global do investidor. No entanto, não reúne os requisitos jurídicos que conduzem ao estatuto de património

autónomo130, nomeadamente no que diz respeito à previsão de disposição normativa que o

consagre expressamente e ao regime de responsabilização pelas dívidas.

Note-se que o património autónomo consiste numa massa patrimonial separada e, por isso, não é um património de afectação geral, pois “só responde e responde só ele por certas

dívidas”131. Isto significa que não responde por outras dívidas que não aquelas que estão

afectas a ele e por essas dívidas só o património autónomo poderá responder, não se responsabilizando o património geral. Diversamente, o conjunto de bens que compõem a carteira não se rege por este regime sendo que se verifica uma afectação a qualquer dívida do seu titular.

Mas, se a carteira não se apresenta como um património separado relativamente ao património geral do seu titular, a situação já será diferente se o ponto de comparação for o património pessoal do gestor e das outras carteiras que gere. Em relação a estes patrimónios

127 Cfr. ENGRÁCIA ANTUNES in “Os Contratos de Intermediação Financeira”, cit., p. 284. O autor explica que os contratos de

intermediação financeira têm por objecto mediato além das acções, obrigações, unidades de participação, direitos destacados, etc., os instrumentos monetários e os instrumentos derivados.

128 ENGRÁCIA ANTUNES in “Os Contratos de Intermediação Financeira”, cit., p. 297 em nota de rodapé, fala de “um acervo unitário de

bens homogéneos afectos a um destino comum e unitário de administração”. MARIA MIGUEL REBELO PEREIRA in “Do Contrato de Gestão de Carteiras de Valores Mobiliários (Natureza Jurídica e Alguns Problemas de Regime)”, cit., p. 62, entende que se trata de “um

conceito económico-financeiro utilizado para agregar numa só fórmula todo o património susceptível de uma administração financeira”.

129 FÁTIMA GOMES, “Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado” in Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de

Almeida Costa, Universidade Católica Editora, 2002, p. 588. Por sua vez, PAULO CÂMARA in “Manual de Direito dos Valores

Mobiliários”, cit., p. 450, fala numa “massa patrimonial segregada”.

130 Acerca da noção de património autónomo vide JOÃO DE CASTRO MENDES in “Direito Civil: Teoria Geral”, Vol. I, AAFDL, 1997, pp.

96 e 97; LUÍS A.CARVALHO FERNANDES in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. I – Introdução, Pressupostos da Relação Jurídica, 6ª

Ed. Revista e Actualizada, Universidade Católica Editora, 2012, pp. 158-160; OLIVEIRA ASCENSÃO in “Direito Civil: Teoria Geral”, Vol. III – Relações e Situações Jurídicas, Coimbra Editora, 2002, pp. 126 e 127; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO in “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª Ed., Coimbra Editora, 2012, pp. 347 e 358.

131CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO in “Teoria Geral do Direito Civil”, cit., p. 348. O autor esclarece que estas dívidas são aquelas que

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a carteira já se assume como património separado132, garantindo que o seu titular não será

prejudicado por eventuais dívidas de terceiros.

Por regra, tratar-se-á de uma carteira minimamente diversificada e com um valor patrimonial de média a grande dimensão, pois entende-se que incumbir a gestão a um

especialista, só será rentável nestes casos133. Por um lado, a entrega da gestão a um

profissional acarreta custos que só serão compensados se estivermos a falar de uma carteira de volume significativo; por outro, somente mediante carteiras com estas características é que se reclama a intervenção de alguém especializado e dotado das capacidades necessárias à análise do mercado, na medida em que estas carteiras envolvem um grau de complexidade maior e exigem uma certa destreza para actuar eficazmente no mercado, realizar as operações que tragam maior rentabilidade e que se afiguram mais adequadas a gerir os riscos do investimento.