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A ciência espírita de Allan Kardec

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CAPÍTULO II – CIÊNCIA ESPÍRITA: POSITIVISTA?

2.2 A ciência espírita de Allan Kardec

Embora se declare um missionário ao codificar o Espiritismo, Kardec também se afirma um cientista, por ter trabalhado cientificamente, por meio do Espiritismo experimental, durante décadas, nas sessões mediúnicas, observando, anotando, questionando tudo que os Espíritos revelavam. Pelo procedimento indutivo, ele extraía deduções, conclusões e leis gerais e universais.

Outra postura científica de Kardec foi o seu interesse e envolvimento com uma corrente do espiritualismo do século XIX, mormente nas áreas do magnetismo e do hipnotismo, que ele considera atividades precursoras do Espiritismo.

Em seu trabalho de codificação do Espiritismo, Allan Kardec deixou claro em vários momentos que não produzia uma obra de autoria original sua; ele sempre expôs a todo o público que apenas organizava, publicava e expunha o que lhe repassavam os Espíritos por meio dos médiuns nas sessões mediúnicas.

Por exemplo, em uma alocução aos espíritas da Antuérpia (Bélgica), intitulada “O Espiritismo é uma Ciência Positiva”, em novembro de 1864, assim se pronuncia Allan Kardec, frisando que o Espiritismo é uma ciência positiva, que os Espíritos são uma força da natureza, que ele procedeu pela observação e análise dos fatos ao codificar o Espiritismo e que ele foi um instrumento de Deus nessa incumbência – que poderia ter sido dada por Deus a

qualquer outra pessoa. O trecho é longo, pois se trata de parte de uma palestra, mas precisa e merece ser citado:

Eis um fato capital, senhores, que deve ser proclamado bem alto. Não, o Espiritismo não é uma concepção individual, um produto da imaginação; não é uma teoria, um sistema inventado para a necessidade de uma causa; tem sua fonte nos fatos da própria Natureza, em fatos positivos, que se produzem a cada instante sob os nossos olhos, mas cuja origem não se suspeitava. É, pois, resultado da observação; numa palavra, uma ciência: a ciência das relações entre o mundo visível e o mundo invisível; ciência ainda imperfeita, mas que se completa todos os dias por novos estudos e que, tende certeza, ocupará o seu lugar ao lado das ciências

positivas. Digo positivas, porque toda ciência que repousa sobre fatos é uma ciência

positiva, e não puramente especulativa.

O Espiritismo nada inventou, porque não se inventa o que está na Natureza. Newton não inventou a lei da gravitação; esta lei universal existia antes dele. Cada um a aplicava e lhe sentia os efeitos, embora não a conhecessem.

O Espiritismo, por sua vez, vem mostrar uma nova lei, uma nova força da Natureza: a que reside na ação do Espírito sobre a matéria, lei tão universal quanto a da gravitação e da eletricidade, conquanto ainda desconhecida e negada por certas pessoas, como o foram todas as outras leis na época de suas descobertas. É que os homens geralmente têm dificuldade em renunciar às suas ideias preconcebidas e, por amor-próprio, custa-lhes reconhecer que estavam enganados, ou que outros tenham podido encontrar o que eles mesmos não encontraram.

Mas, em última análise, como esta lei repousa sobre fatos, e contra os fatos não há negação que possa prevalecer, terão de render-se à evidência, como os mais recalcitrantes o fizeram quanto ao movimento da Terra, a formação do globo e os efeitos do vapor. Por mais que acusem os fenômenos de ridículos, não podem impedir a existência daquilo que é.

Assim, o Espiritismo procurou a explicação dos fenômenos de uma certa ordem e que, em todos os tempos, se produziram de maneira espontânea. Mas, sobretudo, o que o favoreceu nessas pesquisas é que lhe foi dado, até certo ponto, o poder de produzi-los e de provocá-los. Encontrou nos médiuns instrumentos adequados a tal efeito, como o físico encontrou na pilha e na máquina elétrica os meios de reproduzir os efeitos do raio. É fácil compreender que isto não passa de uma comparação; não pretendo estabelecer uma analogia.

Mas há aqui uma consideração de alta importância: é que, em suas pesquisas, ele não procedeu por via de hipóteses, como o acusam; não supôs a existência do mundo espiritual para explicar os fenômenos que tinha sob as vistas; procedeu por meio da análise e da observação; dos fatos remontou à causa e o elemento espiritual

se lhe apresentou como força ativa; só o proclamou depois de havê-lo constatado.

Como força e como lei da Natureza, a ação do elemento espiritual abre, assim, novos horizontes à Ciência, dando-lhe a chave de uma imensidão de problemas incompreendidos. Mas, se a descoberta de leis puramente materiais produziu revoluções materiais no mundo, a do elemento espiritual nele prepara uma revolução moral, pois muda totalmente o curso das ideias e das crenças mais arraigadas; mostra a vida sob outro aspecto; mata a superstição e o fanatismo; desenvolve o pensamento, e o homem, em vez de arrastar-se na matéria, de circunscrever sua vida entre o nascimento e a morte, eleva-se ao infinito; sabe donde vem e para onde vai; vê um objetivo para o seu trabalho, para os seus esforços, uma razão de ser para o bem; sabe que nada do adquire na Terra, em saber e moralidade, lhe é perdido, e que progresso continua indefinidamente no além-túmulo; sabe que há sempre um futuro para si [...]

O Espiritismo, repito, ao demonstrar, não por hipótese, mas por fatos, a existência do mundo invisível e o futuro que nos aguarda, muda completamente o curso das ideias; dá ao homem a força moral, a coragem e a resignação, porque não mais trabalha apenas pelo presente, mas pelo futuro; sabe que, se não gozar hoje, gozará amanhã. Demonstrando a ação do elemento espiritual sobre o mundo material, amplia o domínio da Ciência e, por isto mesmo, abre nova via ao progresso

material. Então terá o homem uma base sólida para o estabelecimento da ordem moral na Terra; compreenderá melhor a solidariedade que existe entre os seres deste mundo, já que esta solidariedade se perpetua indefinidamente; a fraternidade deixa de ser palavra vã; ela mata o egoísmo, em vez de por ele ser morta e, muito naturalmente, o homem imbuído destas ideias a elas conformará suas leis e sua instituições sociais.

O Espiritismo conduz inevitavelmente a esta reforma. Assim, pela força das coisas, realizar-se-á a revolução moral que deve transformar a Humanidade e mudar a face do mundo, e isto tão-só pelo conhecimento de uma nova lei da Natureza, que dá outro curso às ideias, uma finalidade a esta vida, um objetivo às aspirações do futuro, fazendo encarar as coisas de outro ponto de vista.

[...]

[...] Todas as negações, todas as perseguições não impediram que estas leis33 naturais seguissem seu curso, assim como os sarcasmos da incredulidade não impedirão a ação do elemento espiritual, que é, também, uma lei da Natureza.

Considerado desta maneira, o Espiritismo perde o caráter de misticismo que lhe censuram os detratores, justamente aqueles que menos o conhecem. Não é mais a ciência do maravilhoso e do sobrenatural ressuscitada: é o domínio da Natureza enriquecida por uma lei nova e fecunda, uma prova a mais do poder e da sabedoria do Criador; são, enfim, os limites recuados dos conhecimentos humanos.

Tal é, em resumo, senhores, o ponto de vista sob o qual se deve encarar o Espiritismo. Nesta circunstância, qual foi o meu papel? Nem o de inventor, nem o de criador. Vi, observei, estudei os fatos com cuidado e perseverança; coordenei-os e lhes deduzi as consequências: eis toda a parte que me cabe. Aquilo que fiz, outro poderia ter feito em meu lugar. Em tudo isto fui simples instrumento dos pontos de vista da Providência, e dou graças a Deus e aos bons Espíritos por se terem dignado servir-se de mim. É uma tarefa que aceitei com alegria, e da qual me esforcei por tornar-me digno, pedindo a Deus me desse as forças necessárias para realizá-la segundo a sua santa vontade. No entanto, a tarefa é pesada, mais pesada do que possam imaginá-la; e se tem para mim algum mérito, é que tenho a consciência de não haver recuado perante nenhum obstáculo e nenhum sacrifício. Será a obra da minha vida até meu último dia, porque, na presença de um objetivo tão importante, todos os interesses materiais e pessoais se apagam como pontos diante do infinito (Revista Espírita, ano VII (1864), sétimo volume, 2004, p. 434-438). (Sem grifos no original)

Ele sempre frisou em várias ocasiões que o Espiritismo, como ciência, influenciaria, no futuro, as próprias ciências constituídas, quando estas tivessem olhos para a nova realidade que se apresentava:

Já dissemos e vamos repetir: o Espiritismo descortina novos horizontes a todas as ciências. Quando os cientistas levarem em consideração o elemento espiritual nos fenômenos da Natureza, ficarão surpresos de ver que as dificuldades contra as quais tropeçam a cada passo são removidas como por encanto. Mas é provável que, para muitos, seja necessário renovar o hábito (Revista Espírita, ano V (1862), quinto volume, 2004, p. 151).

33

Aqui Kardec continua se referindo a leis das ciências naturais, especificamente a do movimento da Terra e da força do vapor.

No livro O que é o Espiritismo, já no preâmbulo, expondo o conteúdo da obra, e respondendo, de modo sintético, sobre o que é o Espiritismo, Kardec afirma:

O ESPIRITISMO É, AO MESMO TEMPO, UMA CIÊNCIA DE OBSERVAÇÃO E UMA DOUTRINA FILOSÓFICA. COMO CIÊNCIA PRÁTICA ELE CONSISTE NAS RELAÇÕES QUE SE ESTABELECEM ENTRE NÓS E OS ESPÍRITOS; COMO FILOSOFIA, COMPREENDE TODAS AS CONSEQÜÊNCIAS MORAIS QUE DIMANAM DESSAS MESMAS RELAÇÕES.

Podemos defini-lo assim:

O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal (2006, p. 54-55).

A convicção demonstrada por Kardec nas palavras acima só ocorreu depois que ele realizou acuradas observações sobre o objeto de seus estudos (os Espíritos), pois, inicialmente, quando se deparou pela primeira vez com o fenômeno espírita, ele teve dúvidas e hesitações – não se pode esquecer que Kardec, de formação pestalozziana desde a adolescência, era reconhecido na sociedade francesa, sob o nome de Hippolyte Leon Denizard Rivail, como professor emérito e autor pedagógico de renome pelo rigor de suas pesquisas na área da educação e em qualquer campo do saber ao qual se dedicasse (ciência, filosofia, etc.). Além disso, ele era católico.

Depois de reiteradas observações dos fenômenos espíritas, Kardec, sabendo da inexistência de teorias sobre o assunto, percebeu que as ciências positivas (com a experimentação e manipulação livre das propriedades da matéria) seriam incompetentes para auxiliá-lo no estudo metódico que se propunha realizar acerca do fenômeno espírita.

O observador francês asseverou que o Espiritismo não era da alçada da ciência ordinária vigente, pois o objeto a ser pesquisado (os Espíritos) não poderia ser manipulado aos caprichos das observações e experimentações, ou seja, o ponto de partida deveria ser outro, conforme ele mesmo coloca:

As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas da mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida. Querer submetê-las aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem. A Ciência, propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente

para se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter (Kardec, 2007, p. 35-36).

Tratava-se, de fato, de um objeto sui generis em ciência. Na teologia e na metafísica, os Espíritos tinham espaço como entidades transcendentais, cuja existência dependia da crença subjetiva. No entanto, tornaram-se no Espiritismo um verdadeiro objeto científico, a ser objetivamente considerado. Esse objeto no entanto, os Espíritos, não se submetia ao mesmo trato laboratorial de outros elementos manipuláveis (outro objetos científicos) pelo pesquisador. Os fenômenos espíritas físicos iniciais poderiam aparentar-se como passíveis de controle; no entanto, quando a inteligência pensante surgiu por trás dos mesmos, percebeu-se que o fenômeno não era da competência da ciência positiva natural (das ciências factuais). A esse respeito afirma Kardec:

Cada um só tem competência para julgar o que conhece. (...) As ciências vulgares repousam sobre as propriedades da matéria, que podemos manipular à vontade; os fenômenos que ela produz têm como agentes forças materiais. Os do Espiritismo têm como agente inteligências que possuem sua independência, seu livre-arbítrio, e de modo algum se submeteriam aos nossos caprichos; escapam, dessa forma, aos nossos processos anatômicos e laboratoriais, bem como aos nossos cálculos e, assim, não são da competência da ciência propriamente dita. A ciência se enganou ao querer experimentar os Espíritos como se o fizesse a uma pilha voltaica; partiu de uma ideia fixa, preconcebida, à qual se aferra, e quer forçosamente ligá-la à ideia nova. Fracassou, e assim devia acontecer, porque agiu tendo em vista uma analogia que não existe. Depois, sem ir mais longe, concluiu pela negativa: julgamento temerário que o tempo diariamente se encarrega de reformar, como reformou tantos outros, e aqueles que o pronunciaram muito se envergonharão por haverem levianamente assumido uma falsa posição contra o poder infinito do Criador. Assim, pois, as corporações científicas não devem, nem jamais deverão pronunciar-se sobre o assunto; ele não é da sua alçada, assim como também não o é o direito de decretar se Deus existe. (...)

Mas nem todos os sábios julgaram do mesmo modo. Alguns fizeram o seguinte raciocínio: Não há efeito sem causa, e os mais vulgares efeitos podem abrir caminho aos maiores problemas. Se Newton houvesse menosprezado a queda de uma maçã; se Galvani tivesse repelido a sua doméstica, tratando-a de louca e de visionária, quando ela lhe falou das rãs que dançavam no prato, talvez ainda estivéssemos procurando a admirável lei da gravidade e as fecundas propriedades da pilha. O fenômeno designado sob o burlesco nome de dança das mesas não é mais ridículo do que o da dança das rãs, e talvez encerre alguns desses segredos da Natureza que revolucionarão a Humanidade, quando possuirmos a sua chave. Além disso, eles disseram: Desde que tanta gente se ocupa de tais fatos e desde que homens muito sérios os estudaram, é porque existe alguma coisa; uma ilusão, uma loucura, se quisermos, não pode ter esse caráter de generalidade; poderá seduzir um círculo, um grupelho, mas não fará a volta ao mundo (Revista Espírita, ano II (1859), segundo volume, 2004, p. 226-228). (Sem grifos no original)

Dessa concepção primeira das ciências físicas e de que as suas leis universais não seriam suficientes para registrar a “verdade” sobre aqueles fatos novos (manifestação dos Espíritos), Kardec traça a seguinte sentença:

Repetimos mais de uma vez que, se os fatos a que aludimos se houvessem reduzido ao movimento mecânico dos corpos, a indagação da causa física desse fenômeno caberia no domínio da Ciência; porém, desde que se trata de uma manifestação que se produz com exclusão das leis da Humanidade, ela escapa à competência da ciência material, visto não poder explicar-se por algarismos, nem por uma força mecânica. Quando surge um fato novo, que não guarda relação com alguma ciência conhecida, o sábio, para estudá-lo, tem que abstrair da sua ciência e dizer a si mesmo que o que lhe oferece constitui um estudo novo, impossível de ser feito com ideias preconcebidas.[...]. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, não crêem que o homem haja chegado ao apogeu, nem que a Natureza lhe tenha facultado ler a última página do seu livro (2007, O Livro dos Espíritos, p. 37-38).

Kardec compreendeu que a sua questão não seria acolhida pela comunidade científica. Tomando por base a desconfiança da ciência em relação a fatos “verdadeiramente” científicos, ele se demonstrou cético quanto à aceitação do Espiritismo pelos doutores da ciência.

Ora, se tais assembléias, que contavam em seu seio a nata dos sábios do mundo, só tiveram a zombaria e o sarcasmo para ideias que elas não percebiam, ideias que, alguns anos mais tarde, revolucionaram a ciência, os costumes e a indústria, como esperar que uma questão alheia aos trabalhos que lhes são habituais alcance hoje das suas congêneres melhor acolhimento? (2007, O Livro dos

Espíritos, p. 37).

Ele ainda reconhece que “desde que a Ciência sai da observação material dos fatos, em se tratando de os apreciar e explicar, o campo está aberto às conjeturas” (2007, p. 34), e, na defesa de que os fatos espíritas observados mereciam um estudo metódico e sistematizado, Kardec, já meditando sobre a epistemologia científica de então, revoluciona e cria a Ciência do Espírito, fincando seus postulados em alguns dos princípios positivistas (ideias que movimentavam a comunidade científica da época), porém transgredindo-os, diante do reconhecimento de que o objeto que ele se propunha estudar não se conformava aos limites das pesquisas positivas acerca dos fenômenos empíricos naturais.

Não se podia negar que Kardec estava diante de fatos concretos e observáveis, por mais estranhos que fossem e insólitos parecessem aos olhos da comunidade científica

européia. Por isso ele usou a imperiosidade dos fatos para merecer a atenção científica na sua explicação sobre os fenômenos espíritas.

Para muita gente, a oposição das corporações científicas constitui, senão uma prova, pelo menos forte presunção contra o que quer seja. [...]. Os fatos, eis o verdadeiro critério dos nossos juízos, o argumento sem réplica. Na ausência dos fatos, a dúvida se justifica no homem ponderado.[...]. (Kardec, 2007, p. 34-35).

Assim, observando, analisando e sistematizando os fatos da manifestação dos Espíritos, ele pôde, finalmente, organizar um corpo teórico suficiente para alcançar o status de ciência, estabelecendo, de forma objetiva, princípios gerais norteadores de seus estudos, que sustentariam a nova doutrina, devido ao seu trabalho metódico, pautado na razão e na observação, destacando que:

O primeiro exame comprobativo é, pois, sem contradita, o da razão, ao qual cumpre se submeta, sem exceção, tudo o que venha dos espíritos. Toda teoria em manifesta contradição com o bom-senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos já adquiridos, deve ser rejeitada, por mais respeitável que seja o nome que traga como assinatura (Kardec, 2006, p. 29).

Ou seja, o próprio Kardec, com espírito científico, reconhecia a necessidade de certas características para que seus estudos merecessem o aval da ciência. Suas pesquisas pautaram-se sobre três pontos básicos: a) observação e registro de sessões de manifestação dos espíritos, ocorridas, inicialmente, com as mesas girantes; b) catalogação de cartas psicografadas, vindas de várias partes da França e de outros países; c) aplicação de um longo questionário (constituído de centenas de interrogações e dúvidas) aos Espíritos comunicantes, através de médiuns, buscando deles (Espíritos) informações sobre o mundo imaterial e a razão de sua manifestação, aferindo a coerência da sua linguagem e a universalidade de seus ensinamentos. Dessa forma, Kardec pôde erguer a doutrina dos Espíritos, exposta em todas as suas obras sobre o tema – que, segundo Kardec, trazem a fala direta dos Espíritos (O Livro

dos Espíritos), ou são fruto de suas reflexões advindas do longo contato que ele declara ter

tido com os Espíritos e com seus ensinamentos (O Livro dos Médiuns, O que é o Espiritismo,

O Evangelho segundo o Espiritismo, A Gênese, O Céu e o Inferno, Obras Póstumas, Revista Espírita).

Na introdução de O Evangelho segundo o Espiritismo, sob o item “AUTORIDADE DA DOUTRINA ESPÍRITA” e o subtítulo “Controle Universal do Ensino dos Espíritos”, Kardec discorre sobre a principal característica do Espiritismo que lhe confere foros de ciência: a universalidade das manifestações dos Espíritos. Kardec declara: “Nessa universalidade do ensino dos Espíritos reside a força do Espiritismo” (ESE, p. 28).

O fato de as manifestações dos Espíritos se generalizarem por todo o mundo e classes sociais são uma garantia de verdade. Entre os espectadores há, evidentemente, pessoas de má índole, que podem mentir. Mas também há pessoas idôneas. E Kardec procurou cercar- se dessas últimas. Para ele, o maior risco que se poderia correr era o da mentira, da fraude, da mistificação. Isso porque o seu objeto de estudo não era visível, palpável, apreensível pelos sentidos. Não era empírico, enfim.

Portanto o fator da quantificação foi dos mais relevantes para garantir que ele estava lidando com um objeto real, passível de registro científico. Se as manifestações ocorriam em várias partes, se eram presenciadas por milhares de pessoas, se a maior parte dos ensinamentos e explicações dos Espíritos coincidia nas diversas manifestações, então, por

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