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Percursos historiográficos

1.1. A ciência positiva

Nos finais do século XIX apareceu e expandiu-se, em França, uma escola histórica designada de metódica12. Os seus objectivos foram expostos em dois textos-programas: o manifesto escrito por G. Monod, para lançar a Revista Histórica (1876) e o guia para os estudantes redigido por Ch.- V. Langlois e Seignobos, em 1898.

A escola metódica impunha uma pesquisa científica liberta de qualquer especulação filosófica e visava a objectividade absoluta, no domínio da História. Pretendia atingir os seus objectivos através da aplicação de técnicas rigorosas ao inventário das fontes, à crítica dos documentos, à organização da tarefas do historiador.

Os historiadores desta escola participaram, ainda, na reforma do ensino superior e ocuparam as cadeiras nas novas universidades; dirigiram grandes colecções: E. Lavisse, História de França;

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Em1976 Charles-Olivier Carbonell, na obra Histoire et Historiens, distinguiu a escola positivista, influenciada pela

filosofia positivista de Augusto Comte, da escola metódica, que ao contrário da primeira não revela nem preocupações

acerca da classificação da história como ciência, nem tão-pouco sobre a detecção das leis que regulam os eventos (Mendes, 1996, p. 209). Essa distinção é, também, a adoptada por Bourdé e Martin (1989), e que aqui se toma como

A Rambaud História Geral; L. Halphen e Ph. Sagnac Povos e Civilizações; formularam os programas e elaboraram obras de história destinadas aos colégios secundários e às escolas primárias. A escola metódica manteve a sua influência até por volta de 1940 (Bourdé, 1989).

A fundação d’A Revista histórica em 1876, por G. Monod e G. Fagniez, marcou a constituição de uma “escola histórica” desejosa de acolher vários “profissionais” dentro do quadro de um certo ecletismo ideológico. Na realidade, A Revista histórica pretendia cobrir o espaço europeu e abranger o período temporal desde a antiguidade clássica à idade contemporânea, quer sob a forma de artigos eruditos quer na forma de recensões críticas.

Na liderança da revista coexistiram duas gerações de filósofos e historiadores: Duruy, Renan, Taine, Boutaric, Fustel de Coulanges, por um lado; e Monod, Lavisse, Guiraud; Bémont, Rambaud, dentre os mais jovens. A formação académica dos colaboradores da revista, evidenciava a vontade de criar uma revista destinada a profissionais integrados no meio universitário, em contacto com o acervo dos arquivos (Bourdé, 1989).

No seu Manifesto de 1876, G. Monod, declarava o inicio da História como disciplina “científica”, em França, abrindo uma primeira fase de preparação e elaboração de materiais. Os autores da Revista histórica divulgaram os procedimentos científicos a que deviam obedecer os artigos, pronunciaram-se sobre a própria organização da profissão e defenderam, ainda, a inclusão da disciplina no ensino superior ( Bourdé, 1989). Os princípios defendidos no texto inaugural de G. Monod, encontrar-se-ão vinte e três anos mais tarde, no manual de Ch.-V. Langlois e Ch. Seignobos.

Ao nível das declarações de intenções, A Revista histórica dizia-se neutra e imparcial,

votada à ciência positiva, fechada às teorias políticas e filosóficas (Bourdé,1989, p.186). Segundo

o mesmo autor, nas acções concretas, A revista histórica não conseguiu manter a neutralidade que advogava, envolvendo-se no apoio à República e nas lutas anti-clericais.

Um quarto de século após a fundação da Revista histórica, dois dos seus fundadores, Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, definiram as regras aplicáveis à disciplina de História em Introdução aos estudos históricos (1898). O breviário [tinha] como vocação formar as [novas]

gerações de historiadores (Bourdé, 1989, p.189).

A importância exclusiva atribuída aos documentos escritos, a crítica rigorosa das fontes e a neutralidade do historiador constituíam o leque das preocupações desses investigadores, tendo como objectivo último produzir um conhecimento objectivo. Na sequência dos eruditos do século XVIII e dos inícios do século XIX, a escola metódica dos finais do século XIX e princípios do séc. XX empenhou-se em preservar os documentos em museus e bibliotecas protegendo-os contra o esquecimento, as perdas, ou outro qualquer tipo de destruição; preocupou-se, ainda, em classificar

os fundos dos arquivos. Dentro deste paradigma, as tarefas do historiador passavam pela inventariação dos materiais disponíveis, pela submissão das fontes a métodos rigorosos de crítica (heurística e hermenêutica) e pela descrição dos factos, essencialmente político-militares, tal como eram apresentados pelos documentos. (Mendes, 1996). A escola metódica evitava as interpretações e as sínteses (Bourdé, 1989).

Em Portugal, as influências da história metódica fizeram-se sentir em inúmeros historiadores, desde Gama Barros, considerado o mais paradigmático, a Fortunato de Almeida (Mendes, 1996, p. 209).

No fim da guerra de 1870-1871 muitos jovens historiadores franceses, como G. Monod, E. Lavisse, C. Julian, Ch. Seignobos, foram completar a sua formação na Alemanha. Aí beberam as influências de Von Ranke, cujas teses punham em causa as filosofias da História, especulativas,

subjectivas e moralizadoras e avançavam com fórmulas científicas, objectivas (ou positivas” que

acabaram por influenciar duas ou três gerações de historiadores, primeiro na Alemanha e depois em França (Bordé,1989). Os postulados teóricos de Von Ranke, podem ser assim sintetizados:

a) ao historiador cabe dar conta do que realmente se passou, de forma neutra;

b) não há interdependência entre o sujeito (historiador) e o objecto (facto).O historiador escapa a qualquer condicionamento social, o que lhe permite ser imparcial na percepção que dá dos acontecimentos;

c) a História existe em si mesma, objectivamente; tem uma forma, uma estrutura definida e que é directamente acessível ao conhecimento;

d) a relação cognitiva segue um modelo mecanicista. O historiador regista o facto histórico de maneira passiva, como um espelho reflecte a imagem de um objecto;

e) a tarefa do historiador consiste em recolher um número suficiente de factos, sustentados por documentos seguros. Toda a reflexão teórica é inútil, introduz elementos especulativos. A ciência positiva pode atingir a objectividade e chegar à verdade dos factos históricos (Ibidem pp.207-208): A escola metódica, repousando em fundamentos pouco estáveis e enfermando de graves contradições, não tardou em ser atacada por vários sectores, principalmente a partir de 1920.

O grupo dos Annales criticava na história tradicional, dita historizante, a atenção exclusiva ao documento escrito, a valorização do acontecimento singular (l’événement) que decorre no tempo curto, a ênfase nos factos políticos, diplomáticos e militares e a desvalorização da interpretação e de sínteses (Bourdé, 1989).

O relativismo, com expressão na Grã-Bretanha e nos EUA nos anos de 1930- 1940 era mais

radical nas críticas que dirigia à historiografia tradicional. Essa corrente denunciava a pretensão de conhecer a História tal como ela se passou, reputando de falsa uma teoria positivista do

conhecimento, segundo a qual o sujeito pode dar uma imagem fiel do objecto, tal como um espelho reflecte a imagem (Bourdé, 1989 ).

O materialismo dialéctico de Marx atacava a noção positiva de imparcialidade do historiador, opondo-lhe uma noção de conhecimento como produção social. Numa concepção marxista, o conhecimento é uma actividade concreta, ligada a uma praxis; o sujeito conhecedor não pode ser imparcial pois está integrado num determinado contexto social e cultural que “molda” o seu ponto de vista (Bourdé, 1989).

1.2-O positivismo de Augusto Comte

Uma outra corrente impôs-se, em França, entre 1881 e 1930 sob a influência de Augusto Comte, perseguindo a ideia de atingir a objectividade, em História. Para Comte, o conhecimento produzido por qualquer ciência só é “verdadeiro” quando sujeito à experiência segundo métodos de investigação empírica, tendo como finalidade gerar leis.

As ideias de Comte divulgaram-se, a partir da Alemanha, por toda a Europa e sob diversas formas. O Reino Unido foi um dos países onde mais se sentiram as repercussões dessas ideias por intermédio de Marx e da procura das “leis da História” e de John Stuart Mill, que desenvolveu

análises que viriam a servir de base para a reflexão sobre a causalidade. Em França, a influência

do positivismo ficou a dever-se ao naturalismo avançado por Pasteur (Magalhães, 2002, p.17). Esses princípios e exigências reflectiram-se no domínio da produção historiográfica e a disciplina de História sentiu-se, também, na obrigação de descobrir “verdades”.

Em Portugal, alguns historiadores aproximaram-se dessa tendência historiográfica. Entre eles figuram Manuel Emídio Garcia, Teófilo Braga- comummente apontado como introdutor do

positivismo no nosso país- e Consiglieri Pedroso, entre outros. Na introdução ao seu Manual de História Universal (1881), Consiglieri Pedroso afirmava:

História é a ciência que descreve os factos, que se passam no seio das sociedades humanas e civilizadas, no tempo e no espaço, e ‘estuda tanto quanto possível as leis que os regem’. Deduz-se imediatamente desta definição, que a narração pura e simples dos factos não constitui só por si a «história», embora esta narração quando feita com fidelidade, seja um elemento indispensável, o mais importante até, pode dizer-se, para a constituição da ciência. A ciência, porém, só aparece no momento em que começa a investigação das relações, que entre si ligam os diversos factos, isto é, no momento em que se estudam as leis que os governam ( In Mendes, 1996, p. 209).

Em Portugal, o positivismo só ganhou alguma representação nos meios intelectuais portugueses quando adoptou um cariz mais sociologista. Esta perspectiva ficou a dever-se,

sobretudo, a Manuel Emídio Garcia, em Coimbra, a Teófilo Braga, em Lisboa e a Júlio de Matos, no Porto. No entanto, a primeira sistematização do ideário comteano só foi feita por Teófilo Braga em 1877 nas Tendências Gerais de Filosofia Positiva (Catroga, 1996).

Em França, a publicação por L. Bourdeau de História e os Historiadores (1888), um ensaio critico sobre a História considerada ciência positiva, reflecte essas preocupações. O programa de Bourdeau opunha-se ao projecto da escola metódica. No manifesto que abria A Revista histórica, G. Monod já tinha utilizado o termo ciência positiva mas num sentido diferente da doutrina comtista. G. Monod, como já foi referido, valorizava os factos em detrimento das teorias políticas e filosóficas e a História como ciência descritiva, operando sobre os elementos em mutação, num perpétuo devir (Bourdé,1989). Como discípulo de Comte, Bourdeau colocava-se no plano filosófico. A História, tomando como modelo a Sociologia, devia alargar o seu objecto ao movimento da população, à organização da família, à habitação, à alimentação e a todas as actividades humanas, nas diversas dimensões, valorizando os factores explicativos em detrimento dos descritivos (Bourdé, 1989; Mendes, 1996).

Bourdeau fixou para a história científica o objectivo de procurar as leis que presidem ao

desenvolvimento da espécie humana, classificando-as em três grupos (Bourdé,1989, p. 206): a) as leis que mostram a similitude das coisas;

b) as leis que mostram que as mesmas causas provocam os mesmos efeitos; c) a lei suprema que rege o curso da História.

Com menos aderentes que a escola metódica, o positivismo comteano, uma filosofia da

História, determinista, pretendendo ao mesmo tempo reconstruir o passado e prever o futuro,

transformou-se numa doutrina sem aderentes.

Em suma, o modelo alemão de ciência histórica impôs-se na Europa e nos Estados Unidos da América a partir de finais do século XIX e princípios do século XX, assentando em dois pressupostos indissociáveis: a profissionalização dos estudos históricos- assentes numa crítica rigorosa das fontes documentais e na total neutralidade por parte do historiador-e na procura da

objectividade. A produção de um conhecimento objectivo, isento de especulações e de opiniões e

entendido como verdadeiro, era sentida como um imperativo para a afirmação da disciplina como ciência (Magalhães, 2002, p. 18).

Em Portugal, o modelo de profissionalidade desenvolvido por Ranke orientou o trabalho de Alexandre Herculano (1810-1877). Este, demarcou-se da produção de um conhecimento histórico, especulativo, orientado ideologicamente e das sínteses, que sem grande base documental, se apresentavam como definitivas e verdadeiras, para defender a necessidade de partir de documentos autênticos e da crítica como base indispensável para construir uma história-ciência (Ibidem, p. 18).

1.3- Marx e o materialismo histórico

É possível afirmar que existe um fundo positivista nas análises de Marx, nomeadamente naquilo que diz respeito à procura de leis gerais. No entanto, o materialismo histórico afastava-se do positivismo, ao introduzir dois mecanismos considerados fundamentais no processo de conhecimento: por um lado, o sujeito apropria-se do mundo da maneira que lhe é possível dentro de determinadas condições da vida material, sendo, portanto, socialmente determinado; por outro lado, introduz um outro mecanismo, o do conhecimento como actividade não abstracta, mas concreta, ligada a uma praxis. Em consequência, o sujeito conhecedor não é espontaneamente imparcial, pois pertence a um grupo profissional, a uma classe social, a uma comunidade nacional que “modela” o seu ponto de vista..

No fundo, Marx propunha uma nova concepção do processo histórico, na medida em que procurava chegar a uma compreensão científica e objectiva da evolução das sociedades humanas, tendo em conta a natureza social do conhecimento, recorrendo a conceitos do materialismo

dialéctico e colocando-se do ponto de vista do proletariado(Bourdé, 1989).

A abordagem marxista foi, provavelmente, a primeira a relacionar a objectividade com a noção de produção social do conhecimento, realçando o contexto cultural na modelação do ponto

de vista do autor ( Barca 2000, p.69). No entanto, a abordagem marxista contém, em si, algumas

limitações considerando que o marxismo analisa os conceitos de uma perspectiva de certo-errado: os que compartilhavam dos valores da classe trabalhadora, que eram gerados no contacto com as forças materiais, reais, eram capazes de desenvolver uma análise científica e compreender os aspectos correctos do mundo social; aqueles que partilhavam dos valores burgueses, isolados das condições reais de produção material, tenderiam a distorcer a realidade.

Como discípulo de Hegel, Marx estava comprometido com a dialéctica. No entanto, o contacto com historiadores e economistas ingleses e franceses afastou-o do idealismo hegeliano, segundo o qual a história universal correspondia a uma marcha dialéctica do espírito para um

objectivo final: a consciência de si mesmo (Bourdé, 1989, p. 273).13 Contrariamente, para Marx a

dialéctica tinha uma base material, defendendo uma atitude “interventiva”, transformadora da sociedade, por parte das elites intelectuais, nomeadamente dos filósofos.

É na sua obra O Capital (1867) que Marx apresenta as ideias força do seu materialismo

dialéctico, com base na apreciação do trabalho e das relações de produção. Os conceitos de meios de produção (materiais e humanos) relações de produção (que reenvia para as relações sociais que

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Marx critica veementemente a filosofia de Hegel em Critique de la philosophie du droit de Hegel( 1843) (Bourdé,

os homens tecem entre si afim de produzir e de partilhar os bens e serviços), infraestrutura e

superestrutura, introduziram uma nova perspectiva de fazer História, dando ênfase às forças produtivas e às relações que se desenvolvem entre os diferentes níveis da realidade social (Bourdé,

1989).

Marx identificou, ainda, uma sucessão de três modos de produção, definidos com base nas

relações de produção que o sustentam: 1) o modo de produção antigo, baseado na relação de

produção esclavagista; 2) o feudal, baseado no trabalho servil; 3) o modo capitalista, cuja relação de produção se baseia no trabalho assalariado.

F. Braudel, vê no conceito de modo de produção o equivalente a um modelo : O génio de

Marx, o segredo para a sua prolongada influência reside no facto de ter sido pioneiro na construção de verdadeiros modelos sociais e a partir da longa duração (In Bordé1989, p.277).

O conceito de modo de produção remete, efectivamente, para uma nova concepção de tempo histórico: tempo complexo, não linear, não legível no relógio do quotidiano, mas uma construção do domínio económico, o tempo do capitalismo (Vilar, 1977, p. 216). Do ponto de vista de Marx, a evolução da humanidade não segue um percurso linear, mas processa-se por alterações e mutações sucessivas de uma estrutura para a outra. Essas alterações podem dar-se pela via das revoluções curtas ou por via de transformações mais lentas, seculares ou até coexistirem diferentes estádios de evolução. Estas rotações, ciclos e revoluções nunca levam ao ponto de partida, mas criam situações

novas, não só no domínio económico como no todo social (Ibidem, p. 216). A contradição

emergente no seio da realidade social, motor da História poderá conduzir à mudança.

O pensamento marxista tem sido, ao longo dos tempos, objecto de controvérsias, de versões

mitigadas e reducionistas14 (Magalhães, 2002, p. 22). No entanto, o seu pensamento veio lançar um

novo olhar sobre o passado e contribuiu para o alargamento do objecto da História. Pode afirmar-se que o materialismo histórico influenciou fortemente a História produzida pelos Annales, a vários níveis: na relevância atribuída ao socioeconómico, no estudo de aspectos relacionados com a

civilização material, tão cara a Fernand Braudel, no uso de conceitos como capitalismo, capital, mais-valia, modos de produção, nas diferentes dimensões do tempo social e, enfim, na

perspectivação global da realidade histórica, ou seja na vontade de atingir uma história total (Bourdé, 1989; Mendes, 1996).

Em Portugal, num contexto político de ditadura, emergiu, a partir dos anos 40 do século XX, uma historiografia não alinhada ou contra o regime, que se propunha refutar muitas das ideias e

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No quadro da II Internacional, gerou-se um movimento de reacção e até revisão da orientação cientista e economista

dada ao materialismo histórico. Podem referir-se como exemplos Max Adler na Áustria, Eduard Bernstein na Alemanha, Jean Jaurés em França. De 1920 até aos anos 60, o pensamento marxista ficou comprimido na matriz

dos mitos divulgados pela historiografia oficial, introduzir novos olhares, novas abordagens e novas metodologias de análise.

Vários são os nomes que se podem referir como “incontornáveis” nesta onda de renovação historiográfica, como por exemplo o de António Sérgio, historiador e ensaísta. No entanto, neste contexto, importa realçar alguns dentre aqueles que nessa época, navegaram nas águas da

historiografia marxista. Armando de Castro, com uma obra vasta no domínio da História

económica e no campo da epistemologia das ciências sociais (Problemas de Conhecimento do

Conhecimento, de 1981, por exemplo), é tido como uma referência (Mendes, 1996). A concepção

de História de Armando de Castro assentava em dois pressupostos: a recusa do positivismo factual,

que nada explica e poderá resultar duma selecção ideologicamente orientada e a defesa de uma

abordagem aos fenómenos mais profundos e aos condicionalismos históricos que os geraram, inspirada no materialismo histórico. O recurso a conceitos marxistas como modo de produção,

relações sociais de produção, relações de dependência, entre outros, e a identificação de materialismo histórico com ciência da História, são considerados indícios de uma abordagem

histórica de inspiração marxista (Mendes, 1996, pp. 316-317) .

Apesar das influências mais directas e profundas da historiografia marxista em Portugal, passando pela adesão à ideologia e ao próprio sistema explicativo, assente no princípio de que a luta

de classes constitui o motor da história, terem sido mais visíveis após o 25 de Abril de 1974,

merecem, ainda, referência autores como Flausino Torres, Augusto da Costa Dias, José Tengarrinha, António Borges Coelho, Victor de Sá, cuja investigação já se iniciara no período anterior à revolução (Mendes, 1996).

2-A Escola dos Annales

A criação, em 1920, da Revista de Síntese e da revista dos Annales, em 1930 esteve na origem de mais um novo foco de reacção contra o positivismo, a partir de França. A nova escola negligenciou o acontecimento (l’évenénement) em detrimento da longa duração, deslocou a atenção da vida política para a actividade económica, a organização social e a psicologia colectiva e esforçou-se por aproximar a História das outras ciências humanas. Após a 2ª Guerra Mundial, a

nova história impôs-se, apoiada na revista Annales d’Histoire Sociale.15 Nos anos 50 e 60, os

colaboradores dos Annales desbravaram os terrenos da geografia histórica, da geografia económica, e da demografia histórica, nos anos 70, descobriram o domínio da História das mentalidades. Ao fim de meio século de experiências, o espírito dos Annales imbuía a maioria da produção historiográfica em França e influenciava o trabalho dos historiadores da Europa Ocidental, Estados Unidos e América Latina (Bourdé, 1989).

2.1- O projecto de História total

A fundação da Revista de Síntese, em 1920, por Henri Berr (na qual colaborou Lucien Febvre), marcou o inicio de um projecto de renovação da História no seio das ciências sociais, com contributos da Geografia, da Sociologia, Psicologia e da Economia.

Em 1929, Lucien Febvre e Marc Bloch, que se encontravam a trabalhar na Universidade de Estrasburgo, propuseram-se levar a cabo esse projecto fundando a revista Annales d’histoire

économique e sociale (1929). A revista foi apresentada pelos seus fundadores como uma publicação

que tinha como objectivos quebrar o espírito de especialização e promover a interdisciplinaridade,