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1. A NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1.2 A Ciência e sua capacidade de resposta ao desafio

As transformações estruturais que ocorrem na agropecuária brasileira estão em interface com o desenvolvimento científico e tecnológico voltado para o setor (GEHLEN, 2001).

Para Maia:

A ciência e a tecnologia são hoje instrumentos indispensáveis para o sonho de desenvolvimento ideal que construa qualquer país, considerando suas potencialidades para oferecerem alternativas aos padrões de produção e consumo estabelecidos (...) Nesse contexto, está colocada a necessidade de se estabelecer uma política nacional de ciência e tecnologia voltada para a conquista da sustentabilidade, priorizando a eliminação da exclusão social e o uso sustentável dos recursos naturais (MAIA, 2000, p. 371).

Para Altafin (2003, p. 86): “A mola mestra da ação do Estado para a superação do atraso tecnológico e a promoção da modernização da agricultura foi, sem dúvida, a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural, em 1965”.

Todavia, como essa mesma autora ressalta, não havia tecnologias suficientes, diretamente transferível dos países desenvolvidos à realidade brasileira, o que comprometia a realização da Revolução Verde no País, ou seja, o processo de disseminação do “pacote tecnológico” (AGUIAR, 1986).

Assim, é criada a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, em 1972, uma empresa pública que será responsável pela coordenação e execução da pesquisa agrícola no País. Também esteve sob o comando dessa empresa a definição de todo o conjunto de normas e padrões que configuravam o sistema de produção de cada uma das culturas e criações priorizadas dentro do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) (ALTAFIN, 2003, p. 87).

É preciso lembrar, como ressalta Almeida (1998), que a verdade suprema dessa visão é sintetizada da seguinte forma: “desenvolvimento técnico científico  desenvolvimento socioeconômico  progresso e crescimento”.

O que se quer chamar a atenção é que, a tecnologia que deu suporte à Revolução Verde foi influenciada pelos paradigmas científicos dominantes. A geração de tecnologia, como processo científico, é influenciada, em maior ou menor grau, por toda constelação de crenças, valores, técnicas, etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade científica (KHUN,

1994). Ou seja, a ideologia da modernização teve apoio significativo por parte não só das organizações de pesquisa, como também da academia, seio da ciência moderna brasileira.

Segundo Bursztyn (1995, p.99):

Para entender o (dês)caminho percorrido pela racionalidade do desenvolvimento pós-Revolução Industrial, é preciso analisar as relações entre a evolução das atividades econômicas, da tecnologia, das idéias econômicas e das implicações de tudo isso sobre o meio ambiente.

Ao analisar os paradigmas teóricos da Economia esse autor conclui que a sociedade ocidental se desenvolveu segundo a lógica econômica de que a natureza é um meio de produção de riquezas. Há uma desconsideração quanto aos limites da natureza. Com o tempo, a economia se afasta do ser em direção do ter, tendendo a uma oposição entre ambos (BURSZTYN, 1995).

Vários alertas têm sido explicitados por pensadores, em relação à busca da produção material ilimitada e quanto aos limites da natureza: o risco do crescimento populacional; a consciência das externalidades; a necessidade de uma ciência ética; de uma economia que leve em conta o excesso de pessoas; a proposta de estabelecer limites ao crescimento; o enaltecimento das virtudes de ser pequeno; uma concepção de progresso técnico que leve em conta o bem-estar geral; a necessidade de busca da solidariedade pela sociedade, a proposta de uma sociedade e de uma ciência econômica que levem em conta a natureza; as oposições entre Economia/Ecologia, Economia/Natureza, Economia/Mercado, Economia/Políticas Ambientais e Economia/Meio Ambiente; o risco da mistificação das novas virtudes do mercado e finalmente, o paradoxo ecológico do desenvolvimento econômico (BURSZTYN, 1995).

A oposição entre o “ser” e o “ter”, resultante de um conflito entre racionalidades, vem se agravando cada vez mais. Para Bursztyn (1995, p. 101): “a economia moderna, que havia se inspirado nas ciências naturais (p. ex., fisiocratas), se afasta cada vez mais destas, notadamente da biologia, ciência voltada para o ser”. Os fundamentos teóricos da economia em que as riquezas naturais, por não poderem ser multiplicadas, nem esgotadas, não se constituem em objeto das ciências econômicas, devendo ser consideradas apenas pelo seu valor de troca e não pelo seu valor de uso. Isso remete a uma relação que Bursztyn (1995, p.101) define da seguinte forma: “estes fundamentos teóricos remetem a uma concepção de Homo economicus, que corre o risco de se opor ao Homo sapiens”.

A revolução agrícola ocorrida na segunda metade do século XIX, quando novas tecnologias de produção, baseadas nos ideais da Revolução Verde, utilizando adubos e aração mecânica movidas a vapor, neutralizou o pessimismo malthusiano de antinomia entre o

crescimento demográfico em escala exponencial e o das oportunidades em escala aritmética (BURSZTYN, 1995). Segundo Malthus (1997, p.32):

A população está em uma constante tendência de crescimento além dos meios de subsistência, e isso é suficiente para rever os diferentes estágios da sociedade na qual o homem existe. A população duplicará a cada 25 anos aumentando em proporção geométrica. O crescimento possível da produção da terra é difícil de determinar.

O desenvolvimento sustentável suscita a necessidade de uma ciência ética. A transformação da ciência em força produtiva é uma característica fundamental do processo civilizatório industrial moderno que segundo Bartholo (1984, p.71): “faz da concepção de “lei natural” o suporte, e da medição experimental o instrumento para a introdução de um princípio ordenador de tipo novo na apreensão dos eventos da Natureza”.

Capra (1997) propõe uma nova visão da realidade que se baseia na consciência do estado de inter-relação e interdependência de todos os fenômenos. Para o autor os sistemas são totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas às unidades menores. Em vez de se concentrar, nos elementos, nas substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. Nos organismos, nos sistemas sociais, nos ecossistemas, etc. As propriedades sistêmicas são destruídas quando os sistemas são dissecados, de forma física ou teórica, em elementos isolados, pois são totalidades integradas. Ele afirma (CAPRA, 1997, p. 259):

A nova visão da realidade, de que vimos falando, baseia-se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos, físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Essa visão transcende as atuais fronteiras disciplinares e conceituais e será explorada no âmbito de novas instituições (...). A ciência normal, de características mecanicista e determinista, sempre exigiu uma separação entre o sujeito e o objeto. A natureza, encarada como objeto, foi totalmente separada do sujeito, o cientista, o observador.

Segundo Morin (1973) citado por Pena-Veja e Stroh (1999, p.180):

Na terra dos homens é preciso compreender a religação humana (re)ligando o homem racional (sapiens) ao homem louco (demens), o homem produtor, o homem técnico, o homem construtor, o homem ansioso, o homem do prazer, o homem extático, o homem cantando e dançando, o homem instável, o homem subjetivo, o homem imaginário, o homem mitológico, o homem crítico, o homem neurótico, o homem erótico, o homem lúbrico, o homem destruidor, o homem consciente, o homem inconsciente, o homem mágico, o homem racional, num rosto de múltiplas faces em que o hominídio se transforme definitivamente em homem, homem complexo.

Essa citação ressalta uma pergunta crucial, os cientistas, formados no âmbito do paradigma da ciência normal, são capazes de pensar o desenvolvimento sustentável?

Para estabelecer uma relação positiva de trabalho visando à busca da sustentabilidade é necessário que os cientistas se aproximem um pouco mais da compreensão retroativa entre indivíduo e sujeito, numa perspectiva de religação consciência, afetividade e emoção, com a íntima convicção de que assim poderão compreender seus próprios componentes paradoxais: suas dualidades, suas imprevisibilidades e suas incertezas (PENA-VEGA; STROH, 1999).

É preciso lançar mão de um diálogo vivo e contraditório de um modo de produção de conhecimento que reconheça as incertezas e os paradoxos das explicações científicas, que aceite o imprevisível como um dos elementos predominantes na constituição da vida, que leve em conta a força da religação que pode conectar coisas que parecem separadas.

No entanto, a combinação sujeito e objeto não é coisa simples. Para Morin (1999) a verdade não é apenas a adequação do objeto à representação que o espírito tem dele, o que ocorre é uma representação subjetiva do ser enquanto sujeito ao que ele pensa ser verdadeiro. Morin toma o sujeito como observador e conceituador. O observador que não pode ser eliminado de uma observação e o conceituador cujas estruturas de conceituação estão no objeto que observa e percebe.

O observador, sujeito da complexidade humana, deve ter consciência de ter dentro de si as contradições e antagonismos que existem no mundo e, portanto, ele é ao mesmo tempo observador e observado. A consciência da própria complexidade do sujeito observador, das suas próprias descontinuidades, das suas contradições, desembocando na auto-referência que lhe permitirá evitar julgamentos apressados, irá ajudá-lo a rejeitar as deduções e as condensações fáceis, alimentando assim sua autocrítica e suas interrogações e submergindo-o numa compreensão maior da essência e do mal-estar humano, sabendo por outro lado que ele os tem dentro de si (PENA-VEGA; STROH, 1999).

A dificuldade de alcançar a compreensão reside no modo fundamental de conhecimento antropossocial pelo qual a inteligibilidade do outro é marcada pela subjetividade e pela afetividade. Em entrevista realizada por Stroh, José Ortega Y Gasset afirma: “o homem não é uma natureza e sim uma história, o homem não é uma coisa e sim um drama, sua vida é algo que deve ser escolhida, inventada à medida que ele progride, e um homem existe nessa escolha e nessa invenção” (PENA-VEGA; STROH, 1999, p. 186).

Para alcançar a compreensão e, neste caso, incluindo os fenômenos sociais, é necessário um conhecimento empático e simpático das atitudes, sentimentos, intenções, motivos do

outro, mas isto é muito difícil, porque a empatia e a simpatia comportam uma projeção (de si no outro) e uma identificação (do outro em si) (PENA-VEGA; STROH, 1999).

Segundo Pena-Vega e Stroh (1999) “a compreensão se alimenta de um movimento incessante de auto-referência que se transmuta em consciência”. Há uma interdependência entre compreensão, auto-interrogação e consciência na formação do conhecimento humano.

O esquema conceitual da ecologia das idéias se baseia fundamentalmente na incerteza e na imprevisibilidade. A aplicação dessas referências revela incertezas em nossas verdades, em nossos valores, na nossa ética, nas nossas crenças e nos nossos mitos. Incertezas que podem nos ajudar a atenuar nossa tendência a condenar o erro humano.

Entretanto, se as verdades, os valores, a ética, as crenças e os mitos dos cientistas estão fundamentados na ciência normal como podem lidar com a complexidade, com a sustentabilidade?

No domínio da ética Morin afirma:

O problema chave da ética-para-si é o da relação com o nosso próprio egocentrismo; é preciso ser consciente das próprias zonas escuras e das próprias carências. Deste modo, a ética-para-si exige que não pensemos estar no centro do mundo, que pretendemos ser juízes de todas as coisas. Ela exige que, em vez de recuar frente aos delírios e histerias, passemos a compreendê-los. A auto-ética significa que a ética ganha autonomia e se funda em si mesma, mas esta autonomia depende sem qualquer dúvida das condições históricas, sociais, culturais, e psíquicas em que surge (MORIN, 1994 citado por PENA- VEGA; STROH, 1999, p. 188).

Mas o pensamento de que o homem está no centro do mundo, que os cientistas pretendem ser juízes de todas as coisas é característico do pensamento cartesiano, inerente à ciência normal que influencia grande parte da ciência atual.

É em sua multidimensionalidade que o ser (humano, consciente, complexo) produz de fato a construção (a autoconstrução) do real. Insistindo no papel que temos na autoconstrução do real, podemos destacar a idéia da auto-referencialidade, ou seja, da circularidade ou recursividade num fenômeno observado.

Poucos ousam atualmente refutar a idéia de que o real é um complexo multidimensional, representado por inter-retroações concorrentes, contraditórias e complementares. Não se pode negar a existência de diversos graus de auto-referencialidade, todos relacionados com a prática.

Para poder dar sentido à auto-referência, ou seja, autodescrição, autoprodução, auto- reprodução do observador na observação, é preciso abandonar o paradigma disjuntivo e

reducionista que mantém separadas a complexidade subjetiva do ser e a complexidade do mundo, como se fossem sistemas que se organizam independentemente um no outro.

A percepção da complexidade do ser e da vida se dá na tomada de consciência das dialógicas orientadas pela interação do mundo subjetivo e o mundo objetivo, ancorada na unidade complexa de cada ser humano. É nessa idéia que Morin insiste, ou seja, de que complexo é tudo que se entrecruza: como uma tapeçaria.