• Nenhum resultado encontrado

A cidade como espaço de participação, brincadeira e educação

No documento Cidade amiga da criança (páginas 56-61)

2 INFÂNCIA, CRIANÇA E CIDADE: CONCEITOS INICIAIS

2.3 UMA CIDADE AMIGA DA CRIANÇA

2.3.1 A cidade como espaço de participação, brincadeira e educação

Figura 16 – Estamos jogando, não perturbe

Fonte: Tonucci (1996, capa).

Se essa rua fosse minha

Se essa rua Se essa rua fosse minha

Eu mandava [...] (CANTIGAS POPULARES)

Para iniciar a discussão sobre a cidade como espaço de participação, brincadeira e educação, apresenta-se uma breve delimitação desses conceitos. Espaço, segundo Viñao e Escolano (1998), é uma realidade individual e coletivamente construída, que expressa significados das experiências daqueles que o habitam. Então, o espaço só se constitui a partir de uma experiência individual produzida coletivamente. Para Brougère (2012), participação é “tomar parte em”. Nada mais comum, nada mais difundido. Isso remete à ideia de “fazer com”. Conforme o mesmo autor, educação é um processo contínuo que começa com o nascimento e termina com a morte, e é durante esse processo, através da participação em espaços individuais e coletivos, que o sujeito procura se aperfeiçoar.

Sobre o conceito de brincadeira, vale lembrar já foi contemplado no capítulo anterior.

Esses conceitos estão fundamentados em uma educação ao longo da vida; e exprimem duas ideias principais: uma, em relação ao tempo e, outra, com o espaço. No entender de Brougère:

A educação se inscreve num processo temporal contínuo: nunca se termina de aprender, porque sempre se tem necessidade de atualizar os conhecimentos para continuar sendo operacional num mundo de mutação. No plano espacial, os lugares de formação são múltiplos segundo as ideias e os momentos da vida, desde os espaços situados e institucionalizados dos equipamentos escolares até os diversos locais de todo o tipo de formações, passando pelos lugares informais. (BROUGÈRE, 2012, p. 35).

Assim, as experiências educativas transcendem os tempos e os espaços escolares. A escola já não é o lugar educativo central e a educação formal já não é a única forma e a única fonte educativa. Aprender seria, então, participar da vida cotidiana.

Nesse contexto, a cidade, através dos seus espaços públicos, também é um espaço educativo, pois desempenha importante papel na construção das sociabilidades, visto que é aí que o ser humano vivencia e exercita sua dimensão social. Quando convive com o outro de forma ativa, ele aprende. Para entender a cidade como espaço educativo, duas configurações permitem ilustrar a educação ao longo da cidade: as cidades educadoras e as cidades ensinantes. De acordo com Brougère (2012, p. 37-39),

a cidade educadora educa por meio de suas instituições educadoras tradicionais, de seus projetos culturais, mas também por meio de seu planejamento urbano, de suas políticas ambientais, de seus meios de comunicação, de seu tecido produtivo e de suas empresas. A cidade ensinante vai permitir descrever um processo de transmissão de saberes que parte dos usos urbanos comuns para adquirir o seu reconhecimento dos saberes urbanos. [...]. A cidade ensinante supõe desde logo o reconhecimento do princípio de reciprocidade, cuja consequência poderia ser expressa da seguinte maneira: já não são os educadores que educam, mas os educados. O que implica um contexto democrático e participativo que permite considerar a igualdade formal dos atores.

Pode-se dizer que, independente da nomenclatura de cidade educadora ou cidade ensinante, a cidade é sempre um espaço de educação que não é, necessariamente, intencional e nem sempre consciente; é informal, implícita, incidente. Mas é uma educação que é construída por via de encontros, atividades, observações e participação. Por isso é importante recuperar espaços de convivência humana, como as ruas e as praças, nos quais as crianças possam aprender de modo espontâneo e participativo. E nada mais espontâneo e participativo para a criança do que a brincadeira.

Pensando as sociedades contemporâneas nas quais o brincar é entendido como atividade eminentemente infantil, Brougère (2001) afirma que o brinquedo é revelador da cultura e suporte de relações sociais que lhe conferem razão de ser:

A infância é, consequentemente, um momento de apropriação de imagens e de representações diversas que transitam por diversos canais. [...] O brinquedo é, com

suas especificidades, uma dessas fontes [...] Parece útil considerar o brinquedo não somente a partir da dimensão funcional, mas também sua dimensão simbólica. [...] É preciso, efetivamente, romper com o mito da brincadeira natural. [...] A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de cultura. (BROUGÈRE, 2001, p. 97)

Para Sarmento (2005, p. 27), cultura é “[...] um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e idéias que as crianças produzem e partilham em interação com seus pares”. Assim, a brincadeira é aqui compreendida como atividade cultural, característica de um grupo geracional que toma como cena a cidade e seus espaços públicos.

Muito já se falou acerca da importância dos jogos e brincadeiras na infância, especialmente com referência às vantagens motoras, psicossociais e educacionais, o que é, obviamente, de grande relevância. Por isso, torna-se essencial destacar a importância dos espaços urbanos destinados às brincadeiras infantis, [...] Sem poder brincar pela cidade, a criança perde, não apenas o espaço físico, mas, sobretudo, altera, estruturalmente, suas condições de produzir e de se relacionar com a cultura, com a sociedade, com a política. (PERROTTI, 1990, p. 92).

Nos espaços públicos, exercitava-se o contato com o estranho, um contato aceito e tolerado com o outro, possibilitando múltiplas trocas de experiência, através da participação. Portanto, lugar onde os indivíduos podiam encontrar-se sem se estranhar pelo fato de serem estranhos, tornando-se espaço privilegiado para a manutenção de formas de convívio, de participação e de cidadania. Então, se antes existiam nas cidades espaços de encontros, como as praças, os cafés, as ruas; atualmente, vive-se um período de crise com intensa desvalorização e redução de espaços públicos destinados a experiências no âmbito da brincadeira e, como consequência, de convivência. Esses lugares dão lugar a prédios,

shopping, lojas, carros, etc., características da contemporaneidade. Nesse contexto, a criança é progressivamente privada da participação na vida social. Ter acesso a espaços públicos como praças, parques e outros, representa, ainda, o exercício da cidadania. A garantia desse direito está determinada no ECA, Lei Federal nº 8.069/90.

Nessa direção, surge a necessidade de uma discussão sobre os espaços públicos que possibilitem o brincar, pois é através da brincadeira que a criança participa com seus pares e com pessoas de todas as idades de forma mais plena e feliz. Cabe enfatizar que é participando que se aprende. Em função dessa concepção de que a criança precisa participar para aprender volta-se o olhar para a infância como construção social resultante da ação coletiva das crianças com os adultos e entre elas. A infância é considerada como uma forma estrutural e as crianças como autores sociais que contribuem para a reprodução da infância e

da sociedade mediante negociações com os adultos e por meio da produção criativa de um conjunto de culturas de pares com as demais crianças.

Dessa forma, a cidade necessita ter um olhar cuidadoso para as questões da convivência humana, porque se torna pequena quando se deixa de ver seus espaços públicos como locais de participação e convivência humana. Fica, então, o desafio de refletir sobre os espaços públicos de brincadeira no município de Tubarão. Através desta pesquisa desenvolveu-se um olhar atento e uma escuta sensível das crianças, demonstrando que elas não são mudas: possuem voz e merecem ser ouvidas.

3 COM OLHOS DE CRIANÇA: VISÃO DAS CRIANÇAS SOBRE OS ESPAÇOS

No documento Cidade amiga da criança (páginas 56-61)

Documentos relacionados