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Cidade amiga da criança

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Academic year: 2021

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Cidade Amiga da Criança:

Um estudo sobre os espaços públicos de brincadeira para a infância

na cidade de Tubarão

Maristella Pandini Simiano

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MARISTELLA PANDINI SIMIANO

CIDADE AMIGA DA CRIANÇA:

UM ESTUDO SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA PARA A INFÂNCIA NA CIDADE DE TUBARÃO

Tubarão 2014

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CIDADE AMIGA DA CRIANÇA:

UM ESTUDO SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA PARA A INFÂNCIA NA CIDADE DE TUBARÃO

Dissertação apresentada à Banca de Defesa do Curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Vera Lúcia Chacon Valença

Tubarão 2014

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CIDADE AMIGA DA CRIANÇA:

UM ESTUDO SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA PARA A INFÂNCIA NA CIDADE DE TUBARÃO

Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Educação e aprovada em sua forma final pelo curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, setembro de 2014.

____________________________________________ Profª. e Orientadora Vera Lúcia Chacon Valença, Dra.

Universidade do Sul de Santa Catarina

____________________________________________ Prof. André Cechinel, Dr.

Universidade do Extremo Sul Catarinense ____________________________________________

Profª. Fátima Elizabeti Marcomin, Dra. Universidade do Sul de Santa Catarina

____________________________________________ Prof. Gilvan Luiz Machado da Costa, Dr.

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A todas as crianças que convivem comigo, que diariamente desafiam minhas concepções adultocêntricas, levam-me a refletir posturas e a construir novos saberes.

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De tanta muita diferente gente Toda pessoa sempre é as marcas Das lições diárias de outras tantas pessoas E é tão bonito quando a gente entende Que a gente é tanta gente Onde quer que a gente vá E é tão bonito quando a gente sente Que nunca está sozinho Por mais que a gente pense estar (Caminhos do coração – GONZAGUINHA) Quero agradecer a todos aqueles que dão significado a minha vida e que tornaram possível este trabalho.

À Professora Doutora Vera Lúcia Chacon Valença, pela orientação recebida, por acreditar em minhas potencialidades, por não modificar a rota de minhas pegadas, por, simplesmente, deixar-me caminhar.

Às crianças da pesquisa de campo, que sempre me receberam com alegria, e que, com suas narrativas, seus olhares, ensinaram-me um pouco mais sobre a condição de ser criança e viver a infância na cidade.

Aos Professores Doutores André Cechinel e Gilvan Luiz Machado da Costa, e à Professora Doutora Fátima Elizabeti Marcomin, por aceitarem o convite para participar em banca de defesa, além das contribuições dadas durante o processo de qualificação.

A minha mãe e ao meu pai, que sempre me incentivaram a alcançar caminhos cada vez mais distantes.

A minha família querida: meus cunhados e cunhada, afilhados, sobrinhos, sobretudo às minhas irmãs, Marlene, Maricelma, Fabiana e Samuel, que, mesmo sem entender o porquê de tanta dedicação e ausência, vibram e torcem por minhas conquistas, afinal, somos parte de uma mesma história de amor que começou há muitos anos.

Em especial a minha querida irmã Luciane, que, carinhosamente, dividiu cada etapa desta dissertação, sempre me incentivando.

Aos amigos e amigas, que ouviram meus desabafos, minhas angústias e vibraram com minhas conquistas. Com eles muito aprendi.

A todos que viveram comigo a busca e o sonho realizado, meu eterno agradecimento. Vocês são essenciais!

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A presente pesquisa tem por intenção investigar como as crianças veem e narram os espaços públicos de brincadeira na cidade de Tubarão/SC. Foi realizada com um grupo de 15 crianças, 10 meninas e 5 meninos, com idade entre 8 a 10 anos, de diferentes classes sociais, escolas e bairros da cidade de Tubarão/SC. O estudo apresenta uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa, utilizando como instrumento metodológico a escrita de uma carta pelas crianças que procura dar visibilidade ao olhar das mesmas sobre espaços públicos de brincadeira de sua cidade. Na análise, apostou-se no diálogo com os seguintes autores: Tonucci (1996), Ariès (1981), Brougère (2001), Friedmann (1996), Sarmento (2008), Corsaro (2005), Santos (1988). Como resultado, identificou-se que as crianças sabem o que é um espaço público de brincadeiras, mas, muitas vezes, esses são percebidos por elas como inadequados e perigosos. As crianças expressaram o desejo de encontrar mais espaços de brincadeira em sua cidade e suas principais reivindicações são limpeza, segurança e gratuidade a esses locais. Destaca-se a importância de um olhar sensível e uma escuta atenta às crianças, para poder inventar outras formas de lidar com os equipamentos, praças, árvores, carros, prédios, ruas, enfim, com os espaços públicos de brincadeira de toda a cidade. As crianças são sujeitos de direitos e capazes e, por isso, devem ser consideradas nas discussões e rumos nas cidades em que habitam. Acredita-se que, juntos, adultos e crianças poderão criar soluções para viver em um lugar de liberdade, curiosidade, movimento. Um lugar que oportunize encontrar, brincar e fazer amigos.

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This research is intended to investigate how children see and narrate public spaces to play in Tubarão/SC. It was performed with a group of 15 children, ten girls and five boys, aged 8-10 years, from different social classes, schools and neighborhoods of Tubarão/SC. This study shows a field study with a qualitative approach using as a methodological tool, a letter written by children to give importance to their vision about public spaces to play in your city. In the analysis is bet in dialogue with the following authors: Tonucci (1996), Ariès (1981), Brougère (2001), Friedmann (1996), Sarmento (2008), Corsaro (2005), Santos (1988). As a result, it was found that children know what is a public space to play, but often these are perceived by them as inadequate and dangerous. Children express a desire to find more spaces to play in their city and their main demands are cleanliness, safety and gratuity to these places. Featured the importance of a sensible look and an attentive listening to children, to be able to invent other ways of dealing with equipment, squares, trees, cars, buildings, streets anyway with public play spaces in the city. Children are subjects with rights and capable, that's why should be considered in discussions and directions in the cities they inhabit. It believed that together, adults and children can create solutions for living in a place of freedom, curiosity, movement. A place with opportunity to stay together, play and make friends.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Adultos mais infantis ... 12

Figura 2 - Estacionamento em frente à antiga rodoviária x Praça Estação, 1967 ... 17

Figura 3 - Praça dos Ferroviários ... 18

Quadro 1 - Grupo de crianças ... 21

Figura 4 - Notas para uma nova cultura da infância ... 24

Figura 5 - Mafalda ... 25

Figura 6 - A criança tem um corpo e uma história ... 27

Figura 7 - Ara Pacis ... 29

Figura 8 - As meninas de Velasquez, 1656 ... 30

Figura 9 - Adulto em miniatura ... 32

Figura 10 - Adulto em miniatura ... 32

Figura 11 - Declaração dos direitos da criança, comentada por Mafalda ... 35

Figura 12 - O direito ao jogo ... 40

Figura 13 - É melhor com os avós ... 43

Figura 14 - Jogos Infantis, Pieter Brueghel, 1560 ... 45

Figura 15 - A rua é minha ... 52

Figura 16 - Estamos jogando, não perturbe ... 55

Figura 17 - Com os olhos de criança ... 59

Figura 19 - Se vocês constroem, nós não podemos brincar ... 60

Figura 20 - Sozinho ... 63

Figura 21 - Precisamos ser ouvidas ... 70

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Tabela 1 - Conceito de espaço público de brincadeira ... 60

Tabela 2 - Existência de locais para brincadeiras. ... 62

Tabela 3 - Locais utilizados para brincadeiras ... 64

Tabela 4 - Pessoas que acompanham as crianças até os locais onde brincam ... 66

Tabela 5 - Locais onde mais gostam de brincar ... 67

Tabela 6 - Locais onde menos gostam de brincar na cidade de Tubarão ... 67

Tabela 7 - Brincadeiras que mais gostam de realizar nos espaços públicos ... 69

Tabela 8 - O que você gostaria que tivesse nos espaços públicos que ainda não tem ... 71

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CDC - Convenção Internacional dos Direitos da Criança CF/88 - Constituição Federal de 1988

DDC - Declaração sobre os Direitos da Criança de Genebra DUDC - Declaração sobre os Direitos da Criança

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente FNRU - Fórum Nacional de Reforma Urbana ONU - Organização das Nações Unidas

UNCRC - Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989 (sigla em inglês)

UNESC - Universidade do Extremo Sul Catarinense UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

1.1 DOS CAMINHOS DA PESQUISA... ... 16

1.1.1 Notas sobre um estudo inicial: desbravando a cidade... ... 17

1.1.2 ... para encontrar com crianças: o percurso da pesquisa ... 19

2 INFÂNCIA, CRIANÇA E CIDADE: CONCEITOS INICIAIS ... 24

2.1 INFÂNCIAS E CRIANÇAS: UM OLHAR HISTÓRICO ... 27

2.1.1 A criança como sujeito de direitos ... 35

2.2 O DIREITO DAS CRIANÇAS AO JOGO E À BRINCADEIRA ... 40

2.2.1 Sobre a importância do brincar ... 43

2.3 UMA CIDADE AMIGA DA CRIANÇA ... 52

2.3.1 A cidade como espaço de participação, brincadeira e educação ... 54

3 COM OLHOS DE CRIANÇA: VISÃO DAS CRIANÇAS SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA NA CIDADE ... 59

3.1 “EU NÃO SEI, MAS DEVE TER, SÓ QUE FICA BEM LONGE DA MINHA CASA”: SOBRE A AUSÊNCIA/PRESENÇA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE BRINCADEIRA NA CIDADE ... 60

3.2 “PULA CORDA, ESCORREGA, PEGA RAPOSA, ESCONDE-ESCONDE. EU GOSTO MESMO É DE BRINCAR!”: CONHECENDO AS PREFERÊNCIAS DE ESPAÇOS, BRINCADEIRAS E PARCEIROS DAS CRIANÇAS ... 63

3.3 “LUGAR DE CRIANÇA É NA CIDADE BRINCANDO, PORQUE SER FELIZ É BOM DEMAIS!” ENTRE NECESSIDADES E SONHOS DAS CRIANÇAS PARA A CIDADE . 70 4 DE VOLTA AO COMEÇO... CONSIDERAÇÕES (FINAIS) SOBRE ESTE ESTUDO ... 75

REFERÊNCIAS ... 77

APÊNDICES ... 82

APÊNDICE A - Questionário ... 83

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1 INTRODUÇÃO

Figura 1 – Adultos mais infantis

Fonte: Tonucci (2005, p. 169).

Há um menino Há um moleque Morando sempre no meu coração Toda vez que o adulto balança Ele vem pra me dar a mão (MÍLTON NASCIMENTO)

Escrever. Rasgar o branco da tela com as primeiras palavras, frases, ideias que contêm sobre uma experiência de pesquisa. Por onde começar? Platão diz que “o começo é a metade do todo”, por isso a parte a mais difícil de um trabalho. A imagem dos começos ilustra os desafios da escrita. As primeiras frases são apontamentos para esse pacto sutil e tortuoso que envolve a escrita de um texto.

“Começar é preciso! Quem começa, um dia termina!”, retomo a narrativa presente na fala da minha avó que, ecoada por minha mãe, ouço desde a infância. Nesse instante, me dou conta de que é ela que me convida a iniciar os primeiros fios que tramam a questão desta pesquisa.

Meu percurso na “escola” da vida inicia-se em uma família composta por minha mãe, meu pai, eu e mais cinco irmãos. Morávamos em uma cidadezinha ao pé da serra, e me recordo dos piqueniques em família que fazíamos sempre aos finais de semana em um

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campinho de várzea. Aquele era o único espaço público de lazer da cidade. As brincadeiras iniciavam-se logo nos preparativos que antecediam o passeio. O percurso que nos levava ao campinho era feito a pé, ou melhor, eu ia a cavalo, pois meu pai me levava na “cacunda” e ia imitando um cavalinho até chegarmos ao campo. Quando chegávamos lá, um mar de possibilidades se abriam... O encontro com outras crianças, as relações, quantos sentimentos afloravam.

Recordo-me da chegada de um circo na cidade. Quando eu assisti ao espetáculo, fiquei maravilhada. A possibilidade de levar alegria para as crianças fez com que eu arrumasse as minhas malas e quisesse ir embora junto com o circo. Hoje percebo que meu desejo de pesquisar espaços de lazer permeou toda a minha trajetória, desde a infância.

A paixão pela educação e por ensinar parecem sempre ter existido, nunca cogitei ser outra coisa se não educadora. Lembro-me de que, quando eu tinha uns oito ou nove anos, e ia buscar meus irmãos no “Jardim de infância”, todos os seus amigos se sentavam em volta de mim para que eu “inventasse” alguma brincadeira ou cantasse algumas cantigas. Nos finais de semana, todos queriam ir brincar na nossa rua, que se transformava em um grande quintal de brincadeira, com crianças por todos os lados. Pique-esconde, pique-ajuda, pé na bola, menino pega menina, pião, bambolê, pipa, amigos e brincadeiras eram as palavras que davam sentido e significado à minha infância.

Mais tarde, no ensino médio já na cidade de Tubarão, cursei o Magistério das Séries Iniciais em Educação Física. Nessa oportunidade, me engajei nas atividades relacionadas ao lazer infantil organizando diversas ruas de lazer e oficinas de brincadeiras nos diferentes bairros desse município e participando delas. Nessa época, comecei a trabalhar como professora e, aos dezesseis anos, tive a minha primeira oportunidade de trabalho em uma instituição filantrópica desse município.

No curso de Pedagogia, a partir de uma pesquisa de conclusão de curso que me deixou sensibilizada pelo pouco espaço de brincadeira para as crianças em idade escolar, tive a oportunidade de idealizar o projeto “Recreio Socializante”, que concebe o recreio não apenas como um espaço de refeição, mas também como um espaço de brincadeiras, relacionamentos e interações sociais. Projeto que ainda permanece em vigor até os dias atuais no Colégio Dehon.

Nos anos 1990, passei a integrar o corpo docente de professores do Colégio Dehon, da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), e iniciei, na mesma universidade, uma especialização em Metodologia do Ensino das Séries Iniciais. Ela contribuiu para a discussão e o lançamento de olhares investigativos sobre como a criança

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pode aprender de forma mais atrativa e significativa através dos jogos e das brincadeiras. Motivada pelo desejo de seguir os estudos, ingresso, em 2000, no curso de graduação em Educação Física, na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), onde comecei a organizar diversas atividades relacionadas à área do lazer e entretenimento com crianças, jovens e idosos. No mesmo ano, fui convidada, pela instituição onde trabalhava, para fazer uma experiência no ensino superior, no curso de Turismo. A partir daí, surgiram novas oportunidades para trabalhar nos cursos de Educação Física, Pedagogia e Nutrição com disciplinas relacionadas ao jogo, recreação, lazer, brincadeira e ludicidade nas quais atuo como docente e pesquisadora até os dias atuais.

Relembrando minha experiência de vida de mais de duas décadas de trabalho e estudos, retorno-a como marca da minha iniciação profissional. Essas marcas me possibilitaram repensar espaços, tempos e concepções teóricas e pedagógicas que permearam meu percurso profissional e acadêmico. Em particular, fui me incomodando e passei a questionar sobre os espaços de brincadeiras das crianças.

Brincar constitui-se a principal forma da criança ser, estar e se relacionar com o mundo. É um direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos das Crianças, que estabelece: “A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação. A sociedade e as autoridades públicas e privadas têm como compromisso se esforçar para promover o exercício deste direito.” (UNICEF, s/d, p. 3). Esse direito vem sendo ameaçado. Devido às intensas transformações da vida urbana, limitou-se o convívio informal das crianças nas ruas, praças e parques. A grande circulação de automóveis e a falta de segurança nesses locais interferem, significativamente, nas brincadeiras das crianças e nos espaços do brincar. Nesse contexto, a brincadeira infantil vem se restringido ao espaço escolar.

As instituições públicas e privadas de educação, muitas vezes, não conseguem garantir condições físicas de qualidade para promover o direito à brincadeira. Esses aspectos demandam reflexões e questionamentos: do que as crianças brincam hoje? Com quem brincam? Diferentes espaços geográficos e culturais implicam diferentes formas de brincar? Quais os espaços reservados à brincadeira? Como estão organizados? Perguntas essas que fomentam meu caminhar para perseguir indagações acerca da complexa relação entre criança e cidade.

No Brasil, os estudos que focam essa temática são recentes. A arquiteta Mayumi Souza Lima é uma das pioneiras sobre esse assunto na década de 1980. Em seu livro “A criança e a cidade”, a autora relata sua pesquisa que teve como intenção trazer visibilidade ao

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modo como adultos organizam, planejam e oportunizam os espaços às crianças das camadas populares. (LIMA, 1989).

Nas últimas décadas, podemos citar as pesquisas de Redin (2007), Santos (1988), Correa (1989), Lansky (2007) e Debortoli e Resende (2008). Tais pesquisas, com abordagens teórico-metodológicas distintas, possuem em comum o interesse em identificar, localizar e pontuar a vida da criança na cidade e sua interação com esse espaço.

No contexto italiano, podemos citar como referência, os estudos de Tonucci (1996), um importante pesquisador e cartunista, que busca situar o lugar das crianças na cidade. Em seu livro “La ciudad de los niños”, contextualiza essa temática, ressaltando o quanto as crianças, na atualidade, vivem presas em “casas fortalezas”. Segundo o autor, isso está relacionado ao fato de que, para as pessoas, as cidades têm representado perigo, medo, insegurança e desconfiança. Diante dessa reflexão, ele faz uma leitura interessante e singular sobre onde morava, mostrando que o perigo para a criança tempos atrás se escondia na floresta, porque era lá que se escondiam os lobos, os ogros, a escuridão. Hoje, é a cidade que se converteu em algo perigoso para as crianças, havendo, assim, uma inversão entre o espaço, tradicionalmente identificado com o perigo, o bosque (principalmente nos contos para crianças), em confronto com a cidade, sendo, atualmente, a rua, o lugar do perigo e o bosque, o lugar idealizado da harmonia. A partir dessa metáfora, o autor denuncia o quanto as cidades têm, gradativamente, afastado-se das crianças e o quanto elas, hoje em dia, têm sido representadas por espaços de medo, angústia e solidão.

Os espaços das crianças foram tomados; seus tempos, roubados; as cidades foram totalmente modificadas, tendo como parâmetro a produção e o mundo adulto. Sendo a brincadeira um modo singular de a criança estar e agir no mundo, acredito que ela deva permear toda e qualquer ação educativa. A educação não é função exclusiva da escola. As experiências educativas transcendem os tempos e os espaços escolares. Assim, é preciso lançar olhares investigativos para a educação, a brincadeira e discutir qual é o lugar das crianças na cidade.

Trata-se do desafio de inverter o olhar, de buscar compreender, de acordo com Larrosa (1998, p. 8), “a imagem do outro não como a imagem que olhamos, mas como a imagem que nos olha e que nos interpela”. Como é ser criança e viver a infância, brincar na cidade? Quais os sentidos que as crianças conferem às suas experiências de brincadeira na cidade? Como nós, enquanto adultos, podemos ler suas narrativas e pensar com elas em uma cidade amiga da criança?

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para pensar na complexa relação entre a criança e a cidade. Busco, por meio de um olhar atento e uma escuta sensível para com a criança, dar voz e vez aos sujeitos que a habitam, conforme nos aponta Cruz (2008, p. 12).

As idéias de criança como pessoa completa, competente, curiosa e criativa, com direito a ser ouvida e atendida nas suas necessidades específicas. Tais ideias vêm sendo gestadas em estudos, pesquisas e práticas de profissionais de várias áreas, os quais, por meio da escuta e do olhar sensíveis e livres de pré-conceitos, puderam ver e ouvir crianças concretas, vivas, reais.

Mobilizada por essas ideias e partindo da concepção de criança enquanto sujeito ativo e competente, capaz de contar sobre si, procuro conhecer os espaços públicos de brincadeira no município de Tubarão, e problematizar como crianças compreendem essa cidade, a partir de suas narrativas, de suas experiências cotidianas.

Muito mais do que buscar respostas prontas e acabadas, o que proponho, através desta pesquisa, é que passemos a compreender a infância como uma categoria social e as crianças como atores sociais que participam e posicionam-se frente às experiências vivenciadas em seu cotidiano.

Nesse sentido, a presente pesquisa possui a seguinte questão: como as crianças

veem e narram os espaços públicos de brincadeira na cidade de Tubarão?

No quadro dessas reflexões iniciais, elegi como objetivo geral: analisar as

narrativas das crianças sobre os espaços públicos de brincadeira na cidade de Tubarão.

Os objetivos específicos do trabalho são: identificar, nos órgãos públicos competentes,

documentos e registros de espaços públicos municipais de brincadeira. Investigar quais os lugares de brincadeira na cidade de Tubarão na perspectiva/concepção das crianças. Compreender como as crianças gostariam que fossem os espaços públicos de brincadeira em sua cidade.

1.1 DOS CAMINHOS DA PESQUISA...

Pesquisar infâncias e crianças demanda o encontro com uma abordagem metodológica diversificada, aberta à articulação de diversos procedimentos metodológicos. Escolher um caminho teórico-metodológico implica abrir possibilidades de produzir sentidos, de encontrar rotas, atalhos e produzir tantas outras trilhas a percorrer ao longo da pesquisa.

Como forma de conduzir tal itinerário, apresento elementos de um breve estudo exploratório, da pesquisa de campo e das estratégias metodológicas utilizadas neste trabalho.

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1.1.1 Notas sobre um estudo inicial: desbravando a cidade...

A primeira etapa da pesquisa deu-se no primeiro semestre de 2013, onde realizei um estudo exploratório sobre os espaços públicos de brincadeiras para as crianças na cidade de Tubarão.

Nessa direção, contatei a Prefeitura Municipal da cidade para verificar qual era o departamento responsável pelos espaços públicos de brincadeira das crianças na cidade. Fui informada que era Secretaria de Urbanismo. Agendei um horário com o responsável por esse setor e me desloquei até a secretaria. Lá fui informada de que os registros de todos os espaços públicos de Tubarão encontravam-se na biblioteca pública da mesma cidade. Neste local, conversei com funcionários antigos que, a partir dos documentos, afirmaram: “Os únicos

espaços públicos de lazer para as crianças na cidade são as pracinhas” (Fragmento do Diário de campo). A partir de documentos e relatos, realizei um mapeamento, identificando o endereço de todas as praças públicas da cidade voltadas para as crianças.

Logo depois de ter mapeado tais endereços, efetuei uma visita em cada um desses locais. Ao todo foram vinte praças visitadas. Lá utilizei o diário de bordo e a fotografia como forma de registrar os movimentos dos grupos que as frequentavam, suas ações/reações e as minhas impressões.

Durante a visita às praças, fatos marcantes me afetaram, suscitando reflexões iniciais em torno do tema:

1) O sumiço das praças: de praças... já não existem mais, pois elas foram, ao longo do tempo, sendo substituídas por estacionamentos, prédios, centros comerciais ou terrenos abandonados. Questiono-me: o que gerou e ocasionou tais mudanças?

Figura 2 – Estacionamento em frente à antiga rodoviária x Praça Estação, 1967

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2013.

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2) A falta de conservação das que restaram: outro aspecto que me chamou atenção foi observar os registros de imagens fotográficas do acervo das praças e compará-las com a situação delas atualmente. Observei que, em sua grande maioria, as praças eram melhor conservadas do que nos dias atuais.

Figura 3 – Praça dos Ferroviários

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2013.

3) O pedido de ajuda dos frequentadores: muitas pessoas, quando me viam fotografando, vinham ao meu encontro, conversavam comigo pensando que era da prefeitura e me pediam para revigorar aquele espaço, pois era o único lugar que eles tinham para levar os filhos e os netos para brincar.

4) O (des)aparecimento de brincadeiras nos espaços das crianças: outro episódio extremamente marcante foi quando fui visitar uma praça, localizada em uma determinada comunidade no município, que é tida como perigosa em função de ser uma área bastante habitada por traficantes de drogas. Uma das crianças que ali estava se aproximou e questionou minha presença. Expliquei meu interesse de pesquisa brevemente e perguntei a ela se gostava daquele espaço. A criança rapidamente respondeu: “Sim, a praça é bem boa, principalmente

quando a polícia vem, aí a gente se joga, sai correndo [...] lá tem bastante árvore e mato, é fácil de se esconder! Lá ninguém acha nós.” (Fragmento do Diário de campo).

Embora sucinto, esse estudo preliminar foi fundamental para educar meu olhar, fomentar questões e me auxiliar a conhecer melhor o contexto pesquisado. Nele, os dados coletados mostraram-me que era preciso construir um olhar e uma escuta sensível às interações das crianças com/nos espaços públicos de brincadeira na cidade.

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1.1.2 ... para encontrar com crianças: o percurso da pesquisa

As pesquisas realizadas no campo da infância, historicamente, têm concebido às crianças apenas um objeto de pesquisa. De acordo com Cohn (2009), no exercício de pesquisa, é preciso enxergar a criança para além de um ser inferior, minoritário e sem direito à voz, portanto, não é mais apenas um ser que passa pela história, mas que também faz história. Partilhando das concepções da autora, o presente trabalho busca traçar movimentos de pesquisa que lancem um outro modo de olhar as crianças, um modo que compreenda a sua participação, na direção de delinear uma pesquisa com crianças e não somente sobre elas.

Para contribuir com o campo de pesquisa da(s) infância(s), considero importante interrogar a educação das crianças para além da escolarização, a partir de suas experiências de vida na cidade. Trata-se de atentar a vida cotidiana das crianças em espaços para além da escola, isto é, predispor-se a “escutar” o que pensam, o que veem e o que vivem na cidade que habitam.

Barbosa, Kramer e Silva (2005, p. 46) localizam as primeiras pesquisas no campo da Sociologia da Infância na década de 1940, quando estudos iniciais começam a despontar no Brasil, mesmo que ainda não fossem extremamente específicos sobre a infância, ou sobre a criança. Um dos primeiros pesquisadores identificados no Brasil foi Florestan Fernandes, em sua produção intitulada “Folclore e mudança social na cidade de São Paulo” (1979). Em seguida, vieram os estudos de Martins (1993), as traduções de Montandon (2001) e Sirota (2001), entre outros que dão seguimento às pesquisas.

Segundo os preceitos da Sociologia da Infância e da Antropologia da Criança, um dos meios que o adulto utiliza para se aproximar das crianças é a partir da escuta. É na escuta criteriosa do adulto, a partir de sua alteridade frente à criança, que os mundos são partilhados, vividos, constituídos entre os dois. Tal como nos aponta Cohn (2009, p. 27):

A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na constituição das relações sociais em que se engaja, não sendo, portanto, passiva na incorporação de papéis e comportamentos sociais. Reconhecê-lo é assumir que ela não é um ‘adulto em miniatura’, ou alguém que treina para a vida adulta. É entender que, onde quer que esteja, ela interage ativamente com os adultos e as outras crianças, com o mundo, sendo parte importante na consolidação dos papéis que assume e de suas relações. Considerar a ação de pesquisar com as crianças é a premissa que sustenta este projeto de pesquisa. Para tanto, foi necessário definir caminhos, escolher um grupo, por fim, delimitar, circunscrever um campo que permitisse com elas pensar esta relação nos e com os

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espaços públicos de lazer.

Portanto, como metodologia de trabalho, utilizei a pesquisa de campo com

abordagem qualitativa. A pesquisa de campo consiste em buscar informações nos locais

onde os sujeitos se encontram. (RAUEN, 2002, p. 55). Segundo o autor, esse tipo de pesquisa provém da observação de acontecimentos vividos em campo, na análise e interpretação de dados, com base numa fundamentação teórica, visando a entender e explicar um determinado problema.

Escolher o campo diante de uma questão de pesquisa não se constituiu em uma tarefa simples. Foi necessário estabelecer critérios. O primeiro deles foi o desejo de crianças que acolhessem esta proposta investigativa, pois pesquisar com crianças exige abertura e participação dos sujeitos. O segundo critério foi atrair a participação de crianças de diferentes bairros, diferentes contextos e classes sociais, buscando uma visão ampla dos espaços públicos de lazer da cidade de Tubarão. E o terceiro e último critério foi delimitar a faixa etária dos sujeitos da pesquisa, por isso procurei crianças que frequentassem os anos iniciais de escolas públicas e privadas, especificamente crianças entre oito e dez anos, porque nessa faixa etária o tema “vida na cidade” é, de modo geral, comumente abordado na escola por meio do currículo, fato que poderia auxiliar as crianças a narrarem sobre a presente questão.

Ressalto que a intenção desta dissertação não é comparar ou observar práticas educativas específicas de uma ou de outra escola, muito menos avaliar e analisar os modos de organização das mesmas. O intuito é promover o encontro com as crianças a partir das interrogações desta pesquisa, um encontro que pudesse refletir as percepções, sentimentos, relatos de vivências das crianças com relação à vida cotidiana, suas histórias e narrativas nos espaços públicos de lazer na cidade de Tubarão/SC.

Os sujeitos da pesquisa são um grupo de quinze crianças, com idade entre 08

e 10 anos, de diferentes escolas e localidades da cidade de Tubarão. Esse grupo foi

composto com base em um trabalho comunitário1 realizado na localidade do bairro Dehon, na cidade de Tubarão. Embora o grupo esteja inserido nessa localidade, as crianças da pesquisa habitam em diferentes bairros e são de diferentes escolas e classes sociais. O grupo de crianças é formado por 10 meninas e 5 meninos com as seguintes idades no início deste estudo2:

1 O trabalho comunitário é realizado semanalmente e possui vínculo com a Igreja Católica.

2 Através do Termo de Consentimento Esclarecido ficou estabelecida com os familiares a autorização da realização da pesquisa. Optei pela utilização de nomes fictícios para as crianças. (Apêndice B).

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Quadro 1 – Grupo de crianças

NOME DA CRIANÇA IDADE

Maria 9 anos e 2 meses

Carla 9 anos e 5 meses

Alice 8 anos e 4 meses

Lucia 9 anos e 1 mês

Clara 8 anos e 3 meses

Helena 10 anos e 3 meses

Laura 9 anos e 4 meses

João 9 anos e 4 meses

Pedro3 9 anos

Antônio 10 anos e 4 meses

Samira 9 anos e 8 meses

Joana4 10 anos

Davi 9 anos 2 meses

Julia 8 anos 7 meses

Luiz 10 anos e 3 meses

Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2013.

Minha entrada e permanência no campo aconteceram de forma gradativa. Durante o período de três meses, visitei as crianças no local onde o grupo se reunia semanalmente. Procurava fazer visitas em diferentes horários, durante o encontro e na entrada e saída das crianças, a fim de conhecer e ter uma visão abrangente das suas vidas e da constituição do grupo. Hammersley e Atkinson (1983) explicam que toda pesquisa de campo é uma pesquisa social, por isso indicam que é necessário conhecer o contexto e, de certa forma, fazer parte dele.

A entrada no campo foi marcada pela apresentação da minha pessoa e meus objetivos a todas as crianças. A chegada, de forma gradativa, deu-se devido à necessidade de ter certo cuidado com o tempo, por se tratar de uma pesquisa com crianças, pois é necessário

3 Pedro tinha acabado de completar 9 anos na época da pesquisa. 4 Joana completou 10 anos no dia seguinte ao da escrita da carta.

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entender que elas precisam de tempo para estabelecer laços de confiança e empatia com o pesquisador e para se sentirem à vontade em participar e atender às demandas da pesquisa.

Rossetti-Ferreira, Amorim e Silva (2000), ao concordarem com essa proposição, destacam que, na pesquisa com crianças, é interessante que a coleta de dados aconteça em dois momentos. O primeiro é a aproximação do pesquisador na situação pesquisada para aprender os vários elementos envolvidos, propiciando-lhe um primeiro delineamento da rede de significações.5 O segundo momento ocorre quando o pesquisador revê os procedimentos a serem empregados para uma coleta mais sistemática. Conforme com as autoras, diferentes procedimentos podem ser utilizados de forma isolada e associada.

Inspirada em uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) (VOGEL et al., 1995), a qual buscou compreender “como as crianças veem sua cidade”, introduzi, como instrumento metodológico, o envio de cartas. As cartas surgem na presente pesquisa não como simples registro gráfico a ser analisado, mas como uma preciosa possibilidade de escuta das narrativas das crianças a partir da leitura de suas vozes e silêncios...

Com o intuito de auxiliá-las no processo de escrita, iniciei enviando uma carta-convite minha endereçada a elas6 a fim de convidá-las e, ao mesmo tempo, oferecer um suporte para auxiliá-las na construção de suas narrativas sobre os espaços públicos de brincadeira na cidade de Tubarão.

Para a leitura, análise e interpretação dos dados, busquei seguir as indicações

de Larrosa (1998, p. 142):

No ato de ler, não se busca respostas. O que busca é a pergunta a qual os textos respondem. [...] a leitura não resolve a questão, mas reabre, a repõe e a re-ativa, na medida em que nos pede correspondência. [...] Na leitura não se busca o que o texto sabe, mas o que pensa.

Na leitura das cartas das cartas, além de encontrar as respostas aos diversos questionamentos propostos nesta pesquisa, procurei estar aberta às inúmeras possibilidades de encontrar as narrativas das crianças. Ler as cartas foi um momento muito importante no percurso da pesquisa. Foi a partir dessa leitura sensível, aberta, curiosa, que me detive na busca dos pontos relacionados à proposta da pesquisa.

5 A perspectiva teórica e metodológica das redes de significações permanece em constante construção. As redes são compostas por elementos de ordem pessoal, relacional, e contextual atravessados pela cultura, ideologia e relações de poder compreendida pela matriz sócio-histórica cultural. Ver Rossetti-Ferreira, Amorin e Silva (2004).

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A aventura de ler as cartas para construir as categorias de análise só foi possível porque estava pautada na visão das crianças sobre o que é um espaço público de brincadeira; onde estão localizados os espaços públicos para brincadeiras no município de Tubarão; quais seus espaços, parceiros e brincadeiras preferidas nesses locais; e, finalmente, como seria para as crianças uma cidade amiga.

Foi acreditando na capacidade das crianças e na possibilidade de construir uma pesquisa com elas que mergulhei nas análises de modo a contemplar os aspectos que ofertassem reflexões acerca da temática pesquisada. Como estratégia de análise, no primeiro momento, destaquei pontos que considerei marcos das escritas. A partir dos marcos, elaborei tabelas que permitissem uma leitura ampla dos dados. Para garantir também uma leitura atenta aos detalhes, às singularidades dos sujeitos, selecionei fragmentos das cartas, palavras e frases das crianças desejando ilustrar, de modo minucioso, a questão abordada.

A partir do entrecruzamento das tabelas/textos categorizados, foi possível estabelecer os seguintes eixos de análises: “Eu não sei, mas deve ter, só que fica bem longe

da minha casa”: Sobre a ausência/presença dos espaços públicos de brincadeira na cidade; “Pula corda, escorrega, pega raposa, esconde-esconde. Eu gosto mesmo é de brincar!”: conhecendo as preferências de espaços, brincadeiras e parceiros das crianças; “Lugar de

criança é na cidade! Eu quero brincar, porque ser feliz é bom demais!” Entre reivindicações e sonhos das crianças para a cidade.

A fim de apresentar o movimento do percurso teórico-investigativo desta pesquisa, organizei o estudo em quatro capítulos:

No capítulo 1, introduzo a temática e contextualizo a pesquisa, apresentando o

percurso de metodologia.

No capítulo 2, apresento o referencial teórico que sustenta o presente estudo.

Retomo traços históricos e sociais para a compreensão da infância e da criança, abordando elementos da perspectiva histórica até a concepção criança como sujeito de direitos. Também elaboro uma discussão conceitual sobre jogo e brincadeira, enfatizando o direito e a importância desses aspectos para as crianças. Por último, abordo elementos sobre a cidade amiga da criança, apresentando-a como espaço de participação, brincadeira e educação.

No capítulo 3, analiso os dados obtidos na pesquisa de campo a partir de eixos

que sustentam o caminho percorrido, para compreender os significados do conteúdo das narrativas criadas pelas crianças.

No capitulo 4, elaboro uma discussão fazendo considerações finais sobre este

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2 INFÂNCIA, CRIANÇA E CIDADE: CONCEITOS INICIAIS

Figura 4 - Notas para uma nova cultura da infância

Fonte: Tonucci (2005, p. 197).

Saiba

Saiba, Todo mundo foi neném Einstein, Freud e Platão também Hitler, Bush e Sadam Hussein Quem tem grana e quem não tem Saiba: Todo mundo teve infância Maomé já foi criança Arquimedes, Buda, Galileu e também você e eu. (ARNALDO ANTUNES)

A música “Saiba”, de Arnaldo Antunes, trata da ideia de que todo mundo já foi criança e já teve infância, isto é, a criança e a infância sempre existiram, independente da concepção que se tenha sobre elas.

As concepções sobre a infância e a criança variam historicamente e estão em contínua mudança. Mas a busca pela interpretação das representações infantis de mundo é objeto de estudo relativamente novo, visa a entender o complexo e multifacetado processo de construção social da infância e é preocupação central nos círculos acadêmicos, pedagógicos e familiares constituídos na modernidade. Dessa forma, pode-se dizer que é necessário desnaturalizar a infância, os conceitos e os termos utilizados para a sua compreensão. Foucault (1978) auxilia nessa tarefa, quando propõe que é preciso rejeitar as obviedades, é

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necessário estranhar o familiar.

Fortuna afirma que o mundo atual é um mundo de incertezas, um lugar que não oferece respostas fáceis e simples para compreender o que é a infância. Por essa razão, “corre-se um grande perigo ao tentar definir o que é uma criança de forma conclusiva, uma vez que, enquanto o fazemos, a infância já mudou!” (FORTUNA, 2004, p. 19).

A palavra infância, etimologicamente, vem do latim, infantia, e refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. Essa incapacidade, atribuída à primeira infância, estende-se até os sete anos. A infância, por muito tempo, esteve ligada à falta, à ausência, à incapacidade. Percebidas, na melhor das hipóteses, as crianças como seres incompletos e imperfeitos, seu valor não se definia pelo que eram no presente, mas pelo que viriam a ser no futuro.

Figura 5 - Mafalda

Fonte: Quino (2003, s/p).

A imagem de incompleto, de imperfeito, pertence a uma concepção de infância em que a criança aparece como um ser em devir, que irá completar-se somente no futuro, ou seja, quando for adulta. A ideologia de criança que precisa ser transformada pelo adulto permeou, e ainda permeia, muitos discursos da modernidade. Todavia, Meirieu (2004, p. 18) diz que o desafio é pensar a infância por outra lógica, a partir daquilo que ela tem e não daquilo que lhe falta, e ressalta que os seres humanos são seres inacabados, mas que nesse inacabamento se mostram hombres completos que llevam entera la condición humana.

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[...] con demasiada frecuencia se confunde acabamiento com completud; ahora

bien, hay que ser um espíritu superior o um ser totalmente ingenuo para pensar que una persona adulta pueda pretender, un día, considerarse terminada; seguramente, en este punto se advierte la existencia de una insuficiencia que destruye toda esperanza de humanidad. Por adelantado que esté en la vida y por mucha lucidez que tenga sobre sí mismo, ninguno de nosotros termina nunca de pasar cuentas con su infancia, y aquel que crea que se ha librado absolutamente de ella, quizá sea el más esclavo.Un hombre ‘acabado’ nos es un hombre, sino una imagen estereotipada, alguien que ha abolido definitivamente toda inquietud y cualquier clase de pregunta; en este sentido, en un ‘hombre muerto’. (MEIRIEU, 2004, p. 51, grifos do autor).

Partindo do princípio de que, como seres humanos, está-se sempre em construção, com a criança não seria diferente. A infância não é mais a construção para o amanhã; a criança está se constituindo agora, as crianças possuem capacidade de construir formas sistematizadas, de significar o mundo através de uma ação intencional que difere da forma do adulto significar e agir. Por isso que tentar definir criança e infância não é tarefa fácil, porque para compreender a infância e os modos de ser da criança, precisa-se entender a criança a partir das relações que estabelece com seus pares e com suas culturas.

Corsaro (2005), em seus estudos recentes, traz a contribuição de uma abordagem da socialização na infância que denominou Reprodução Interpretativa. O termo interpretativa, para ele, mostra os aspectos criativo e participativo das crianças em suas culturas de pares que, ao se apropriarem de informações do mundo dos adultos, atendem a seus próprios interesses infantis. Segundo ele, “a produção da cultura de pares pelas crianças não é uma questão de simples imitação. As crianças apreendem criativamente informações do mundo adulto para produzir suas culturas singulares”. (s/p). O autor define cultura de pares como:

[...] um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação com seus pares. Considera a possibilidade de que essas rotinas sejam aspectos universais das culturas de pares em crianças dada sua produção em diferentes espaços e tempos. (CORSARO, 2005, s/p).

Ferreira (2002) refere uma “infância” pensada como categoria social que se pode supor um conjunto de características sociais, biológicas e culturais partilhadas pelas generalizações das crianças, com ênfase a todas as crianças, evidenciando a criança como ser social, considerando a heterogeneidade, a diversidade, a biologia e o desenvolvimento psicológico e social. É preciso contextualizá-la no tempo e no espaço, a partir do olhar de diversas ciências. A infância não é outra coisa que o objeto de estudo de um conjunto de saberes. Larrosa (1998, p. 69) sugere que:

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[...] a infância é o outro: o que, sempre muito além do que qualquer tentativa de captura inquieta a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio no qual se abisma o edifício bem construído de nossas instituições de acolhida. Pensar a infância como algo outro é, justamente, pensar essa inquietude, esse questionamento e esse vazio. É insistir mais uma vez: as crianças, esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses seres selvagens que não entendem nossa língua.

Assim, a infância e a criança têm sido tema de debates políticos e educacionais na sociedade contemporânea. Sabendo que todas as concepções surgem em momentos históricos específicos e carregam tanto as descobertas quanto os preconceitos desses momentos, é que se considera importante iniciar o trabalho procurando estabelecer as linhas gerais sobre as concepções de infância e de criança, não como um conjunto de ideias fechadas e prontas, mas sim como reflexões que ajudam a entender o que ela representa na contemporaneidade. Este capítulo traz elementos que contribuirão para elucidar as diferentes percepções da sociedade sobre a construção do conceito infância e, principalmente, sobre a singularidade reservada às crianças que, outrora, nem sempre existiu. A importância histórica desta temática permitirá a compreensão da infância e da criança como fenômeno histórico, que é construído pela e na sociedade, mas, sobretudo, permitirá pensar e respeitar a criança como ator social que, além de se apropriar de elementos da cultura, produz cultura.

2.1 INFÂNCIAS E CRIANÇAS: UM OLHAR HISTÓRICO Figura 6 – A criança tem um corpo e uma história

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Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores. (BARROS, 2010, p. 187).

Nesse texto, Manoel de Barros narra, de forma poética, algumas histórias de sua infância. Pois história é o estudo dos fatos que marcaram a vida dos povos. Entender a história é importante para a compreensão de todos os questionamentos do tempo presente. Assim, a re-construção histórica da infância, da Idade Média até a Idade Contemporânea, tem a intenção de fazer perceber como o sentimento de infância foi se constituindo com as ideias e práticas de cada tempo e espaço. Para Batista (2005), a criança, ao longo da história da humanidade, tem sido depósito de processos e transferências dos adultos. A criança é, para o adulto, uma imagem que sustenta sua própria identidade.

A história ajuda-nos a compreender esse fenômeno de espelhos que intervém entre o adulto e a criança, eles refletem-se como dois espelhos colocados indefinidamente um diante do outro. A criança é o que acreditamos que ela seja, o reflexo do que queremos que ela seja. Só a história pode fazer-nos sentir até que ponto somos os criadores da ‘mentalidade infantil’. Em parte alguma a tomada de consciência é tão difícil quanto quando se trata de nós, e o fenômeno nos escapa quase sempre quando estamos diretamente implicados na situação. Através da história e da etnografia compreendemos a pressão que fazemos pesar sobre a criança (MERLEAU-PONTY apud BATISTA, 2005, p. 17, grifo do autor).

Dessa forma, ao se percorrer a história, percebe-se que o conceito de infância e de criança vem sofrendo alterações. Corazza (2002, p. 79) sinaliza que “[...] as crianças estão ausentes na história no período que compreende a Antiguidade até a Idade Média por não existir este objeto discursivo que chamamos infância, nem esta figura social e cultural: criança”.

Com o passar do tempo cresceu o esforço pelo conhecimento da criança em vários campos do conhecimento. Pode-se citar o historiador francês Philippe Ariès, que publicou, nos anos 1960, seu estudo sobre a história social da criança e da família. Em suas análises, afirma que a preocupação com a infância inicia-se a partir do século XIX. Segundo Ariès:

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[...] o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. (ARIÈS, 1981, p. 42). De acordo com o mesmo autor, nos séculos XIV, XV e XVI, as crianças eram percebidas como adultos em miniatura. O tratamento social dispensado à criança era igual ao dos adultos. Ser criança era um período breve da vida, pois logo elas se confundiam aos mais velhos, participavam de todos os assuntos da sociedade, adquiriam conhecimento pela convivência social.

Adultos, jovens e crianças se misturavam em toda atividade social, ou seja, nos divertimentos, no exercício das profissões e tarefas diárias, no domínio das armas, nas festas, cultos e rituais. O cerimonial dessas celebrações não fazia muita questão em distinguir claramente as crianças dos jovens e estes dos adultos. Até porque esses grupos sociais estavam pouco claros em suas diferenciações. Conforme retratado na imagem abaixo:

Figura 7 – Ara Pacis

Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2013.

A escultura chamada Ara Pacis retrata o menino Rômulo junto de seu pai, e ambos viviam em Roma. O menino era considerado adulto em miniatura, por isso tinha muitos deveres. Na escultura, pode-se vê-lo vestido da mesma maneira que os adultos e misturado a eles. Isso revela que a criança era conceituada como um adulto em pequeno tamanho, pois executava as mesmas atividades dos mais velhos. Era como se a criança pequena não existisse. A infância, nessa época, era vista como um estado de transição para a vida adulta. O indivíduo só passava a existir quando podia se envolver e participar da vida

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adulta. Ariès (1981) reafirma essa ideia quando

aponta seis etapas de vida. As três primeiras, que correspondem à 1ª idade (nascimento / 7 anos), 2ª idade (7 - 14 anos) e 3ª idade (14 - 21 anos), eram etapas não valorizadas pela sociedade. Somente a partir da 4ª idade, a juventude (21 - 45 anos), as pessoas começavam a ser reconhecidas socialmente. Ainda existiam a 5ª idade (a senectude), considerando a pessoa que não era velha, mas que já tinha passado da juventude; e a 6ª idade (a velhice), dos 60 anos em diante até a morte. Tais etapas alimentavam, desde esta época, a ideia de uma vida dividida em fases. Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo. (ARIÈS, 1981, p. 35).

Nessa fase, as crianças eram representadas nas pinturas, nos objetos e na mobília, em datas solenes para a família. As crianças, quando retratadas, tinham a aparência de adultos em miniatura. No mundo das fórmulas românicas até o fim do século XIII não existiam crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido (ARIÈS, 1981), como mostra a próxima imagem abaixo:

Figura 8 - As meninas de Velasquez, 1656

Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2013.

No quadro de Velásquez, “As meninas”, pintado em meados do século XVII, a figura principal é Margarida, que tem aproximadamente cinco anos. Ela é a alegria e a distração dos seus pais, pois é a única sobrevivente dos vários filhos que foram nascendo e falecendo. Com sua vestimenta, que tem saia com uma armação de ferro e o corpete que fica

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bem apertado para lhe dar cintura, não pode correr, brincar, desenhar, etc. É importante também observar a postura rígida dos corpos, que sugere movimentos contidos.

A forma de se vestir tornava os meninos pequenos homens e as meninas, pequenas mulheres, o que levaria a criança a entender-se em um mundo de adultos, revelando, assim, a falta de sentimento quanto a este ser infantil, pois o mesmo irá seguir, nesse período, os mesmos rumos que o adulto em sua trajetória diária, o mundo que servia ao adulto também era adequado, nessa época, para a criança.

A criança, como vimos não estava ausente da Idade Média, ao menos a partir do século XIII, mas nunca era o modelo de retrato de uma infância real [...] A descoberta da infância começou, sem dúvida no século XIII, e a sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do século XVI e durante o século XVII. [...] Foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns. Foi também neste século que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o centro da composição. (ARIÈS, 1981, p. 21-28).

Ariès (1981) pôde constatar, em seus estudos, que houve progressivas mudanças no tratamento com as crianças, principalmente entre os séculos XVI e XIX. A mudança na vestimenta beneficiou, em primeiro lugar, os meninos, em especial, os meninos nobres:

Se nos limitarmos ao testemunho fornecido pelo traje, concluiremos que a particularização da infância durante muito tempo se restringiu aos meninos. O que é certo é que isso aconteceu apenas nas famílias burguesas ou nobres. As crianças do povo, os filhos dos camponeses e dos artesãos, as crianças que brincavam nas praças das aldeias, nas ruas das cidades ou nas cozinhas das casas continuaram a usar o mesmo traje dos adultos: Jamais são representadas usando vestidos compridos ou mangas falsas. (ARIÈS, 1981, p. 81).

A seguir, apresenta-se uma imagem extraída de um banco de dados do Google (2013) do início do século XX, em que se observam crianças com postura e roupas de adulto, na porta de uma fábrica, com cigarro na boca, demonstrando que parecia “normal” as crianças trabalharem e fumarem.

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Figura 9 - Adulto em miniatura

Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2013.

O fato de as crianças trabalharem, infelizmente, não pertence ao passado, é ainda visível nos dias de hoje, seja nos centros urbanos, vendendo em sinais de trânsito, pedindo esmolas ou exercendo serviços diversos, seja nas áreas rurais, nas lavouras domésticas ou na monocultura, crianças de várias idades contribuem efetivamente para a economia doméstica, deixando a escola e a brincadeira em segundo plano. São os trabalhadores invisíveis, exercendo um papel produtivo com a infância atravessada e sonhos adiados.

A imagem a seguir é de uma revista infantil de março de 2013, que mostra um menino com tatuagem no braço, roupas e cabelos “descolados”, trazendo à tona dois questionamentos: será que se deixou de ver a criança como “adulto em miniatura”? É possível romper com este paradigma?

Figura 10 - Adulto em miniatura

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Não é simples mudar os padrões da infância, pois eles estão presentes desde as concepções e formas de agir com a criança em âmbito familiar às políticas públicas. Como evidenciam Sarmento e Pinto (1997, p. 12), pensa-se a criança tanto como alguém dotado de competências e capacidades, como alguém em falta; discute-se a autonomia da criança e, ao mesmo tempo, criam-se instrumentos de controle e tutela cada vez mais sofisticados, sabe-se da necessidade de atenção que a criança pequena necessita e nunca os pais tiveram tão pouco tempo de convivência com os filhos; condena-se o trabalho e a prostituição infantis e, a cada dia, o número de crianças vivendo em absoluta pobreza aumenta e não se consegue tirá-las das situações de risco e violência; discutem-se os direitos da criança, mas não se criam condições para as suas garantias.

A partir dessas reflexões, é preciso pensar sobre como se está tratando a criança e a infância nos dias de hoje. Conforme Postman (1999), a infância, da mesma forma como apareceu ou foi concebida, pode estar prestes a desaparecer, pois com o advento dos meios de comunicação de massa (televisão, telefone, internet, etc.), as crianças passam a partilhar novamente (se é que deixaram de partilhar) do mundo dos adultos. Hoje, muitas crianças cumprem obrigações e compromissos iguais aos adultos, independente da classe social em que estão inseridas.

Criança pequena com agenda lotada. A televisão que se transforma em babá. Os pais ausentes. Carinho transformado em objeto [...] Erotização da infância. Sexualidade. Publicidade. Cultura do consumo. [...] Individualismo desencadeado pela ausência do outro. Apagamento da relação de alteridade. Criança sozinha. Criança que manda nos pais. Esses são alguns dos fragmentos que compõem o contexto da infância contemporânea. (PEREIRA; SOUZA, 2005, p. 37).

Indagar os critérios utilizados para identificar se as crianças têm ou não infância, de que forma elas vivem a sua vida, ou usufruem a sua condição de sujeitos infantis, remete às formas sociais de organização da vida. A partir daí, a infância ou as infâncias estão situadas nos lugares que as diferentes sociedades reservam para elas: infâncias múltiplas, diversificadas, constituídas em diferentes culturas, contexto social, tempos e espaços de vida. Assim, não pode ser vista como uma infância do passado e nem mesmo uma infância do futuro. Só pode ser vista a partir de outro lugar, de outro olhar.

Ao lançar um olhar atento e sensível sobre a criança e a infância, pode-se ampliar os olhares para a significação da infância, tendo em vista sua trajetória dentro de uma sociedade que a concebia à margem das classes sociais, do meio cultural ou das condições socioeconômicas. Mas é preciso questionar: será que no contexto atual, a particularidade da

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infância é reconhecida da mesma forma para todas as crianças? Delgado (2003) esclarece que, mesmo havendo todo um processo histórico até a sociedade valorizar a infância, a especificidade/singularidade da mesma não será reconhecida para todas as crianças.

Na prática, este caráter universal vai perdendo sua extensão com as diferenças de classe, de gênero e de raça. Todas são concebidas como crianças no que diz respeito ao dado biológico, mas nem todas vivem a infância da mesma forma no que diz respeito às condições sociais, culturais e econômicas. (DELGADO, 2003, s/p). Para a mesma autora (2003), é preciso conhecer mais sobre quem são essas crianças, o que elas têm em comum, o que partilham entre si, em vários lugares deste país e fora dele também, e, ainda, o que as distingue umas das outras. É necessário romper as representações hegemônicas, pois, segundo afirma, as crianças se distinguem umas das outras nos tempos, nos espaços, nas diversas formas de socialização, interação, nos trabalhos, no tempo de escolarização, nos tipos de brincadeiras, em seu modo de vestir, nos gostos, ou seja, nos modos de ser e estar no mundo.

Assim, a infância é historicamente construída a partir de um processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na sociedade. Fazem parte desse processo as variações demográficas, as relações econômicas e os impactos diferenciados nos diferentes grupos etários, as políticas públicas, tanto quanto os dispositivos simbólicos, as práticas sociais e os estilos de vida das crianças e dos adultos. (SARMENTO, 2005, p. 36).

Refletindo sobre a concepção de criança que permeia a contemporaneidade, tempo em que ela é considerada como sujeito histórico, cidadão de direito, depara-se com a seguinte indagação: o que significa dizer que a criança é um sujeito de direitos? Como, na atualidade, a sociedade olha para essa criança? Para responder a essas questões, recorre-se aos estudos de Sarmento (2005, p. 20), que diz que considerar a criança como sujeito histórico e de direitos é levar em conta que ela se desenvolve nas interações, nas relações e nas práticas a ela proporcionadas cotidianamente, bem como nas relações que estabelece com adultos e outras crianças de diferentes idades, nos grupos e contextos culturais nos quais se insere. É preciso garantir à criança um ambiente rico de experiências significativas.

Dessa forma, pode-se dizer que conhecer as infâncias e as crianças é decisivo para a revelação da sociedade como um todo, nas suas contribuições e complexidade. Mas é também condição necessária para a construção de políticas integradas para a infância, capazes de garantir os direitos conquistados ao longo de sua história, dando

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visibilidade às suas falas, expressões e sentimentos.

2.1.1 A criança como sujeito de direitos

Figura 11 - Declaração dos direitos da criança, comentada por Mafalda

Fonte: Quino (2003, p. 120).

O direito da criança

Embora eu não seja rei, Decreto, neste país, Que toda criança Tem o direito de ser feliz! (RUTH ROCHA)

A criança, desde o princípio da história, teve influência da dominação do adulto, sendo ele quem, muitas vezes, lhe atribuiu a função social. Cerisara (2004) esclarece que, durante parte desse tempo, as crianças eram vistas apenas como seres biológicos, não havia estatuto social que normatizasse ou registrasse sua existência. Considera, ainda, que, apesar de ter havido sempre crianças, seres biológicos, nem sempre houve infância, com categoria social de estatuto próprio.

A partir do século XX, e com a confirmação dos direitos humanos, houve a elevação da criança à condição de sujeito de direito. A caminhada pelo reconhecimento dos direitos da criança é fortalecida pelos discursos legais e pedagógicos que se assentavam na especificidade da infância, na busca de sua autonomia e liberdade. Soares (1997, p. 102) explica que diversas ciências (Pedagogia, Medicina Infantil e Psicologia) contribuíram para fortalecer a tendência de se separarem as crianças dos adultos “como uma categoria social especialmente vulnerável com necessidades de proteção”. Nesse sentido, as declarações

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internacionais voltadas para os direitos da criança seguiram a mesma orientação, ou seja, reconheceram, inicialmente, a ideia de que “as crianças eram as fontes humanas essenciais, de cuja dimensão maturacional iria depender o futuro da sociedade”. (HART apud SOARES, 1997, p. 102). Além disso, há que se acrescentar a pertinência da conexão íntima entre a trajetória da constituição da concepção da infância e o processo de reconhecimento dos seus direitos. Na visão de Soares (1997, p. 101), os conceitos claros e validades acerca do que se entende por criança ou infância “são aquisições relativamente recentes, também a construção de direitos que dessem resposta a necessidades específicas desta categoria social têm que ser, necessariamente, conquistas recentes”.

Atualmente, muitas crianças vivem em condição de exclusão e de invisibilidade. Essa situação ocorre quando elas não têm acesso a um ambiente que as “proteja contra violência, abusos e exploração, ou quando não têm acesso a serviços e bens essenciais, sendo ameaçadas quanto à sua possibilidade de participar plenamente na sociedade no futuro”. (UNICEF, 2006, p. 7). Nesse contexto, o relatório do UNICEF conclui que as crianças excluídas “tornam-se invisíveis – tendo seus direitos negados, sendo fisicamente ignoradas em suas comunidades, impossibilitadas de frequentar a escola, e imperceptíveis para o olhar oficial”. (UNICEF, 2006, p. 35).

Em casos extremos, as crianças podem tornar-se invisíveis, efetivamente desaparecendo dentro de suas famílias, de suas comunidades e de suas sociedades, assim como desaparecem para governos, doadores, sociedade civil, meios de comunicação e até mesmo para outras crianças. Para milhões de crianças, a principal causa de sua invisibilidade são as violações de seu direito à proteção. É difícil obter evidências consistentes da amplitude dessas violações, porém há diversos fatores que parecem básicos para aumentar os riscos que ameaçam tornar as crianças invisíveis: ausência ou perda de uma identificação formal; proteção inadequada do Estado para crianças que não contam com cuidados por parte dos pais; exploração de crianças por meio do tráfico e de trabalho forçado; e o envolvimento prematuro da criança com papéis que cabem aos adultos, como casamento, trabalho perigoso e conflitos armados. Entre as crianças afetadas por esses fatores estão aquelas que não foram registradas ao nascer, crianças refugiadas e deslocadas, órfãos, crianças de rua, crianças em prisões. (UNICEF, 2006, p. 35).

Para diminuir as diferenças existentes e salvaguardar as crianças de serem vitimizadas pela sociedade, aos poucos, surgem legislações para que os seus direitos sejam garantidos. É o caso de três documentos internacionais, voltados para os direitos da criança, que marcaram a trajetória da concepção atual da criança como sujeito de direitos. São eles: a Declaração sobre os Direitos da Criança de Genebra (DDC) (ONU7, 1924), a Declaração sobre os Direitos da Criança (DUDC, 1959) e a Convenção Internacional dos Direitos da

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