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A moderna doutrina tem classificado os direitos fundamentais como sendo de primeira, segunda e terceira gerações ou dimensões, observada a ordem cronológica e histórica de seu reconhecimento nos ordenamentos jurídico- constitucionais.

Essa ordem cronológica é declarada no lema revolucionário do século XVIII, que, na lição de Paulo Bonavides, “exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade”. (BONAVIDES, 2018, p. 576-577).

No ensino de Paulo Gustavo Gonet Branco (2018, documento eletrônico), a distinção dos direitos fundamentais em gerações tem, tão somente, a finalidade de situar os momentos históricos em que esses grupos de direitos foram acolhidos pela ordem jurídica, sem que sejam compreendidas como uma sucessão de uns direitos por outros ou que uma geração tenha sido suplantada pela geração seguinte.

Bem por isso, Ingo Wolfgang Sarlet opta pela utilização da expressão “dimensões dos direitos fundamentais”, ao argumento de que

o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão 'gerações' pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra. (SARLET, 2018, p. 316).

De outra banda, Ana Paula Pellegrina Lockmann diverge, afirmando que Parece mais apropriada a corrente que adota a expressão 'gerações' de direitos fundamentais, por ser a que melhor se compatibiliza com a ideia de conexão entre uma geração e outra, ou seja, ambas estão interligadas,

dependendo uma da outra para exigir, não havendo relação de hierarquia, muito menos de exclusão da geração anterior pela posterior. (LOCKMANN, 2015, p. 20).

Já Leonardo Fernandes dos Santos, que utiliza ambos os termos como sinônimos, ensina, de uma forma até mesmo poética, que

As dimensões/gerações de direitos fundamentais devem ser encaradas como bailarinos que devem dançar por diversas vezes a mesma valsa: podem eles tentar dançar da mesma maneira por vinte anos, porém sempre haverá um passo novo se revelando de maneira integrativa aos demais. (SANTOS, L., 2010, p. 70).

Segundo a lição de Alexandre de Moraes, “os direitos fundamentais de

primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos

(liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta.” (MORAES, 2018, p. 30).

André de Carvalho Ramos, por sua vez, assevera que

A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade, que são direitos às chamadas prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo. (RAMOS, 2016, documento eletrônico).

Esses direitos de primeira geração correspondem, portanto, a um não-agir do Estado em face do indivíduo, porquanto repressores do poder estatal. São exemplos dessa categoria os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, as liberdades de expressão e de imprensa, bem como alguns direitos e garantias de natureza processual, tais como o habeas corpus, o devido processo legal etc.

Paulo Gustavo Gonet Branco identifica esses direitos como sendo direitos de defesa, porquanto “caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, um dever de não interferência, de não intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo” (BRANCO; MENDES, 2018, documento eletrônico).

André Ramos Tavares conceitua como sendo, de primeira geração, “aqueles surgidos com o Estado Liberal do século XVIII. Foi a primeira categoria de direitos humanos surgida, e que, engloba, atualmente, os chamados direitos individuais e direitos políticos.” (TAVARES, 2019, documento eletrônico).

Paulo Bonavides, por sua vez, entende que

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (BONAVIDES, 2018, p. 578).

Luís Roberto Barroso (2019, documento eletrônico), com relação aos chamados direitos individuais, leciona que, “No alvorecer do liberalismo, o indivíduo deixa de ser súdito e passa a cidadão, com direitos oponíveis ao poder.”. Na afirmação de Barroso, os direitos políticos “expressam o direito dos cidadãos de participar do governo, elegendo seus representantes (direito de votar ou capacidade eleitoral ativa) ou candidatando-se a cargos representativos (direito de ser votado ou capacidade eleitoral passiva)”. É evidente, entretanto, que os direitos políticos, com o curso da história, sofreram maior ou menor grau de restrição, tais como o direito de acesso ao voto segundo critérios censitários, sociais, de gênero, de religião, de raça etc., sendo certo que o direito de sufrágio universal somente restou consolidado já no século XX.

André de Carvalho Ramos (2016, documento eletrônico) aponta, ainda, uma segunda faceta dos direitos de primeira geração, com relação ao papel do Estado em sua defesa, ao lado de seu tradicional papel passivo, ou seja, a abstenção de violação dos direitos humanos ou prestações negativas. Para o autor, o Estado também assume papel ativo, ante a exigência de ações para a garantia de direitos como segurança pública, administração da justiça etc.

Já no que diz respeito aos direitos fundamentais de segunda geração ou de segunda dimensão, estes são qualificados como sendo, essencialmente, direitos positivos, ou seja, que estabelecem uma prestação de fazer do Estado em favor do indivíduo, por meio da criação ou do fornecimento de serviços públicos para o atendimento de suas necessidades.

Na lição de Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos de segunda dimensão surgem com o impacto da industrialização e a partir dos graves problemas sociais e econômicos que dela decorreram. Nesse cenário,

as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. (SARLET, 2018, p. 319).

Na mesma toada, Guilherme Amorim Campos da Silva (2004, p. 35) ensina que, no contexto histórico das Revoluções Industriais do século XIX, as mudanças por elas trazidas apresentaram novos problemas que o cidadão comum

seria incapaz de solucionar, cabendo, assim, ao Estado o papel de promover o desenvolvimento do cidadão, inclusive no que diz respeito aos direitos em favor dos grupos sociais.

Paulo Gustavo Gonet Branco denomina esses direitos de segunda geração como sendo direitos a prestação, na medida em que “exigem que o Estado aja para atenuar desigualdades, com isso estabelecendo moldes para o futuro da sociedade”, exigindo uma prestação positiva e não uma omissão, correspondendo a uma obrigação de fazer ou de dar (BRANCO; MENDES, 2018, documento eletrônico).

Paulo Bonavides, por sua vez, sustenta que os direitos fundamentais da segunda geração

são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, que depois germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula. (BONAVIDES, 2015, p. 578).

Os direitos de segunda geração são, por excelência, direitos sociais, que têm por finalidade a promoção da igualdade social ou a redução das desigualdades sociais, por meio de prestações materiais do Estado como, por exemplo, saúde, educação, segurança, previdência social etc. Esses direitos, no ordenamento jurídico brasileiro, estão, principalmente insculpidos nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, este último versando, em especial, com relação aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais.

Esses direitos foram, inicialmente, consagrados nos textos constitucionais do início do século XX, em razão da forte preocupação social que havia à época. Na lição de Douglas Alencar Rodrigues,

São emblemáticas e referenciais nesse sentido as Constituições do México de 1917 e a da Alemanha de 1919, às quais se somam a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (17.1.1918), a Constituição Soviética de 10.7.1918 e a Carta do Trabalho produzida pelo Estado fascista italiano em 21.4.1927. (RODRIGUES, 2017, p. 39).

André de Carvalho Ramos (2016, documento eletrônico) também insere, ao lado das constituições do México de 1917 e da Constituição alemã de Weimar de 1919, como importantes marcos dos direitos humanos (i.e. direitos fundamentais) de segunda geração, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do

Trabalho.

Os direitos fundamentais de terceira geração, por sua vez, são denominados direitos de solidariedade ou de fraternidade, que têm por destinatários não só o indivíduo e não se configuram tão somente como prestações negativas ou positivas por parte do Estado. São, portanto, direitos transindividuais ou metaindividuais, de titularidade coletiva ou difusa, cujos destinatários primeiros são o gênero humano e sua própria existência.

Nesse sentido, Paulo Bonavides leciona:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. (BONAVIDES, 2018, p. 583-584).

Segundo a lição de Ana Paula Pellegrina Lockmann, os direitos de terceira geração “têm origem nos novos anseios da sociedade no que se refere ao desenvolvimento sustentável e à conservação e proteção do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações humanas” (LOCKMANN, 2017, p. 21).

Na especificação dos direitos fundamentais de terceira geração, Ingo Wolfgang Sarlet refere-se aos

direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. (SARLET, 2018, p. 320).

São esses, portanto, direitos que se desprendem da titularidade do indivíduo, passando a pertencer à coletividade, de maneira difusa ou transindividual, de modo que, para sua defesa em juízo, há a legitimação de instituições públicas ou privadas a quem a Constituição ou a legislação infraconstitucional destinam essa função, tais como o Ministério Público, a Defensoria Pública, os sindicatos e entidades de classe, os partidos políticos etc.

Há, ainda, atualmente, relevante discussão quanto à existência de direitos fundamentais de quarta ou mesmo de quinta gerações ou dimensões.

Segundo Paulo Bonavides, os direitos fundamentais da quarta geração “correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social”, sendo eles “o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo”

(BONAVIDES, 2015, p. 585-586).

Já Norberto Bobbio entende que os direitos de quarta geração referem-se “aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.” (BOBBIO, 2004, p. 25-26).

Convém pontuar, ainda, que, na lição de André de Carvalho Ramos (2016, documento eletrônico), com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito internacional afastou-se da classificação dos direitos em gerações ou dimensões, classificando-os em cinco espécies de proteção, quais sejam: direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

Seja pelo ângulo das gerações ou dimensões, ou das novas categorias de proteção dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais), as distinções que se fazem são meramente teóricas ou didáticas, na medida em que, como sabido, o cabedal dos Direitos Humanos, no âmbito do direito internacional, ou dos direitos fundamentais, no âmbito do direito interno, não admite a substituição de uns pelos outros, sendo, na verdade, prestações negativas ou positivas do Estado, em favor do indivíduo ou da coletividade, que devem ser sucessivamente adicionadas ao patrimônio jurídico de seus titulares.