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Conceito de acesso à justiça e sua relação com os direitos fundamentais

1.4 O direito fundamental de acesso à justiça

1.4.1 Conceito de acesso à justiça e sua relação com os direitos fundamentais

A despeito da dificuldade de conceituação do que é acesso à justiça, já referida alhures, segundo a lição de Cappelletti e Garth, este se insere não só no âmbito dos Direitos Humanos mas, também, como um direito fundamental na ordem jurídico-constitucional brasileira e em outros textos constitucionais ao redor do mundo.

Para Nelson Nery Junior, segundo o direito de acesso à justiça, “não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.” (NERY JUNIOR, 1996, p. 84).

No escólio de Casimiro A. Varela,

o acesso à jurisdição não se pode negar a ninguém, pois o jurisdicionado tem direito a obter o reconhecimento ou declaração de seu direito (ou rechaço do mesmo) mediante um pronunciamento que leva à autoridade e à eficácia da coisa julgada; e todo rito que impeça esse acesso vulnera a Constituição. O direito a ser ouvido acabou por se tornar um direito constitucional fundamental. (VARELA, 1999, p. 91)5.

Segundo leciona Vicente José Malheiros da Fonseca,

O acesso à justiça não fica reduzido ao ingresso no Judiciário e suas instituições, mas a uma ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano, não restritos ao sistema jurídico processual. Em suma, a uma ordem jurídica justa e eficaz, para o livre exercício da cidadania plena. (FONSECA, V., 2019, p. 183).

Boaventura de Sousa Santos, por sua vez, pontifica que

a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e a sua expansão paralela à do Estado de bem estar transformou o direito de 5 Tradução nossa. Texto original em língua espanhola: “el acceso a la jurisdición no puede negarse a nadie, pues el justiciable tiene derecho a obtener el reconocimiento o declaración de su derecho (o el rechazo del mismo) mediante un pronunciamiento que lleva la autoridad y la eficacia de la cosa juzgada; y que todo rito que impida esse acceso vulnera la Constitución. El derecho a ser oído ha terminado por ser un derecho constitucional fundamental.”

acesso efectivo à justiça num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e económicos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores. (SANTOS; B., 1986, documento eletrônico).

Nesse contexto, leciona Mauro Vasni Paroski, “O acesso à justiça talvez seja o mais básico dos direitos fundamentais, pois que é através do seu exercício que outros direitos fundamentais podem ser assegurados quando violados”. (PAROSKI, 2008, p. 138)

Danielly Cristina Araújo Gontijo, por sua vez, assevera que

A fundamentalidade do direito de acesso à justiça é corolário lógico da seguinte premissa: o direito de acesso é um dos principais instrumentos garantidores (senão o principal) da concretização de todos os demais direitos fundamentais. (GONTIJO, 2015, p. 16-17)

Segundo ensina J. J. Gomes Canotilho, “A garantia do acesso aos tribunais foi atrás considerada como uma concretização do princípio estruturante do Estado de direito” (CANOTILHO, 2003, p. 491).

Cappelletti e Garth lencionam que

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado com o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, pp. 11-12)

Carlos Simões Fonseca vai além, identificando uma íntima ligação do direito de acesso à justiça com o já mencionado princípio da dignidade da pessoa humana, alçado a verdadeiro fundamento do Estado brasileiro (art. 1º, III, CRFB/1988), ensinando que

O acesso à justiça, em sua moderna significação – sentido integral –, passa a se constituir em obrigação essencial e indelegável do Estado e um dos pressupostos da dignidade da pessoa humana, sendo incompatível com este princípio que uma pessoa não consiga, por meio do Poder Judiciário, alcançar a efetiva realização de um direito a que faz jus. (FONSECA, C., 2009, p. 39)

Para André Ramos Tavares, o princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário

é um dos pilares sobre o qual se ergue o Estado de Direito, pois de nada adiantariam leis regularmente votadas pelos representantes populares se, em sua aplicação, fossem elas desrespeitadas, sem que qualquer órgão estivesse legitimado a exercer o controle de sua observância. (TAVARES,

2019, documento eletrônico).

Segundo o escólio de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,

a realização do direito de acesso à justiça é indispensável à própria configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em proibição da tutela privada e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso ao Poder Judiciário. (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 223).

José Afonso da Silva, por seu turno, afirma que “O princípio da proteção

judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional,

constitui em verdade, a principal garantia dos direitos subjetivos.” (SILVA, J., 2018, p. 433).

Oportuna também é lição de Fernando Pagani Mattos, que conceitua “acesso à justiça” como

condição fundamental de eficiência e validade de um sistema jurídico que vise a garantir direitos. Assim, calcado em modalidades igualitárias de direito e justiça, tal instituto deve ser considerado o mais básico dos direitos fundamentais do ser humano. (MATTOS, 2009, p. 70).

Convém trazer ao lume o ensino de Casimiro A. Varela, segundo quem “O acesso à jurisdição supõe a eliminação de travas que podem ser intrassistemáticas ao processo e extrassistemáticas a ele, como, em primeiro lugar, o excessivo rigor formal e, em segundo lugar, a falta de conhecimento do indivíduo e a pobreza.” (VARELA, 1999, p. 92)6.

Ainda segundo Cappelletti e Garth,

O ‘acesso’ não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica. (CAPPELLETTI; GARTH; 1998, p. 13).

Vitor Salino de Moura Eça e Aline Carneiro Magalhães asseveram que o direito de acesso à justiça é

um direito indispensável ao ser humano, por meio do qual todo cidadão, proibido de fazer justiça pelas próprias mãos, e em igualdade de condições, vai ao Poder Judiciário para que esse pronuncie o direito no caso concreto. Por meio do exercício do direito de acesso à justiça, todos os demais direitos quando não cumpridos espontaneamente podem vir a ser gozados por seu titular. (EÇA; MAGALHÃES, 2014, p. 107).

6 Tradução nossa. Texto original em língua espanhola: “El acceso a la jurisdicción supone la eliminación de trabas que pueden ser intrasistemáticas al proceso y extrasistemáticas al mismo, tales como en el primer caso el excesivo rigorismo formal y en el segundo la falta de conocimeientos del individuo y la pobreza”

Carlos Roberto Barbosa, por sua vez, entende que

O livre acesso à Justiça constitui princípio fundamental e, sendo assim, a parte possui a faculdade de optar pela via judicial ao invés do ingresso no âmbito administrativo para assegurar o cumprimento do direito violado, tendo em vista que a própria Constituição Federal expressamente prevê a mencionada garantia em seu art. 5º, inc. XXXV. (BARBOSA, 2019, p. 44).

Sem a possibilidade de acesso à jurisdição e dos meios garantidores da tutela de direitos, perante o Poder Judiciário, os demais direitos previstos na ordem jurídica internacional ou interna seriam de difícil ou mesmo impossível concretização. Daí decorre a importância sobremodo elevada do direito de acesso à justiça, como garantidor da concretude dos demais direitos do cidadão, seja em face de prestações negativas ou positivas do Estado ou, ainda, de direitos difusos ou transindividuais, cuja tutela se dá por meio do acesso das próprias instituições a quem a lei atribui legitimidade para tanto, tais como, por exemplo, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as associações de classe, os partidos políticos, as entidades sindicais etc.

Assim sendo, o direito de acesso à justiça figura como essencial à própria existência do Estado, este fundamentado na dignidade da pessoa humana e nos demais fundamentos apontados no art. 1º da Constituição Federal, dentre os quais também se inserem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, em seu inciso IV.

No âmbito da tutela do trabalho e do trabalhador, a Constituição de 1988 assegurou a competência da Justiça do Trabalho para, em síntese, processar e julgar as ações e controvérsias oriundas e decorrentes das relações de trabalho, do exercício do direito de greve, das penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho etc., conforme dispõe o art. 114, da Carta.

Em particular, no que diz respeito à tutela dos direitos sociais, o acesso à justiça reveste-se de papel essencial no rol dos direitos fundamentais. Nesse sentido, Cristiano Paixão leciona que “esse acesso à justiça se corporifica na existência de uma Justiça Especializada, ou seja, a Justiça do Trabalho, cujas origens se confundem com os primórdios do direito do trabalho no Brasil” (PAIXÃO, 2017, p. 463).

Conclui-se, portanto, que a existência de um ramo jurisdicional especializado, com previsão constitucional desde a Carta de 1934, para o processo e julgamento das demandas decorrentes das relações de trabalho e de emprego, traduz-se em importantíssima garantia para o acesso do trabalhador à justiça, a um só tempo, como Direito Humano e direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro.