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2.4 O jus postulandi

2.4.1 Fundamentos legais

No direito brasileiro, o jus postulandi tem aplicação não só no âmbito laboral, como veremos adiante, mas, também, em outras searas, notadamente no

direito processual penal e no âmbito dos juizados especiais. Conforme leciona Christiano Augusto Menegatti,

Na esfera criminal, o Habeas Corpus (HC) é clássico exemplo de postulação pela própria parte na medida em que o art. 654 do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal (CPP), atribui ao próprio paciente a possibilidade de interposição do writ, estendendo ainda a possibilidade a terceiros em atípica legitimação de natureza anômala. Ainda, na esfera penal, apesar de pouco referenciada, a revisão criminal é medida que pode ser exercida por meio do jus postulandi, uma vez que o CPP, em seu art. 623, menciona que “revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (MENEGATTI, 2011, p. 31).

Nos juizados especiais cíveis, o jus postulandi encontra previsão no art. 9º, caput, da Lei nº 9.099/1995, com relação às causas de valor até vinte salários mínimos. Nas causas com valor superior a esse, é obrigatória a assistência de advogado, observado, entretanto, o limite aplicável à litigação nos juizados especiais, qual seja, de quarenta salários mínimos. Além disso, o diploma em comento prevê a necessidade de advogado para a interposição de recurso, conforme art. 41, § 2º, da referida legislação.

No âmbito dos juizados especiais federais cíveis, criados com o advento da Lei nº 10.259/2001, a presença de advogado é dispensada, conforme disposição do art. 10, caput, desse diploma legal. A constitucionalidade desse dispositivo restou confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3186, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa20.

O fundamento legal do jus postulandi na Justiça do Trabalho reside no art. 791, caput, da CLT, que estabelece a faculdade de empregados e empregadores reclamarem pessoalmente, bem como de acompanharem suas reclamações até o final, sendo certo que há algumas limitações para o exercício dessa faculdade, como será adiante investigado.

20 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. LEI 10.259/2001, ART. 10. DISPENSABILIDADE DE ADVOGADO NAS CAUSAS CÍVEIS. IMPRESCINDIBILIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO NAS CAUSAS CRIMINAIS. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI 9.099/1995, INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. É constitucional o art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às partes a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados especiais federais. No que se refere aos processos de natureza cível, o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo ser afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Precedentes. (...) (STF – ADI: 3168 DF, Relator: Joaquim Barbosa, data de julgamento: 08.jun.2006, Tribunal Pleno, data de publicação: Dje-072 03.08.2007).

O art. 839, a, do Texto Consolidado também estabelece, expressamente, a possibilidade de que a reclamação seja apresentada “pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos de classe”.

Sobre o instituto do jus postulandi, Marcelo Wanderley Guimarães afirma que este

se insere na lógica da facilidade de acesso à Justiça do Trabalho. O trabalhador, independente de despesas com advogado ou pagamento de custas processuais, teria ao seu dispor um processo simples, informal e gratuito, por meio do qual poderia reivindicar direitos trabalhistas eventualmente não adimplidos pelo empregador. (GUIMARÃES, M., 2018, p. 329).

Expressão do jus postulandi consiste na possibilidade de que a parte reclamante ofereça reclamação oral perante as Varas do Trabalho, conforme disposição do art. 840, § 2º, da CLT, cuja redação não sofreu alteração com o advento da reforma trabalhista.

Historicamente, o jus postulandi tem sua origem com o surgimento da Justiça do Trabalho que, em um primeiro momento, não se encontrava no âmbito do Poder Judiciário mas, sim, compreendida dentro do Poder Executivo. Nesse sentido, lecionam Ricardo Pereira de Freitas Guimarães e Henrique Garbellini Carnio:

O Conselho Nacional do Trabalho – criado pelo Decreto n. 16.027, de 1923 –, ainda no segmento da administração pública, tinha por objetivo aproximar partes para possível composição e apenas com o Decreto n. 1.237, de 1939, e Decreto-lei n. 6.596, de 1940, restou consagrado o instituto do jus postulandi, mantido posteriormente, com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, por meio do Decreto n. 5.452 de 1º de maio de 1943. (GUIMARÃES, R.; CARNIO, 2019, p. 40).

Nesse contexto, a Justiça do Trabalho é definitivamente incorporada ao Poder Judiciário tão somente com a Constituição de 1946 que, em seu art. 123, estabelecia como sendo de sua competência tão somente a conciliação e julgamento dos dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, excluindo, expressamente, do âmbito de sua competência material, o julgamento dos dissídios relativos a acidentes do trabalho, que eram de competência da justiça ordinária.

Como pontua Carlos Henrique Bezerra Leite, com a promulgação da Constituição da República de 1988 que, em seu art. 133 considera o advogado como sendo essencial à justiça, “vozes categorizadas ecoaram no sentido que o art.

791 da CLT não teria sido recepcionado pela nova ordem constitucional.” (LEITE, 2018, p. 542).

Além disso, a Lei nº 8.906/1994, estabeleceu, em seu art. 1º, I, como atividade privativa da advocacia, a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais21. Todavia, em medida cautelar julgada nos autos da ADI nº 1127/DF, relatada pelo então Ministro Paulo Brossard, o STF deu interpretação conforme a constituição e suspendeu a eficácia das postulações judiciais privativas de advogado perante os extintos juizados de pequenas causas, à Justiça do Trabalho e à Justiça de Paz22. Por fim, a medida cautelar restou confirmada, nesse particular, na medida em que, no julgamento do mérito, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, restou assentada a tese de que a presença do advogado pode ser dispensada em certos atos judiciais, como demonstra a ementa e o seguinte trecho do julgado:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. DISPOSITIVOS IMPUGNADOS PELA AMB. PREJUDICADO O PEDIDO QUANTO À EXPRESSÃO “JUIZADOS ESPECIAIS”, EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.099/1995. AÇÃO DIRETA CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais.

Sobre o tema, Manoel Antonio Teixeira Filho leciona que

Embora, a nosso ver, o art. 133, da Constituição Federal, haja derrogado, de maneira implícita, o art. 791, caput, da CLT, o STF, por maioria de votos, concedeu, em 6-10-1994, liminar na ADI n. 1.127-8, promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, para suspender a eficácia do disposto no inciso I, do art. 1º, da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, que declara ser privativa da advocacia a postulação a qualquer órgão do Judiciário (e, também, aos Juizados Especiais). (TEIXEIRA FILHO, 2009, p. 626).

21 Importante observar que, nesse particular, o Estatuto da OAB é anterior ao advento da Lei nº 9.099/1995, que, portanto, derrogou, pelo critério temporal, a lei anterior no que diz respeito à necessidade de advogado para postulação perante os juizados especiais.

22 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - Lei 8.906/94. Suspensão da eficácia de dispositivos que especifica. LIMINAR. AÇÃO DIRETA. Distribuição por prevenção de competência e ilegitimidade ativa da autora. QUESTÕES DE ORDEM. Rejeição. MEDIDA LIMINAR. Interpretação conforme e suspensão da eficácia até final decisão dos dispositivos impugnados, nos termos seguintes: Art. 1º, inciso I - postulações judiciais privativa de advogado perante os juizados especiais. Inaplicabilidade aos Juizados de Pequenas Causas, à Justiça do Trabalho e à Justiça de Paz. [...] Pedido prejudicado tendo em vista a sua suspensão na ADIn 1.105. Razoabilidade na concessão da liminar. (ADI 1127 MC, Relator(a): Min. PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/1994, DJ 29-06-2001 PP-00032 EMENT VOL-02037-02 PP-00265)

Ainda como leciona Carlos Henrique Bezerra Leite, “Na esteira da decisão sobranceira do Pretório Excelso, os tribunais trabalhistas vêm, majoritariamente, decidindo que o art. 791 da CLT continua em vigor.” (LEITE, 2018, p. 542).

A questão, portanto, resta superada, conforme entendimento sedimentado pela Suprema Corte, sendo plenamente aplicável, no âmbito da Justiça do Trabalho (e também na seara dos juizados especiais e em procedimentos específicos em matéria processual penal) o instituto do jus postulandi.