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2.2 A Justiça Gratuita

2.2.1 Beneficiários da justiça gratuita

Até o advento do CPC/2015, era a já mencionada Lei nº 1.060/1950 que regulamentava os benefícios da justiça gratuita no ordenamento jurídico brasileiro, no que diz respeito a seus beneficiários.

Segundo dispunha o art. 2º, caput, do referido dispositivo, os benefícios da gratuidade da justiça (denominada, pelo referido diploma, de assistência judiciária), eram destinados aos “nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho”, considerando-se, necessitado, para efeitos da lei, “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família”, conforme previsão do parágrafo único do mencionado dispositivo legal.

Com a revogação do citado dispositivo, o art. 98, caput, do CPC/2015 passou a estabelecer que “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça”.

Da leitura dos dispositivos mencionados supra, observa-se que, até a vigência do CPC/2015, os benefícios da justiça gratuita eram destinados, tão somente, às pessoas físicas que não pudessem demandar sem prejuízo próprio ou de sua família, a despeito de, a partir da Constituição da República de 1988, não mais haver distinção entre as pessoas naturais e jurídicas no gozo das garantias fundamentais previstas no texto constitucional, de modo que, assim como o art. 5º, XXXV, da Carta, também se aplica às pessoas jurídicas, os benefícios da gratuidade judiciária também deverão ser a elas estendidos.

Nesse sentido, Araken de Assis leciona que

Configurada a impossibilidade de a pessoa jurídica arcar com as despesas do processo, negar-lhe a gratuidade implicaria lesão ao acesso à Justiça (art. 5º, XXXV), motivo por que as deficiências da noção de necessitado (art. 2º, parágrafo único, da Lei 1.060/50), ou a deliberada limitação do diploma infraconstitucional, jamais constituirão óbice real e suficiente, pois definições legais não se sobrepõem às regras da Constituição. (ASSIS, 1999, p. 21).

Com o advento do novo estatuto processual, porém, a legislação passou a prever, expressamente, a possibilidade de concessão da gratuidade judiciária às pessoas jurídicas, desde que esteja presente a insuficiência de recursos para pagamento das despesas processuais.

Cristiano de Melo Bastos ensina que

O CPC/2015 com observância da legislação antiga e a jurisprudência contemporânea inova ao garantir tanto a pessoa natural como a pessoa jurídica o direito à justiça gratuita, sejam estas brasileiras ou estrangeiras, residentes e/ou domiciliadas ou não no Brasil, conforme a norma do art. 98. (BASTOS, 2016, documento eletrônico).

No âmbito do processo do trabalho, a justiça gratuita tem previsão no art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT, que estabelecem requisitos objetivos para a concessão de seus benefícios, não bastando simples declaração de miserabilidade, mas prova da hipossuficiência econômica.

Nesse sentido, lecionam Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Rafael Lara Martins:

o texto legal, após a Lei n. 13.467/2017, deixa de exigir apenas a declaração de que a parte não está em condições de litigar sem prejudicar sua subsistência ou a de seus dependentes, para passar a exigir a comprovação da situação de fato. (BOUCINHAS FILHO; MARTINS, 2019, p. 493).

Insta salientar que o direito aos benefícios da gratuidade judiciária, no processo trabalhista, não se limita ao empregado ou à pessoa física, podendo, sim, ser estendido às pessoas jurídicas, estejam elas na mais frequente condição de réus ou, ainda, figurando como autores das demandas submetidas à apreciação da Justiça do Trabalho.

É o que se extrai dos dispositivos mencionados.

Ao estabelecer, como requisito objetivo, a percepção de salário igual ou inferior a 40% do teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, o texto consolidado deixa indene de dúvidas a possibilidade de sua concessão ao litigante pessoa física.

Entretanto, o § 4º, do art. 790, da CLT, garante à parte que comprovar insuficiência de recursos os mesmos benefícios, sem, contudo, limitar essa concessão ao empregado ou à pessoa física, ainda que esta seja empregadora ou mesmo figure como ré na relação jurídico-processual.

Na lição de Mauro Schiavi,

A Constituição Federal não restringe, para efeitos de concessão da assistência judiciária gratuita14, os polos em que as partes se encontram no Processo, seja ativo ou passivo. Por isso, pensamos ser inconstitucional não se deferir à parte que figura no polo passivo de reclamação trabalhista os benefícios da Justiça Gratuita quando presentes os pressupostos legais. Além disso, na prática, temos observado que, muitas vezes, o reclamado está em pior situação econômica que o reclamante. (SCHIAVI, 2019, p. 415).

Manoel Antônio Teixeira Filho afirma, outrossim, que

O réu também pode ser beneficiário da justiça gratuita, pois esta garantia constitucional compreende todos aqueles que “comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, inciso LXXIV) para litigar judicialmente, ou seja, que não puderem prover, sem prejuízo do sustento próprio ou familiar, a defesa de seus direitos e interesses. (TEIXEIRA FILHO, 2009, p. 630).

Ainda sob a vigência do regramento anterior, a jurisprudência do TST já entendia cabível o deferimento da justiça gratuita à pessoa jurídica, não bastando, entretanto, mera declaração de hipossuficiência, fazendo-se necessária a cabal comprovação da impossibilidade da parte em arcar com as despesas processuais, conforme entendimento contido na Súmula nº 463, II, daquela Corte15.

Quanto ao deferimento da justiça gratuita à pessoa jurídica, Luiz Ronan Neves Koury salienta, relativamente à legislação anterior à vigência da Lei nº 13.467/2017, que “A matéria tem sido flexibilizada no âmbito do TST ao deferir os benefícios da gratuidade da justiça às pessoas jurídicas, mas sem estender a isenção ao depósito recursal, que visa garantir o cumprimento de futura execução.” (KOURY, 2017, p. 796).

Entretanto, com o advento da nova legislação, em acréscimo ao entendimento já sedimentado pelo TST, quanto à possibilidade de concessão dos benefícios da gratuidade judiciária à pessoa jurídica no âmbito do processo do trabalho, o art. 899, § 10, da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, estabelece também a isenção de recolhimento do depósito recursal aos beneficiários da justiça 14 Com a devida venia ao autor, entendemos que, aqui, a melhor expressão seria “justiça gratuita”. 15 No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de

gratuita. Uma vez que o depósito recursal somente é exigido do empregador, é lógica a conclusão no sentido de que é plenamente possível que a pessoa jurídica também possa ser contemplada com os benefícios da gratuidade judiciária.

Dessa forma, conclui-se que os benefícios da justiça gratuita podem ser concedidos, no âmbito do processo do trabalho, tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica, estejam elas em quaisquer dos polos da relação jurídico-processual. Se forem preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT, o indeferimento da gratuidade judiciária, à pessoa física ou à pessoa jurídica, afronta o texto constitucional, no que diz respeito à garantia fundamental de acesso à justiça e de assistência jurídica integral aos necessitados (art. 5º, XXXV e LXXIV, da CRFB/1988).