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A Cognição: Outras Capacidades Nucleares

1.4 Vozes Divergentes e Alternativas

1.4.1 A Cognição: Outras Capacidades Nucleares

A observação do comportamento inteligente, seguindo a suposição de que a mente funciona como uma máquina, também ela inteligente, tem suscitado polémica, e questões como as que se seguem traduzem essa tendência de forma muito directa: O processamento humano da informação segue, efectivamente, as mesmas regras formais usadas por um computador? Um estudo da mente humana, que visa a observação do comportamento inteligente, orientado para actuações robóticas, tem um poder descritivo e explicativo suficientemente abrangente?

As observações de cepticismo vêm de diferentes áreas. A evidência empírica sugere que há capacidades humanas de difícil programação e que produzem, igualmente, um comportamento inteligente, o que atesta de certa forma a lacuna na simulação cognitiva do comportamento humano à luz da Abordagem Representacional e Computacional da Mente (Dreyfus, 1999).

Independentemente da convicção dos investigadores, os meios utilizados no conhecimento da cognição, através das estruturas representacionais e dos procedimentos computacionais, que nela operam, têm um elevado grau de sofisticação, proporcionando uma visão subtil, rigorosa e científica, em domínios negligenciados. Outros tipos de inteligência (criadora, social), a consciência, a emoção, o mundo físico circundante, a concepção da mente como um sistema

dinâmico são desafios inquietantes para a comunidade científica e que não são contemplados pelas teorias referidas (Thagard, 1996).

Na própria Filosofia contemporânea, não há unanimidade quanto à definição de inteligência: um comportamento inteligente é também aquele que se constrói através de uma subjectividade criadora, específica da inteligência dos homens e distinta da inteligência das máquinas e da dos animais não racionais. Esta inteligência criadora afirma-se através de uma capacidade inventiva, que excede o automatismo e a natureza acidental próprios da inteligência animal irracional, e que tem como interface uma inteligência computacional transfigurada, capaz de se autodeterminar em consequência de uma inteligência inventiva, regida por uma lógica própria, e dominada por sentimentos e por metas (Marina, 1995).

A consciência é outro domínio da natureza humana, provavelmente dependente de procedimentos efectivos não conhecidos e, eventualmente, não calculáveis. Tal qual a inteligência, a consciência comporta diferentes acepções. Como sugere Kellog (2003) pode significar “knowledge about the self” ou “the capacity to become aware of and able to report on mental representations and the processes that operate on them” ou “as sentience, the basic capacity for raw sensations, feelings, or subjective experience of any kind” (pp.12-13). Especulativamente, Garnham e Oakhill (1994) encaminham a consciência para uma das seguintes categorias: um fenómeno sobrenatural não abrangido pela explicação científica; um fenómeno explicável por procedimentos computacionais desconhecidos; um fenómeno explicável por teorias que podem ser simuladas em programas de computador se estes forem programados para serem conscientes. A experiência consciente inclui todo o tipo de emoções e percepções através dos sentidos e do próprio corpo, uma realidade que já não é negligenciada. Para Damásio (2000a) a consciência é a essência do conhecimento, mas um conhecimento que se constrói no momento em que o nosso organismo se relaciona com os objectos que se dão a conhecer e que, por via desta relação, causa modificações no próprio organismo. Isto significa que a consciência tem uma dimensão biológica, a do próprio organismo, que é constituído por um cérebro que tem como função “cartografar” ambos os actores” (p.40), o organismo, o objecto e a relação que mantêm entre os dois.

Os qualia, designação filosófica para as experiências conscientes, não são contemplados em nenhuma das abordagens que integram a perspectiva CRUM, porque nesta os procedimentos/algoritmos operam ao nível subliminar ou inconsciente. Excepcionalmente, a imagética é a única abordagem a admitir que a invocação pode implicar que a mente opere conscientemente, não sendo contudo contemplado este nível (de consciência) nas explicações computacionais das mesmas. Estas observações não significam que a Filosofia, a Linguística, a Psicologia, a Neurologia e as demais disciplinas que integram a ciência cognitiva rejeitem a existência da consciência: por exemplo, Lakoff e Johnson (1999) sugerem que o inconsciente cognitivo satisfaz, em termos percentuais, noventa e cinco por cento da actividade cognitiva, sendo a partir dele que o pensamento consciente é modelado e estruturado. Por seu lado, Thagard (1996), metaforicamente, afirma que negar a existência da consciência é o mesmo que uma teoria da física negar a existência do calor, reconhecendo a indispensabilidade de que a investigação aposte na expansão da abordagem CRUM de forma a integrar, na arquitectura cognitiva, a consciência e as emoções. Justifica o seu ponto de vista afirmando que em domínios como a focalização, a discriminação, a avaliação e a acção, o contributo da consciência não deve ser subestimado.

A vida mental é uma constante do comportamento humano. A sua expressão decorre do facto de lhe ser inerente uma dinâmica proveniente da forma como o homem interage com tudo o que o rodeia. O valor semântico do genérico tudo corresponde, neste caso particular, à espécie social e à espécie cultural de que o homem é um elemento, contribuindo a socialização e a cultura para o seu desenvolvimento e de onde emergem os inputs necessários aos processos cognitivos (Sperber & Hirschfeld, 1999). É a partir desta dinâmica interaccional entre a cultura, a sociedade e o indivíduo que se consolida a inteligência, orientada para a criação de um mundo humanizado, de onde emanam condições e factos organizados em função das necessidades e metas estabelecidas pelo próprio homem. Numa tal abordagem, sobressai a diferença entre uma inteligência humanizada e uma inteligência robótica: nesta impõe-se a objectividade e a racionalidade, sendo os factos abstractamente abordados, enquanto naquela está ainda implicado o papel do corpo. Ao ser concebido como um todo na organização e unificação das experiências vividas pelo homem face

aos objectos que o rodeiam, o mundo tem uma função especial que é a de «dar ordem» às necessidades, cumprindo um dos objectivos da essência humana que é, numa palavra, estar-se no mundo (Dreyfus, 1999). A Abordagem CRUM, ao ignorar a interacção da mente com o mundo físico e social, está a subestimar a dimensão social do conhecimento.