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As Teorias dos Esquemas, dos Enquadramentos e dos

1.3 A Abordagem Representacional da Mente – Uma Teoria Geral do

1.3.2 Os conceitos

1.3.2.2 As Teorias dos Esquemas, dos Enquadramentos e dos

Com as teorias dos esquemas, dos enquadramentos e dos guiões, os conceitos representam entidades ou situações típicas, distinguindo-se portanto das regras (Sierra & Carretero, 2004; Wilson & Keil, 1999).

Partilhada a noção de «esquema» pelas três teorias, esta é definida como um constructo mental ou uma representação abstracta do conhecimento genérico que está armazenado na memória. A sua aquisição é proveniente da experiência passada, não sendo uma prerrogativa exclusiva dos conceitos, uma vez que é um modelo do mundo exterior, que reproduz o conhecimento que temos sobre os objectos, as situações, as sequência de situações, as acções, as sequências de acções e também os conceitos.

Os enquadramentos superam as limitações do modelo das condições necessárias e suficientes por permitir a inclusão de atributos, dos seus valores e das relações entre atributos e valores, tendo sido particularmente produtivos na Linguística e na Inteligência Artificial. Evoluindo de uma definição estritamente linguística, aplicada a um conjunto de palavras associadas a uma instância prototípica, para uma noção mais geral e mais técnica e, por conseguinte mais adequada à Inteligência Artificial, Minsky (1977) sugere que um enquadramento é uma estrutura de dados que representa uma situação estereotipada ou prototípica, armazenada na memória a longo prazo, e adaptável à realidade através da mudança de pormenores quando tal for necessário.

A abordagem proposta é perspectivada no âmbito do processamento da linguagem mas conforma-se com algumas noções importantes das teorias da visão. A própria noção de enquadramento é equivalente à noção de cena captada pela visão, mas correspondendo a um processo prolongado através do qual se preenchem detalhes, recolhem evidências, fazem conjecturas, fazem deduções, e se avalia e interpreta em função do conhecimento, das expectativas e dos objectivos.

Cada enquadramento tem associado diferentes tipos de informação: parte dela refere-se a como usar o enquadramento, e outra parte inclui não só expectativas do que vai acontecer, como também o que fazer se não houver confirmação das expectativas. Um enquadramento é comparável a uma rede de nós e de relações. Da estrutura de dados fazem parte, a nível superior, as representações fixas de coisas verdadeiras relativamente à situação suposta e, a nível inferior, terminais ou “slots” a preencher com dados específicos. Cada terminal deve especificar condições a serem cumpridas por subenquadramentos, que representam consequentemente conhecimentos mais específicos. As relações são discriminadas por condições mais complexas e os enquadramentos relacionados juntam-se em sistemas de enquadramentos.

Os guiões são especificações dos enquadramentos e, como tal, são modelos de representação ou estruturas que descrevem sequências de acções e as respectivas condições, sendo orientados por um objectivo, e usados na compreensão do conhecimento genérico estereotipado (Schank & Abelson, 1977). A especificidade dos guiões justifica a sua aplicabilidade na resolução de problemas, particularmente na planificação e na tomada de decisões,

viabilizando-se através da recuperação de conceitos, armazenados na memória, que combinam com uma situação e com os seus objectivos.

O poder computacional dos conceitos provém da sua própria estrutura e organização já que são estruturas inconscientes e dispõem de casas vazias ou variáveis, a serem preenchidas por informação expectável decorrente da experiência passada. No preenchimento destes espaços, a informação pode ser orientada para a tipicalidade, como acontece com os modelos de representação por esquemas e não para a verdade, instanciando valores padrão e/ou opcionais. Por exemplo, a representação do conceito leão inclui valores fixos como tipo, tamanho e cor, havendo porém a possibilidade de receber informação complementar e que é designada por valor “default”. O recurso a este tipo de informação ocorre sempre que haja necessidade em se especificar a informação a ser processada.

Consistente com uma estrutura flexível e hierarquizada, os conceitos organizam-se como sistemas activos de relações do tipo superordenação- subordinação, todo-parte ou espécie, permitindo diferentes tipos de computação, de que são exemplo os processos por herança, na base da qual se constroem as inferências. A informação expectável herdada é assim concebida, porque um certo tipo de informação se institui como um legado de um outro conceito, pelo que a sua representação se processa como um tipo de outro conceito de que tipicamente faz parte um determinado valor. Thagard (1996) ilustra o processo da herança através do conceito seminário, que não inclui na sua matriz de raiz o valor de «instrutor», mas que pelo facto de ser representado como uma espécie de curso, em que tipicamente este valor é preenchido, herda esta informação expectável.

Todavia, o processo de construção de inferências por herança não é único: partindo do pressuposto alternativo na base do qual os conceitos estão associados e sendo a associação descrita computacionalmente como um processo de propagação da activação, à qual está subjacente a metáfora de contágio electrónico, o conceito é concebido como um sistema de activação em rede (ibd).

A compactação da informação num conceito é particularmente produtiva em situações novas, facilitando o processo de categorização, o qual preenche duas prerrogativas, a combinação e a inferência. E se a combinação consiste na

afectação de informação adequada a um conceito, tendo em conta uma determinada situação, o processo inferencial acerca da situação traduz o conjunto de expectativas produzidas pelo conceito. Retomando o mesmo exemplo de seminário como uma espécie de curso, uma vez terminado o processo de categorização, um dos tipos de informação expectável é de que, por exemplo, haja muita discussão.

Sintetizando, a compreensão do poder computacional dos conceitos à luz da teoria de processamento da informação assenta nas noções fundamentais de sistema representacional activo, herança, combinação e propagação da activação cumprindo o seguinte percurso: como sistema activo, os conceitos representam uma situação, através da propagação da activação, outros conceitos são activados, os conceitos seleccionados são os que combinam com uma situação e as inferências que o sistema produz sobre uma situação são herdadas.

Na resolução de problemas, a recuperação da memória a longo prazo de conceitos é incontornável sem que, no entanto, seja pela via da aplicação de regras na busca da solução: a representação de situações típicas, independentemente da sua especificação em esquema, enquadramento ou guiões, é a base para as soluções independentemente da fase envolvida, planificação, decisão e explicação. Quanto à aquisição de conceitos, a perspectiva inatista opõe-se à da aprendizagem e, se por inspiração da filosofia platónica, os conceitos são considerados inatos, cabendo à educação apenas a recuperação da sua essência, as correntes filosóficas modernas libertam-se da dicotomia inatismo-aprendizagem, apresentando abordagens diferentes relativamente aos processos de aprendizagem, que são perspectivados como resultantes da experiência ou de outros conceitos.

Os resultados de estudos experimentais levados a cabo por Rosch e Mervis (1975) sobre a aquisição de conceitos parecem demonstrar que a categorização de nível básico antecede a dos outros dois níveis hierárquicos de classificação, a superordenação e a subordinação, sendo portanto aquela a forma mais natural de classificar as entidades que povoam o mundo, e que é acompanhada pela génese de representações mentais, que segue esta mesma ordem. As implicações desta perspectiva permitem acentuar que há diferenças nas representações conceptuais entre as crianças e os adultos, sendo três os factores que lhes estão subjacentes: a aquisição tardia dos atributos ou

propriedades culturais do conceito, a não coincidência no reconhecimento dos atributos salientes de um conceito e a possibilidade de a criança imputar atributos falsos a uma categoria devido ao estádio de desenvolvimento cognitivo em que se encontra. Assim sendo, a noção de atributo ou propriedade de um conceito não se define em função de critérios de objectividade, como preconiza o paradigma objectivista da mente e da linguagem. As propriedades interaccionais de um conceito emergem da interacção dos sujeitos que percepcionam o mundo com o próprio mundo percepcionado (Lakoff, 1987).

Considerando que a aquisição de uma parte substancial dos conceitos é feita via aprendizagem, e que uma das capacidades do organismo humano é a aquisição de categorias, há uma sequência de passos implicados na categorização, que tem como corolário a representação. Segundo Barsalou (1992), o primeiro consiste na formação de uma descrição estrutural, através da qual propriedades e relações entre propriedades são especificadas. O passo subsequente consiste numa busca pela memória de representações da categoria, representações estas similares à descrição estrutural. Depois de seleccionada a melhor representação, com base no conhecimento sobre a categoria, fazem-se inferências relevantes relativamente aos atributos da entidade categorizada, tendo em conta os objectivos de quem percepciona. O último momento do processo consiste na actualização da representação da categoria na memória. A relevância do processo de categorização como interface da representação do conhecimento consiste, pois, no armazenamento na memória e recuperação subsequente, nas possíveis combinações com outras representações, ou nas possíveis transformações em novas representações. É neste sentido que a representação do conhecimento de uma categoria, durante o processo de categorização, é uma base fundamental no processamento da informação, razão pela qual muitos dos processos cognitivos começam com a activação de um procedimento de categorização (Barsalou, 1992).

A ligação do sistema conceptual ao sistema linguístico depreende-se da correspondência existente entre os conceitos e as palavras, correspondência esta ilustrada pela metáfora que duas faces de uma mesma moeda ilustra. Sendo o léxico mental formado por todas as palavras de uma língua, o qual é organizado em função de diferentes critérios, o seu domínio está correlacionado com a competência linguística, que não se restringe de forma alguma ao domínio das

regras gramaticais. O conhecimento semântico atesta a compreensão dos conceitos e a sua aquisição progride ao longo da vida do ser humano.

A plausibilidade neurológica da abordagem da mente através dos conceitos decorre da aproximação do princípio da propagação da activação entre os conceitos que estão organizados em redes e da activação das células nervosas, os neurónios. Estudos desenvolvidos pela neurologia, onde foi utilizada a tomografia de emissão de positrões (PET - Positron Emission Tomography), definiram como objectivo relacionar as operações mentais com a actividade dos neurónios. Segundo Raichle (1997), e especificamente no âmbito do processamento das palavras, os estudos de M. I. Posner e M. E. Raichle comprovam a activação de diferentes áreas do cérebro que correspondem à instanciação das diferentes operações mentais associadas aos conceitos.

Em suma, a força dos conceitos a nível representacional, computacional e neurológico assenta em pressupostos de tipicidade esquematizada, de preenchimento de espaços (“slots”) e de instanciação neurológica; os resultados de estudos recentes sugerem a falta de robustez da abordagem clássica, equacionada segundo definições descritivas rígidas e de condições necessárias e suficientes que são substituídas por noções de activação entre os conceitos, de combinação e de herança, harmonizáveis com os procedimentos activados.