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1.3 A Abordagem Representacional da Mente – Uma Teoria Geral do

1.3.3 As Analogias

Tendo como ponto de referência uma definição linear e acessível de analogia ou do pensamento analógico como sendo um processo mental através do qual o homem é capaz de lidar com uma situação nova através da adaptação a uma situação similar conhecida, está implícita a suposição de que as experiências do mundo memorizadas e mentalmente representadas podem ser recuperadas e projectadas em situações novas. Ora, uma das manifestações do comportamento inteligente reside precisamente na capacidade inferencial de estabelecer relações associativas entre conjuntos de objectos, situações ou problemas, com base na adaptação do que é novo ao que já é familiar (Anderson, 2004). A esta capacidade da mente humana, cuja ubiquidade inegável está presente quer no pensamento do dia-a-dia, quer nas diferentes manifestações do pensamento superior, seja ele científico ou de outra natureza, chama-se raciocínio analógico.

Dois análogos, o análogo origem (“source analog”) e o análogo alvo (“target analog”), também designados por domínio origem (“source domain”) e domínio alvo (“target domain”) (Garham & Oakhill, 1994), e que equivalem respectivamente a uma situação familiar e a uma situação nova, despertam correspondências, sendo a atenção focalizada nos predicados das entidades em causa e/ou nas relações que criam. Neste enquadramento, num processo

analógico está subjacente uma projecção5 ou transferência entre os dois análogos ou domínios, preservando-se uma relação de conformidade ou similaridade entre as duas representações, quer a nível dos predicados quer das relações. A centralidade do conceito projecção, na analogia, é reconhecida por toda a comunidade científica, já não acontecendo o mesmo no que respeita aos outros princípios que a governam (Holyoak & Thagard, 1989).

É, igualmente, consensual entre investigadores que o raciocínio analógico é uma habilidade fundamental do ser humano. Numa definição mais abstracta e genérica de analogia, atribuem-lhe uma natureza simbólica, consistindo no reconhecimento de padrões, na identificação de recorrências nesses padrões, independentemente da variação dos elementos que os compõem, na formação de conceitos que substantivam esses padrões e que são linguisticamente expressos. Gentner, Holyoak e Kokinov (2001) consideram que a analogia poderá vir a ser perspectivada como a essência da cognição humana.

A natureza das analogias não tem um padrão uniforme tanto a nível da matéria a ser representada como no grau de superficialidade ou relevância das similaridades a transferir, sendo que a adequabilidade da analogia aos objectivos do seu construtor é uma variável que condiciona a selecção. O poder representacional da analogia, que se fixa na situação que cada análogo efectivamente configura, acompanha esta variação ou mutabililidade, não se esgotando consequentemente num modelo único. Os análogos podem representar conceitos, regras ou asserções lógicas e como tal assimilam as características de cada qual em termos da informação que representam. As analogias podem, ainda, ter uma natureza visual, dado que as imagens visuais são frequentemente utilizadas como análogo - origem familiar -, a partir do qual se opera o processo de transferência para uma situação nova, que não necessita ter a mesma natureza.

O pressuposto de que, na representação interna do conhecimento através de imagens mentais, se mantém uma estrutura análoga à da realidade reforça a noção de uma similitude equivalente entre a representação e os objectos físicos

5 Silva (2003) justifica o uso de projecção como tradução de “mapping” por equivaler ao sentido

matemático proposto por Fauconnier (1997), e que é o sentido adoptado pela teoria cognitiva em geral, definindo-o da seguinte maneira: “A mapping, in the most general mathematical sense, is a correspondence between two sets that assigns to each element in the first a counterpart in the second” (p.1).

reais. Estes funcionam como estímulos perceptivos, criando a equivalência espacial, e conjuntamente com outras equivalências, como a perceptiva, a transformacional e a estrutural, constituem os princípios unificadores dos modelos representacionais das imagens mentais (Barkowsky, Bertel, Engel & Freksa, 2003).

Holyoak e Thagard (1989, 1997) desenvolvem a teoria da projecção analógica baseada no princípio das três restrições ou constrangimentos e do alinhamento, em que são contempladas a interacção estrutural e as restrições semânticas e pragmáticas. E se a primeira restrição é imposta pelo isomorfismo estrutural entre os análogos, o qual promove a projecção, sendo nela que reside a essência do pensamento analógico, a restrição da similaridade semântica consiste na projecção de predicados com significados idênticos enquanto a restrição pragmática está focalizada na importância atribuída pelo criador da analogia e nos elementos que elege ou selecciona para que a analogia seja relevante em função do objectivo para o qual é construída.

A teoria é implementada num programa de computador, pelo que é designada ACME (Analogical Constraint Mapping Engine). Os algoritmos de identificação de hipóteses cumprem o princípio da satisfação da restrição paralela, através do qual se identificam as hipóteses de projecções que são representativas de uma projecção global que melhor satisfaça as restrições semânticas e pragmáticas.

A recuperação da memória é feita, então, com base na restrição da similaridade, estrutura ou paralelismo estrutural e finalidade. Se a similaridade tiver uma natureza visual é igualmente invocada a aparência visual, para além da invocação de conceitos similares. Se a correspondência entre situações implicar relações mais profundas e, por conseguinte, mais estruturais, como por exemplo relações de causalidade, a projecção das correspondências analógicas faz-se através do alinhamento dessas relações, conjecturando-se um isomorfismo de estruturas entre os análogos. A finalidade é outra restrição a partir da qual a invocação de elementos se restringe àqueles que são relevantes para uma determinada situação, uma dimensão pragmática que está subjacente à interpretação que se produz.

Com vista à optimização do processo analógico, no modelo ACME, que é uma simulação de modelos de projecção analógica e de inferência, são definidos

agrupamentos. Na estrutura, as correspondências ocorrem entre predicados e predicados, entre objectos e objectos, sendo rejeitadas as hipóteses que implicam combinatórias de elementos distintos (objectos↔predicados) ou de objectos que nunca preenchem os espaços ou “slots” correspondentes. Quanto à similaridade e à finalidade, são favorecidas as transferências que envolvem componentes semânticos similares e adequadas aos objectivos de quem representa a informação através do raciocínio analógico.

Para além da implementação computacional, a teoria ACME foi aplicada numa população adulta de recém licenciados, que se encontravam em fase de estágio. Os resultados revelam que o pensamento analógico é utilizado trazendo benefícios para as situações problema que têm de enfrentar.

Mas a pesquisa teórica e empírica tem diferido nas restrições para o processo de recuperação da memória dos análogos. Segundo a Teoria da Projecção da Estrutura (SMT - Structure-Mapping Theory) de Gentner (1983) é na similaridade e no alinhamento da estrutura que se consolida a analogia, implicando que todos os sistemas de relações conectadas combinem entre os dois domínios. Assim sendo, os pressupostos para o alinhamento estrutural têm constrangimentos psicológicos devendo ser observada uma conectividade paralela na correspondência de relações, que devem ser sistemáticas e preferenciais relativamente ao outro tipo de correspondências (Gentner & Markman, 1997).

Para além dos aspectos da representação ligados às restrições no processamento da analogia, já referidos, e que os modelos computacionais têm de ser capazes de construir para a validação das teorias (Markman & Gentner, 2001), há aspectos específicos relacionados com a representação que têm de ser previstos, especificamente no processamento das relações. Gentner et al. (2001) dão como exemplo do nível de especificação a representar, na relação amorosa, a distinção dos papéis amante e amado dos agentes e da ligação entre papéis e agentes. Na opinião dos investigadores, estas conexões são um desafio para os modelos de processamento da analogia com uma arquitectura neuronal.

Outras das particulares ligadas ao poder representacional da analogia é equacionada em termos de flexibilidade – as representações são sensíveis aos contextos e, por consequência, a representação dos análogos pode mudar durante o processamento da analogia. Este dinamismo inerente às

representações constitui uma dificuldade quer para os modelos computacionais quer neurológicos.

A reconhecida importância da investigação sobre a analogia resulta da interacção promovida entre os investigadores cognitivistas acerca do que designam as capacidades cognitivas da mente analógica, comungando de noções fundamentais decorrentes da investigação, e que se concentram na decomposição do pensamento analógico em constituintes básicos - o acesso a um ou mais análogos armazenados na memória a longo prazo; a projecção de um análogo familiar num análogo alvo com identificação de correspondências e o alinhamento das mesmas; a construção de inferências acerca do análogo alvo, resultantes da projecção e a partir das quais um novo conhecimento é criado; a avaliação das inferências e a respectiva adequação ao análogo alvo; finalmente, e como consequência dos componentes anteriores que compõem o raciocínio analógico, a aprendizagem concretiza-se com a génese de novas categorias e esquemas, que vão ser armazenadas na memória, que é coadjuvada por uma compreensão renovada das categorias e esquemas velhos cujo acesso será facilitado no futuro (Gentner et al., 2001) Neste enquadramento, um novo olhar é dirigido aos modelos computacionais, sendo igualmente consensual o interesse em desenvolvê-los de forma a poderem integrar todos estes componentes que, conjuntamente, constituem a essência do pensamento analógico.

O estudo do pensamento analógico tem sido muito dirigido para a resolução dos problemas, situação explicável pelo facto de tal ser uma manifestação do comportamento inteligente, tornando-se computacionalmente produtivo sempre que o conhecimento conceptual ou o conhecimento representado por regras for diminuto. Todavia, os resultados de alguns estudos experimentais não são conclusivos quanto aos efeitos que o uso de análogos possa ter na minimização das dificuldades inerentes a algumas situações de resolução de problemas – induzir os sujeitos a usar analogias é um processo muito difícil, uma vez que o processo em si implica uma sofisticação mental na busca de operadores analógicos, em exemplos adequados, e a procura de similaridades consistentes e relevantes. Isto não significa que a transferência analógica não seja possível. A investigação feita por Gick e Holyoak (1983) mostra que os sujeitos que participaram no estudo por eles conduzido usaram a

analogia sem ter tido instruções nesse sentido, consumando a transferência analógica, na resolução de problemas.

Thagard (1996) sugere que há especificidades do raciocínio analógico, quando abordado computacionalmente, que diferem do raciocínio analógico típico, e que compreende quatro passos: após o reconhecimento do problema alvo a ser resolvido, o primeiro passo, procede-se à invocação do problema origem com solução conhecida (o segundo passo); num terceiro passo, a comparação entre os problemas alvo e origem é feita através do estabelecimento de correspondências entre elementos relevantes; no quarto momento, procede-se à adaptação do problema origem com vista à produção de uma solução para o problema alvo.

Respondendo a questões como - É possível resolver todos os problemas através do raciocínio analógico? ou - Através da analogia, todas as tomadas de decisão na resolução de problemas são preenchidas?, há situações em que a escolha de um análogo pode não ser a melhor opção. Por exemplo, em problemas alvo absolutamente inovadores, a aplicação de uma solução prévia não é a melhor estratégia; é igualmente incerta a consistência de um comportamento inteligente, actualizado através da representação do conhecimento por via da analogia, quando as similaridades estruturais não são relevantes ou profundas, podendo a recuperação de um análogo não constituir uma representação produtiva e orientadora de uma tomada de decisão que vise a resolução de um problema; o mesmo acontece com tomadas de decisão, sobretudo relacionadas com acções a implementar, quando é apenas invocado um único análogo, não sendo portanto equacionadas outras possibilidades analógicas (Thagard, 1996).

Salvaguardadas estas situações, o papel da analogia tem sido muito profícuo em diferentes domínios do conhecimento. Na literatura em geral e na poesia em particular, na religião, na filosofia, na ciência, no pensamento do quotidiano. A analogia está presente em muitas tarefas cognitivas como na compreensão da metáfora (Gentner & Wolff, 1997; Wolff & Gentner, 2000), na integração dos espaços mentais decorrente da conexão analógica de espaços (Fauconnier, 1997). Gentner et al. (2001) referem áreas como a tradução, o desenho criativo, o humor, o uso do computador, a percepção, a memorização, a imitação infantil entre outros onde a analogia constitui um desafio no cumprimento

de tarefas cognitivas e que, no seu conjunto, podem sustentar o pressuposto de que é, eventualmente, a essência da cognição.

Cameron (2002, 2003) reconhece o contributo dos referenciais teóricos da Psicologia Cognitiva, que tem como objecto de estudo a centralidade da metáfora no pensamento, especificamente das teorias da projecção da estrutura, da projecção conceptual e da integração conceptual, teorias estas que se escoram na noção de analogia. No discurso educacional, nomeadamente no ensino básico, atribui à metáfora não só um papel catalizador do conhecimento como também sugere ser imperioso complexificar o pensamento analógico, progressivamente, com vista ao desenvolvimento intelectual. Os resultados da investigação empírica que desenvolve, quer a nível do discurso oral quer do discurso escrito, corroboram a importância do seu contributo na construção de oportunidades de aprendizagem. Mas a função da analogia transcende, em termos de aplicação, este estádio do desenvolvimento cognitivo. Na investigação científica, onde já se atingiram patamares elevados de desenvolvimento epistémico, o raciocínio analógico é uma via de sustentação para ideias complexas (veja-se o exemplo da analogia mente-cérebro-computador no âmbito da própria ciência cognitiva).

Torna-se, provavelmente, excessivo referir que o pensamento analógico promove sempre a aprendizagem se for enquadrado na resolução de problemas, dadas as dificuldades já apontadas no processo de recuperação da memória dos procedimentos que estruturam o raciocínio analógico. No entanto, para que o uso das analogias seja bem sucedido na aprendizagem, algumas orientações devem ser seguidas, sobretudo em situações de desenvolvimento conceptual menos profundo. Os análogos origem devem ser preferencialmente concretos e fazer parte do conhecimento prévio; nas correspondências criadas, e por serem apenas transferidas topologias parciais das estruturas do análogo origem para o análogo alvo, orientações sobre estas mesmas subestruturas podem ser necessárias. Se as analogias forem bem estruturadas, elas constituem uma mais-valia em relação às comparações superficiais.

Em suma, a analogia é um recurso cognitivo de elevada produtividade em qualquer domínio do pensamento e do comportamento humano inteligente. Tendo sido objecto de uma reflexão milenar, independentemente dos modelos de análise eleitos e dos enquadramentos teóricos que os sustentam, é cientificamente reconhecido o papel da analogia no pensamento humano, sendo actualmente

reiterada a convicção por parte de alguns investigadores que é um dos pilares da cognição humana.