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1.4 Vozes Divergentes e Alternativas

1.4.3 A Mente Corporizada

Na ciência cognitiva, o princípio fundador é o estudo da cognição. Os princípios filosóficos são os que, de uma forma mais original (no sentido etimológico de origem) contribuem para a arquitectura de abordagens sobre o pensamento e, frequentemente, com a interferência directa de outras disciplinas. Lakoff e Johnson (1999), respectivamente da Semântica Cognitiva e da Filosofia, distinguem dois paradigmas na abordagem da ciência cognitiva recente, cada qual comprometido com um enquadramento epistemológico próprio. A designação que atribuem a cada qual é ciência cognitiva da primeira geração e ciência cognitiva da segunda geração. O significado perde o sema de temporalidade, porque ambos se actualizam e impõem no mesmo período temporal, a partir da segunda metade do século XX e até à actualidade.

A primeira geração da ciência cognitiva é influenciada pela Filosofia anglo- americana, também conhecida por Filosofia analítica, que focaliza toda a sua atenção na linguagem, por considerar que é através da análise linguística que se acede ao conhecimento, à razão, aos conceitos, ao significado e à verdade. Herdeira da concepção dualista cartesiana defende que é pelo pensamento que se conhece a mente. Influenciada pela lógica matemática, afirma que o pensamento é compreendido através de símbolos, ou seja, os conceitos são adequadamente representados por sequências de símbolos, o raciocínio é mecânico/algorítmico e regido por princípios sistemáticos que funcionam passo-a- passo. O raciocínio e os conceitos são universais.

Com uma concepção própria sobre as palavras, estas têm sentidos objectivos, o significado é uma relação abstracta entre as palavras e um mundo objectivo. Os elementos linguísticos correspondem a símbolos individuais, as frases a sequências simbólicas bem formadas e a sintaxe a combinações formais de símbolos ou de sequências que, através de regras de transformação, se transformam noutras sequências. A semântica absorve os princípios da

formalidade linguística pelo que o significado de uma expressão é conceptualizado como uma relação entre a expressão e um elemento de um modelo teórico e a verdade como a satisfação de um modelo do mundo. Dada a centralidade reconhecida à linguagem, o conhecimento constrói-se a partir das proposições.

Todo este enquadramento conceptual se harmoniza com a Lógica Formal, com a Inteligência Artificial, com a Linguística Generativa e com a Psicologia Cognitiva. Lakoff e Johnson (1999) afirmam que, na abordagem dominante, a razão é descorporizada e literal e, uma vez que o que é privilegiado são as funções cognitivas da mente, nem sequer é questionada a sua origem, o corpo ou o cérebro. A abordagem CRUM adopta, como base de sustentação para a arquitectura formal do pensamento e para a forma como perspectiva a relação entre o pensamento e a linguagem, um conjunto de postulados que a inscrevem na ciência cognitiva da primeira geração.

A contestação destes princípios teóricos e pressupostos ganha expressão através dos defensores da linguagem natural, sendo muitos postos em causa a partir da observação empírica da linguagem, e através da análise de corpora, o que tem efeitos não só metodológicos como também teóricos. Dando, então, resposta às questões provenientes da evidência empírica, a segunda geração da ciência cognitiva constrói uma epistemologia a partir de dois pressupostos centrais: o primeiro assinala a dependência do pensamento e do significado dos conceitos relativamente ao corpo humano; o segundo define o pensamento e a conceptualização como processos inerentemente «imaginativos», entendendo-se por imaginação a capacidade mental através da qual se formam imagens, originárias da percepção sensorial, uma dimensão corporizada (Gibbs, 1994; Gibbs & Colston, 2006; Lakoff, 1987; Lakoff & Johnson, 1999).

A mente corporizada, tal como a segunda geração da ciência cognitiva a concebe, rege-se pelos seguintes pressupostos: (1) as estruturas mentais caracterizam-se e definem-se em função da experiência corporizada, ou seja, em ligação com o corpo e com as experiências por que o corpo passa; (2) o raciocínio é corporizado na medida em que as inferências procedem de esquemas emergentes da experiência com o corpo; (3) o raciocínio é imaginativo porque as inferências corporizadas são projectadas em modelos abstractos de inferência através da metáfora; (4) o raciocínio é universal no sentido em que é uma

capacidade partilhada pela humanidade; (5) o pensamento é predominantemente inconsciente; (6) a estrutura do cérebro permite projecções de padrões de activação de áreas sensoriais e motoras para áreas superiores do córtex, padrões estes designados por metáforas primárias; (6) as metáforas são projecções que facultam a conceptualização de conceitos abstractos.

Ao ser reconhecida a centralidade do sistema conceptual e ao reflectir a abordagem do significado uma concepção corporizada da mente, os conceitos definem-se em função de pressupostos como: (1) as estruturas conceptuais têm a sua génese na experiência sensório-motora e nas estruturas neurológicas, sendo através dos esquemas imagéticos e dos esquemas motores que se estabelece a ligação entre a percepção e os conceitos; (2) os conceitos não são caracterizados através de regras com condições de necessidade e de suficiência mas através de estruturas de prototipicidade; (3) os conceitos abstractos são definidos através de metáforas conceptuais (Lakoff & Johnson, 1999).

Sintetizando, a segunda geração da ciência cognitiva centraliza a sua investigação no pensamento em interconexão com o significado. Este é concebido em função das estruturas imaginativas de natureza corporizada, que emergem da interacção do homem com o mundo e através da percepção. No cérebro, instanciam-se correlações neurológicas entre operações sensório- motoras e experiências subjectivas e, ao confluírem, activam em simultâneo as respectivas redes neurológicas.

Os racionais teóricos são construídos em função dos resultados empíricos e não por pressupostos previamente desenhados que predeterminam os resultados. Com este propósito, diferentes metodologias são adoptadas, sendo a evidência convergente a base para a construção de modelos, o que explica o estatuto de prioridade atribuído à dimensão empírica, no estudo da mente, constituindo uma prerrogativa metodológica da ciência cognitiva da segunda geração.