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A colocação das vozes e o posicionamento espacial

4. Entrevistas

4.3. Tópicos Relevantes Retirados

4.3.4. A colocação das vozes e o posicionamento espacial

Através da análise das respostas dadas pelos técnico foi percebido que estes fenómenos têm muitas semelhanças e a sua funcionalidade dependem de factores comuns.

Segundo os técnicos entrevistados, existem vários motivos que influenciaram a questão das colocações das vozes. Na sua generalidade foi observado que a evolução tecnológica contribuiu e ainda contribui para a evolução da sonorização de filmes. Quer seja pelos métodos de captação, pela calibração das salas, ou pela simples existência do novo sistema Dolby Atmos.

“Porque filma-se muito mais em Scope7, agora do que se filmava antes. O formato

CinemaScope, portanto 2.35 para 1. E este formato sinceramente permite mais facilmente colocar os sons fora do centro.” (BN)

Ou seja, existe uma série de evoluções tecnológicas que foram determinantes para a utilização das vozes fora do canal central. Já se explicou de que forma é que a Dolby contribui para a mistura dos filmes, mas não neste contexto específico. Com o desenvolvimento tecnológico “(…) a Dolby implementou alguns standards no que diz respeito essencialmente às curvas de equalização e às reduções de ruído, fez com que o diálogo pudesse ser mais exposto e de uma forma mais elegante, independentemente do sítio onde queiras tomar essa opção.” (HL) Juntamente com a evolução dos redutores de ruído e a melhoria dos equalizadores, há também o desenvolvimento no método de captação, que em primeira instância, é o factor fundamental para colocações no campo sonoro. “A própria técnica de gravação neste momento é diferente. É melhor, tem problemas piores porque tem mais ruído de fundo, mas tecnicamente é mais preservada porque há mais lapelas, portanto pode-se brincar, pode-se puxar um bocadinho um lapela para ali, sem perder nunca o centro, (…).“ (EF) Outro factor relevante é a melhoria da calibração das salas e do equipamento tecnológico de reprodução. “A questão também é

7 CinemaScope – Tecnologia utilizada nos anos 50 onde eram utilizadas determinadas lentes que

possibilitaram o formato de ecrã wdescreen. Ou seja a imagem passou a ser muito mais larga comparado com a imagem na película.

48 um bocado de medo, eventualmente porque lá está as salas de cinema são coisas muito frágeis. (…) Creio que muita gente pensando nisso sempre se preservou e se canalizou no canal central e ficou por aí.” (EF) “Se calhar no início, o fundamento da questão é sempre com questões técnicas (…). Se eu tenho uma voz muito importante para o filme, por mais que ela faça sentido em ir para o surround, se eu sei que existe a possibilidade de não ser bem reproduzida em algumas salas, eu vou pô-la no centro, ponto. (…) Antigamente havia mais possibilidade da coluna esquerda não estar a funcionar e agora não. Agora existem mais regulamentos e mais preocupação em que as coisas estejam melhores.” (DH) Existe também a possibilidade de que a existência dos novos formatos de surround tenha exercido alguma pressão na mistura. “Com o aparecimento do Atmos (…). Começou-se a tentar inovar um bocadinho e mudar um bocadinho estas convenções porque também já se percebeu que estamos sempre a fazer tudo da mesma forma.” (CN) “Se calhar era estranho a espacialização a nível de voz, para as pessoas que estão a assistir. Se calhar começou-se a abrir cada vez mais, e isso é pela experiência que tem vindo a ter o surround, porque agora também já estamos com o Dolby Atmos e já estamos por todo o lado.” (AS)

Já foi mencionada a influência que os realizadores têm, no contexto geral do processo de mistura, mas neste caso específico queria-se saber se eles limitam algumas escolhas ou se incentivam.

“Várias vezes até, mas não me lembro de nenhuma vez que depois de pedirem não tenham dito para tirar. (…) Funciona como conceito mas depois funciona na prática.” (TM)

“Os realizadores não arriscam muito que o espectador sinta esse desconforto (…).” (PM) “Eu acho também que os realizadores também já têm assim algum, felizmente, já têm assim algumas noções de som e começam também a fazer alguns pedidos, especificamente em relação a som.” (CN)

“Normalmente os realizadores que não te sugerem isso [colocação de vozes], normalmente não são muito exigentes do ponto de vista do som, não significa que não sejam atentos, mas normalmente é assim.” (HL)

Umas vez que apenas alguns realizadores têm a sensibilidade e percepção sonora, é normal que peçam para fazer colocações de vozes. Uma vez que o sucesso dessas colocações depende de vários factores, quer de necessidade de narrativa ou da qualidade da fonte em si, é possível que o deslocamento das vozes para fora do canal central esteja relacionado também com as exigências dos realizadores. Contudo, o factor da perda da continuidade do som que é habitual nas misturas, pode ter o efeito contrário uma vez que “os realizadores não arriscam muito que o espectador sinta esse desconforto (…).” (PM)

49 Para além da tecnologia e da abordagem criativa dos realizadores, existem também outros pequenos aspectos que podem ser fundamentais neste acontecimento. O primeiro está relacionado com o público e com a possibilidade que este já estar mais preparado “De uma forma muito simples, o espectador agora já tem mais informação. Tem também mais capacidade de imaginação, de reconstrução.” (EB) Tendo em conta que os sistemas surround já estão a ser utilizados, pelos menos, desde 1992, o público já tem quase 25 anos de experiência com estes sistemas, sejam eles no formato de 5.1, 7.1 ou até Dolby Atmos. O público já recebeu a educação suficiente para conseguir ter uma melhor percepção de som, daí não estranhar ou sentir-se incomodado quando são feitas colocações de vozes noutros canais. A sensação de desconforto e de estranheza está associada à colocação de vozes. De uma forma geral, um posicionamento espacial de um objecto de som pode também provocar estas sensações, ou àquilo que se chama a “quebra de realidade”. Isto acontece quando existem alguma coisa na sala de cinema que faz com o público saia da realidade cinematográfica em que está inserida. Este fenómeno pode acontecer por um corte não convencional na edição, por uma transição mais brusca ou pela transição e posicionamento de um som.

O principal objectivo de uma mistura é que a mesma não seja intrusiva, que não “quebre a realidade”. “Isso é que é o grande desafio do misturador.” (AS) “É isso que se luta por exactamente por não acontecer. E numa má mistura isso acontece. Um mau filme, um filme mau misturado, a cabeça da pessoa anda sempre à procura da origem do som e isso é perturbador e desliga a pessoa do ecrã.” (EF) “não quebrar a diegese é se calhar um dos principais trabalho do editor de som, que é conseguir encontrar meios-termos no meio daqueles cortes todos que às vezes saltam de um lado para o outro e conseguir inventar, muitas vezes, uma colocação de som e uma espacialização que não quebre a diegese.” (VP) A maior conclusão retirada das entrevistas é que depende do que foi feito nos restantes departamentos. “Só quando os outros elementos estão a apontar nessa direcção. Portanto, um movimento brusco de câmara, a maneira de como a cena está montada, tipo de corte que vai ser utilizado, que tipo de planificação é que foi utilizada, as reacções dos actores... Tudo isto ajuda. Mas o nosso trabalho é identificar estes elementos e alinhar nisto.” (BN) “A maneira como isso pode ser feito, acho que vai mesmo depender do conteúdo, do que é que estamos a ver, o que é que pode ser feito ali, e o que é que o realizador tem a dizer sobre isso.” (CN) “Não vejo propriamente um segredo, uma fórmula para isso. Acho que é toda uma combinação de esforços. Desde a narrativa, a história ou não, a maneira como está filmada, a interpretação dos actores, o som... É o todo do filme que pode contribuir para isso, para

50 que o espectador esteja durante o filme desligado da realidade envolvente e que esteja mergulhado no filme.“ (EB)

Mas a melhor maneira de contrair o fenómeno, independentemente da influência dos outros departamentos, é a utilização dos canais traseiros. “Utilizando o máximo o surround, é colocar-te o no ponto da cena, sendo que tens que alimentar todas as vias sonoras com todos os pequenos elementos que te fariam estar lá. (…) Só assim é que não te vai distrair mantendo-te confortável. Obviamente se levantares demasiado o volume para pormenores que estejam atrás de ti ou de lado isso vai colocar-te na cena, mas ao mesmo tempo distrair- te.” (AR) “Se brincar muito com o surround, isso é distractivo e é perturbador. Evitar isso o máximo possível, a não ser que seja intencional e que queira desviar a atenção da pessoa para uma coisa qualquer. Mas não pôr coisas em sítios, digamos assim, em que obrigue a pessoa a desviar a atenção do ecrã. A não ser que seja propositado (…).“ (EF)

Na realidade não existe uma fórmula para não criar uma mistura intrusiva. O que apenas existe é a percepção artística que o misturador tem perante o filme que lhe é apresentado e de acordo com as ferramentas tecnológicas, a qualidade da gravação, a edição do filme e as intenções do realizador, ele toma as decisões que melhor contribuem para a experiência do filme. “O segredo está em perceber o que é que o filme quer. O que é que o filme precisa.“ (EB)

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