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A competição no processo de formação desportiva

No documento A arbitragem no desporto escolar (páginas 58-61)

A competição é uma componente indissociável do desporto. A competição desportiva, de grosso modo, implica que “ganhe o melhor”. Com o intuito de aumentar a probabilidade de “ganhar o melhor” verifica-se a inclusão de árbitros, com a ideia subjacente de que, dessa forma, a competição tenha maiores probabilidades de decorrer de acordo com as leis do jogo. Para esse desiderato, o árbitro deve conquistar um estatuto de inatacabilidade, na medida em que tem de fazer respeitar as leis e o espírito de jogo, seja nas formas mais simplificadas do jogo e desde as idades mais baixas, seja na expressão mais evoluída e sofisticada do desporto de alta competição.

Ainda que vista por alguns como uma componente subjacente ao desporto, com contornos nefastos, a verdade é que a grande maioria dos intervenientes considera a competição como fundamental para o desenvolvimento dos jovens atletas e obtém distinção como o elemento estruturante de toda a formação desportiva. A este propósito, Marques (2004) considera que muitos pedagogos se tenham oposto com grande resistência à adoção do desporto como um modelo de educação e de formação dos mais jovens, na medida em que promove valores exacerbados de concorrência e de individualismo. No entanto, na nossa sociedade verificamos esses valores inerentes ao seu próprio funcionamento, na medida em que ela é competitiva. “A sociedade é um sistema que funciona à base de oposições, de lutas, de competição” (Costa, 2005, citado em Pereira, 2007, p. 31). Assim, a competição assume-se como uma ferramenta social e cultural, sendo o uso que se faz dela, que determina a qualidade do processo de educação e formação dos jovens desportistas (Bento, 1999).

Ainda neste âmbito, Gonçalves e Silva (2007) justificam a existência de programas desportivos para a juventude com o facto da prática desportiva contribuir para a formação integral dos jovens, dado que é na infância e na juventude que os indivíduos estão mais predispostos a serem influenciados pela educação, pelo que a prática desportiva das crianças e jovens é fomentada e incentivada. Nesta linha de pensamento surge a opinião de Bento (2004), que defende que o desporto é uma cultura de relações e condutas humanas, um códice de normas de trato humano duramente posto à prova em situações de tentação e dificuldade, como são as do jogo e da competição.

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Relativamente à questão, Marques (2004, p. 77) advoga que “a competição – o jogo – é o elemento mais estruturante de toda a formação desportiva da criança e um aspeto determinante da sua educação, na sua preparação para a vida”. O mesmo autor acrescenta que o Homem, na sua relação com a natureza e consigo próprio, entendeu a competição como um fator de humanização e progresso. Ainda na mesma linha de pensamento, Júnior (2004, citado em Pereira, 2007) considera que apesar de existir enorme identificação entre desporto e competição, esta não é um fator exclusivo das experiências desportivas, reflete valores e objetivos sociais de diferentes setores da vida, no qual o ser humano compete: família, escola, trabalho e sociedade. Assim, o valor educativo e formativo do desporto, através da competição é inquestionável, pelo que retirar esta componente ao desporto seria desvirtuá-lo. A competição é a essência do desporto, sem a qual este próprio deixa de o ser (Marques, 2004).

Por outro lado, numa teoria que podemos considerar de meio-termo, há quem defenda que em vez de se retirar a competição ao desporto, se devam ignorar os resultados, ou seja, equiparar o valor da derrota e da vitória. A este propósito, Marques (2004) considera que este tipo de discurso é um erro que se incorre com frequência, devido a um excesso de pedagogia. Acrescenta, ainda, que ignorar o significado da avaliação que a atividade proporciona à criança é limitar o desporto a uma questão quase biológica, sem o sentido principal que ela lhe atribui. Ao encontro desta ideia posiciona-se Lee (1999, citado em Pereira, 2007) que defende que todas as crianças gostam de se auto avaliar, tanto em confronto com aquilo que antes eram capazes de fazer, como em confronto com os outros, e são ambas as coisas que lhe dão uma medida do seu progresso. Assim, a competição assume-se como uma oportunidade de avaliação de capacidades, na comparação consigo e com os outros, de criação de uma boa imagem social e de aquisição e desenvolvimento de valores para uma vida em sociedade. Salienta-se, contudo, que nesta fase de início do processo desportivo, a criança não vê a competição como um meio de superioridade sobre os demais, mas sim como motivo de afirmação de competências (Oliveira, 2007).

Para Marques (2004), a competição deve ter regras e princípios, ajustados aos modelos de formação, na medida em que a criança terá dificuldade em rever-se num modelo de desporto sem vencedores, nem vencidos. Deste modo, compreendemos a importância que assume a competição para a formação do jovem praticante, não devendo por isso exclui-la do universo

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de possibilidades da criança, mas antes reconstrui-la à sua imagem, como destaca Marques (2004, p. 76), “Pensá-la mais à medida dos interesses, expetativas e necessidades da criança (…) construir uma competição que não apenas corresponda à sua vontade de manifestar as suas capacidades, mas seja também compatível com as suas aptidões e competências”.

No entanto, e apesar de regulamentações com preocupações de ajustamentos técnico- pedagógicos, deparamo-nos com quadros competitivos no desporto juvenil e, de forma muito particular, no desporto escolar, muito tradicionais, com estrutura, regulamentos e conteúdos muito próximos aos dos adultos. Ainda se constata que a competição nas etapas iniciais do processo de formação desportiva continua a ser orientada à imagem do treino do atleta adulto, ou seja, perspetivado segundo a lógica do rendimento e da obtenção de resultados significativos, tão depressa quanto possível (Fonseca, 2004; Marques, 2004). Face a esta realidade, muitos autores chamam à atenção para a necessidade de alterar o panorama geral das competições para jovens. Lee (1999, citado por Pereira, 2007) advoga que se deve permitir que cada jovem possa competir num nível adequado à sua capacidade e que isso proporcione um desafio realista, possibilitando a experimentação da competição.

Do ponto de vista da contextualização da figura do árbitro no seio da competição desportiva, devemos considerar que esta constitui um espaço em que os jovens, para além de desenvolverem a capacidade de superação, devem igualmente desenvolver os valores do respeito e o significado das regras. Nesta linha, Relaño (2000) alerta para considerarmos, na participação competitiva, a superação baseada na tolerância, no respeito, na grandeza das relações sociais e nas manifestações plurais.

Ainda assim, importa atentar, como alertam Gonçalves e Silva (2007), para a contradição entre a exacerbação da excelência destinada ao espetáculo global - no desporto profissional – e a prática motivada pelo prazer ou pela busca da saúde e beleza, que traz consigo um abalo profundo à ideologia que fundamenta a formação desportiva dos jovens praticantes: correspondência entre a base e a elite, carreira balizada por etapas de preparação e norteada pelos valores de disciplina, perseverança, apego ao grupo e respeito pelas regras escritas ou tácitas e, neste âmbito, muito particularmente, o respeito à figura daquele que na competição desportiva é responsável pelo cumprimento das leis do jogo.

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Assumindo claramente que o desporto “faz bem”, aceita-se também que o desporto possa “fazer mal”. O potencial educativo da prática desportiva continua incólume e continua a ser um veículo precioso de aprendizagem de valores de afetividade, solidariedade e de cidadania. Torna-se necessário o conhecimento aprofundado da realidade, sabendo o que pensam e em que acreditam os jovens praticantes, árbitros incluídos, as suas famílias e os responsáveis técnicos e pelas organizações.

Pelo exposto, a competição é uma componente subjacente ao desporto, desempenhando um papel crucial para a formação de crianças e jovens, devendo estar presente na prática desportiva desde os momentos iniciais, embora a mesma deva ser enquadrada num ambiente festivo, de cooperação e partilha, desde logo com preocupações pelo respeito pelas regras, pelos colegas das equipas com quem se joga e por aqueles que têm a incumbência de supervisionar as leis de jogo.

No documento A arbitragem no desporto escolar (páginas 58-61)