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Categoria “Aspetos formativos”

No documento A arbitragem no desporto escolar (páginas 124-129)

4.4. Dimensão “Significado social da arbitragem”

4.4.1. Categoria “Aspetos formativos”

Nesta categoria pretendemos percecionar as características e traços de personalidade mais valorizados no exercício da arbitragem, bem como, captar o entendimento dos agentes auscultados, sobre o contributo formativo da mesma e, nela, que competências consideram ser as mais desenvolvidas (Quadro 14).

Quadro 14. Categoria - Aspetos formativos

Subcategorias (Número de US) Professores (Número de US)Alunos (Número de US)Árbitros (Número de US)Dirigentes

Características valorizadas Imparcialidade 7 6 6 2 Autoridade/liderança 5 3 4 1 Condição física 1 2 1 - Competências desenvolvidas Sócio afetivas 8 6 4 1 Cognitivas 3 2 2 2 Motoras 1 3 1 - Total 25 22 18 6 US – Unidades de Significado

Da auscultação dos agentes participantes no nosso estudo, independentemente das funções que exercem, resulta a valorização atribuída, fundamentalmente, a três características tidas como essenciais no exercício da arbitragem: a imparcialidade, referida por quase todos os inquiridos, seguida da autoridade/liderança e da condição física, esta sobretudo referida por parte dos alunos.

“…saber gerir situações imprevisíveis, sabermos impor-nos porque estamos ali numa posição de juiz, de autoridade e liderança. Também sermos objetivos e isentos.” (Aluno 6)

“Os árbitros devem ser justos, ponderados, não devem roubar as equipas... Devem ter boa preparação física, às vezes é o que me falta.” (Aluno 3)

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“Um árbitro deve ser líder, mostrar liderança, ter uma boa autoestima, elevada, para saber lidar com as situações que vão aparecer, deve ter uma boa condição física e mostrar imparcialidade durante o jogo.” (Árbitro 4)

As opiniões dos nossos entrevistados, não tendo sido encontrada literatura relacionada com o desporto escolar, estão em linha com estudos sobre o desenvolvimento de aspetos gerais da prática do desporto escolar, tal como aquele realizado por Pina (1997) que evidencia o desenvolvimento da autonomia, responsabilidade e sentido crítico. No campo da arbitragem, num contexto geral, Reis (2005, p. 57) advoga que “as quatro qualidades fundamentais de um árbitro são: honestidade e imparcialidade, com um sentido de justiça apurado; conhecimento aprofundado das leis do jogo e domínio perfeito das mesmas; adequada preparação física e personalidade forte e equilibrada”.

Em consonância com os resultados obtidos, no âmbito de um estudo sobre árbitros de futebol de 11, Sarmento, Marques e Pereira (2015) constataram que os valores éticos e deontológicos surgem como uma importante representação do significado de arbitragem. Os autores dão ainda conta da importância atribuída aos valores como a idoneidade, isenção, responsabilidade, respeito e dignidade, mas igualmente a aspetos de ordem física, psicológica e de conhecimento das leis de jogo, alguns destes apontados pelos nossos entrevistados.

Relativamente ao contributo formativo da prática da arbitragem no desporto escolar, os nossos inquiridos são unânimes em considerar a importância da mesma na formação integral do jovem árbitro destacando, de forma generalizada e transversal aos quatro agentes auscultados, o desenvolvimento de competências socioafetivas, das competências motoras e, em menor número, das competências cognitivas.

“Acho que crescemos um bocado. Tornamo-nos mais responsáveis. O facto de gerir tudo o que acontece dentro do jogo, dá-nos uma maior bagagem para gerir conflitos e situações mais problemáticas que também ajudam no dia-a-dia. Faz-nos crescer.” (Aluno 2)

“A participação na arbitragem contribui, sem dúvida, para a minha evolução, sobretudo em termos de personalidade. Sinto-me mais capaz, capaz de arregaçar as mangas e ultrapassar obstáculo. Destaco a forma de lidar com vários desafios, com a pressão, acabar com conflitos e às vezes não eu mesmo não criar conflitos.” (Árbitro 3)

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“Sim, sem dúvida que contribui. Um árbitro tem de saber liderar, portanto tem de ser uma pessoa calma, sensata, saber estar, ter comportamentos dignos, porque tem muita gente a vê-lo, a observá-lo. Isso acarreta um grande desenvolvimento pessoal... Competência, em particular, destaco a responsabilidade. Um árbitro tem muitas responsabilidades, não só a preparação do jogo, como antes do mesmo com as questões burocráticas e também no final do jogo também com o preenchimento de relatórios e fazê-los chegar às entidades dentro dos prazos estabelecidos.” (Dirigente 3)

“Claro que contribui. Sobretudo a responsabilidade, saber gerir conflitos e conhecer as regras, que promove o desenvolvimento cognitivo.” (Professor 2)

A generalidade dos entrevistados valoriza, essencialmente, os aspetos sócio afetivos, justificados por ser um projeto que promove a integração escolar, os hábitos regulares de prática desportiva e o desenvolvimento social e relacional dos alunos (Brandão, 2010). A este propósito, Silva (1999) refere a importância e o potencial que o desporto escolar revela na capacidade de promoção da formação integral do indivíduo, nomeadamente nos aspetos sociais e emocionais. Segundo este autor, o desporto, em geral, e o desporto escolar, em particular, são meios que proporcionam ao aluno a possibilidade de aperfeiçoar as suas competências sociais, morais e emocionais, nomeadamente o caráter, o espírito de grupo e de entreajuda, a capacidade de sacrifício e a transposição de adversidades.

O desporto escolar permite que alunos, professores e demais pessoas envolvidas neste fenómeno, de diferentes escolas, se conheçam, confraternizem e estreitem relações recíprocas de amizade e franco convívio. Nessa linha de pensamento, Meneses (1999) considera o projeto e as atividades que dinamiza, como sendo uma das formas mais ricas que a escola dispõe para promover a autonomia cultural, pois contribui para a formação integral do aluno na sua individualidade, favorecendo a sua integração na sociedade. Neste âmbito, um dos entrevistados destaca a participação na arbitragem no desporto escolar, como um inestimável fator de integração.

“No nosso caso, os alunos que participam na arbitragem nem são os melhores da escola. São alunos com alguns problemas de inserção e a arbitragem permite a inclusão na própria escola. Ficam mais responsáveis e participativos. Ajuda-os nesse todo social e na escola a terem um maior sentido de responsabilidade. É importante na vida deles e para o seu futuro, porque se sentem úteis e que estão a fazer um bom trabalho na comunidade.” (Professor 6)

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O facto de o desporto escolar não estar vinculado a uma avaliação formal, cria condições para que alunos problemáticos possam fortalecer laços motivacionais com a entidade escola, favorecendo-lhes a plena integração na comunidade escolar. Estas opiniões alinham com a bibliografia existente sobre a temática, a qual sugere que a participação em programas de atividade física produz efeitos positivos sobre o desenvolvimento cognitivo e a memória, para além de estimular a neurogénese e melhorar a saúde mental e cerebral dos alunos (Freire, 2010; Hallal, Victoria, Azevedo, & Wells, 2006).

Pelo exposto, constatamos que o desporto escolar e a prática da arbitragem no seu seio, pode ter contornos de enorme relevância na formação integral dos participantes, na medida em que possibilita e potencia o desenvolvimento de competências sociais, motoras, cognitivas, relacionais e pessoais.

No que diz respeito a ganhos e aprendizagens com a prática da arbitragem, os alunos e árbitros destacam as amizades e experiências do ponto de vista social, nomeadamente a possibilidade de conhecer e conviver com novas pessoas. Por outro lado, destacam também o sentido de responsabilidade.

“Acho que crescemos um bocado. Tornamo-nos mais responsáveis. O facto de gerir tudo o que acontece dentro do jogo, dá-nos uma maior bagagem para gerir conflitos e situações mais problemáticas que também ajudam no dia-a-dia.” (Aluno 6)

“No geral, no desporto escolar e no federado, ganhei sentido de responsabilidade, experiência, muitas amizades, fortalecendo algumas e fazendo novas.” (Árbitro 1)

A responsabilidade é um dos aspetos mais focados, algo que está em consonância com a opinião de Bento (2004) ao defender que o hábito de assumir responsabilidades é uma das atitudes e valores que a prática de desporto promove. O mesmo autor é defensor que o desporto escolar, enquanto atividade extracurricular, contribui para a realização de incumbência sociopedagógica na escola, nomeadamente ao nível do desenvolvimento integral dos alunos, algo destacado pelos nossos inquiridos que, de uma forma transversal, consideram que a prática da arbitragem contribui para a formação integral dos indivíduos que a exercitam.

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Nas opiniões emitidas relativamente a experiências marcantes vivenciadas no desporto escolar, relacionadas com a arbitragem, foram quase sempre referenciadas situações negativas, algumas das quais, do foro regulamentar, num quadro de incumprimento, bem como episódios de competição exacerbada, aspetos que já foram escalpelizadas neste estudo, na primeira dimensão.

“Já fiquei triste porque sei que há equipas que jogavam com raparigas da minha idade e a minha professora não deixou. É injusto.” (Aluno 8)

“…talvez quando um árbitro de outra equipa teimava em marcar uma coisa que não tinha acontecido, depois de eu marcar um penalti. Houve uma grande confusão, até com professores ao barulho.” (Aluno 2)

De entre as opiniões recolhidas, destacam-se algumas opiniões de professores que dão ênfase a episódios de violência, situações obviamente muito reprováveis e que deveriam ser motivo de profunda reflexão.

“...protestos do professor marcaram-me. Por um lado, negativamente: ele chateou-me tanto que tive vontade de abandonar o campo e ir embora. Mas por outro lado positivo: os próprios alunos dele incentivaram-me a continuar e ganhei algumas amizades naquela equipa. Era a equipa que vinha de fora, não era a da minha escola.” (Árbitro 5)

“As reações, por vezes violentas por parte dos alunos quando perdem o jogo, inclusive violência física. Noto isso ainda mais no futsal. Também os conselhos, pouco pedagógicos, que os próprios profissionais dão aos seus jogadores/alunos para ganharem um jogo, como as indicações para fazerem faltas, ou ainda, as declarações falsas relativamente à idade dos jogadores, para com isso tirarem vantagem. Descobri isso posteriormente quando passei de uma escola para a outra no ano seguinte. Nós não pedimos identificação para não criar atritos, mas há colegas que fazem isso.” (Professor 6) “De forma positiva, algumas boas equipas e alguns bons resultados que tivemos, em escolas mais rurais em que os alunos valorizavam muito os resultados. Negativamente, comigo diretamente nunca se passou nada de anormal, a não ser algumas situações de conflitos dentro de campo entre jogadores, mas ao longo dos anos, os meus colegas já me relataram casos de violência e ofensas entre intervenientes e mesmo público a assistir. E até situações tristes, como colegas que utilizam jogadores sem idade para o escalão.” (Professor 8)

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A propósito das experiências vivenciadas pelos agentes auscultados, nomeadamente aqueles que participam no desporto escolar, e que relatam situações de competição exacerbada, que se traduzem em infelizes episódios, sublinhe-se a posição de Gonçalves (1999), que considera que ganhar é um objetivo importante, mas que não se pode tornar um fim em si mesmo. Neste sentido, a vitória não pode ser conseguida a qualquer preço e deve trazer consigo valores como o respeito, a tolerância, a verdade e a retidão (Lima & Marcolino, 2012).

Ainda em relação às situações descritas pelos nossos entrevistados, que referenciam muitas vezes o desejo de profissionais da Educação Física, responsáveis de grupos-equipa, em alcançar a vitória a qualquer custo, na opinião de Marivoet (1998, citada em Meneses, 1999) assiste-se na escola a comportamentos antiéticos da mais variada espécie, reveladores de uma reprodução do valor exacerbado da vitória obtida a qualquer preço, e que em nada favorecem a correta promoção da prática desportiva como um hábito para a vida.

Neste quadro pouco agradável, impõe-se citar Mendes (2012, p. 13): “Fazer desporto é totalmente incompatível com a prática da violência”.

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