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4 O CENÁRIO CONVERGENTE DAS MÍDIAS DIGITAIS

4.3 A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS

Para compreender como se dá o discurso político nas redes, além de analisar as especificidades, as influências da evolução das redes digitais na comunicação social, é também indispensável conhecer as principais características da comunicação política nas mídias digitais. Seguindo a concepção dialógica bakhtiniana de que “as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama para todas as relações sociais, em todos os domínios” (BAKHTIN, 1982, p. 123), pressupomos que todo enunciado (discurso, postagem etc) é uma criação coletiva e dialógica de palavras e ideias heterogêneas, adequadas ao meio e ao perfil dos seus interlocutores.

A palavra se orienta em função do interlocutor. Na realidade, a palavra comporta duas faces: procede de alguém e se dirige a alguém. Ela é o produto da interação do locutor e do interlocutor; ela serve de expressão a um em relação ao outro, em relação à coletividade. (Ibid., p.113)

Essas características também são evidenciadas, conforme citado anteriormente, na comunicação das redes 3.0 - ambiente em que os fluxos de mensagens entre emissores e receptores realiza-se de modo multidirecional, diverso e com o sentido de proximidade e/ou intimidade de uma relação onipresente (always on). No âmbito político, é notável que os respectivos discursos, ao serem postados nas mídias digitais, também se apropriam dessas características da linguagem nas redes. E não poderia ser diferente. Afinal, a eficiência de um processo comunicacional depende da adequação e do uso coerente dos meios nos quais as mensagens circulam. Os antigos pronunciamentos de discursos políticos em palanques e os debates público-privados33 realizados em cafés, cujas práticas eram comuns na esfera pública burguesa do séc. XIX, por exemplo, respeitam uma lógica de interação completamente diferente daquela que acontece na sociedade híbrida-contemporânea (CASTELLS, 2006). E o mesmo vale para os discursos políticos atuais, veiculados em diferentes meios. Um texto produzido para o pronunciamento de uma autoridade em espaços públicos, quando publicado nas redes sociais, precisa adequar-se a esse novo ambiente e para os múltiplos perfis existentes no universo online.

Sob o ponto de vista da produção, o discurso político-deliberativo, cujo objetivo principal é a adesão de ideias, possui algumas peculiaridades, que o difere dos demais tipos discursivos. De acordo com Citelli (2004, p. 85):

O discurso político tem como referências a atribuição de propriedades únicas e pessoais, tem caráter enunciador, [...] possui tom apelativo, apropria-se de fórmulas para uma rápida aproximação com o público, possui viés ideológico e utiliza a palavra como espetáculo.

Tendo em vista que a palavra é um signo verbal ideológico e que, portanto, estimula manifestações individuais e coletivas, compreendemos que o discurso político tende a condicionar-se à manifestação pretendida. Isso significa que o que se pronuncia é aquilo que se pretende mostrar e sobre aquilo que se espera ouvir. E, para isso, a construção do discurso

político é elaborada cuidadosamente, com uso de palavras e recursos estratégicos, a fim de que a ideia final pretendida leve o público à sua adesão. Segundo Charaudeau, “é a linguagem, em virtude do fenômeno de circulação de discursos, que permite que se constituam espaços de discussão, de persuasão e de sedução, nos quais se elaboram o pensamento e a ação políticos” (CHARAUDEAU, 2006, p. 39). Os primeiros estudos sobre estratégias de formação discursiva, realizados pelo filósofo Aristóteles na Grécia Antiga, sugerem que um discurso deliberativo - a exemplos do político e, também, publicitário (cuja hipótese de similaridade com o discurso do ex-governador Marcelo Déda é tratada nesta pesquisa) -, tende a utilizar técnicas retóricas, pois o seu objetivo principal está na persuasão. De acordo com Wilson Gomes (2004), com o crescimento da competitividade e com a evolução da sociedade de massa, a velocidade, instantaneidade, visibilidade, simultaneidade e espetacularização criaram novos padrões de produção de sentido no discurso político. E assim o uso da persuasão tornou-se cada vez mais fundamental no discurso dessas autoridades públicas.

Os acontecimentos que surgem no espaço público não podem ser reportados de maneira exclusivamente factual: é necessário que a informação seja posta em cena de maneira a interessar o maior número possível de cidadãos – o que não garante que se possam controlar seus efeitos. Sendo assim, as mídias recorrem a vários tipos de discursos para atingir seus objetivos. (CHARAUDEAU, 2007, p. 60)

Com base nesse pressuposto e nos resultados obtidos com esta pesquisa, deduzimos que, quando um discurso produzido para um determinado pronunciamento é também disseminado nas redes sociais, é preciso que ele se adéque à linguagem desses ambientes, assumindo características de velocidade, intimidade, instantaneidade, entre outras - próprias da comunicação em rede. Para tanto, os produtores do discurso político costumam recorrer a diversas técnicas de comunicação persuasiva, a fim de despertar o interesse coletivo por meio de uma interação com indivíduos. No Twitter, por exemplo, a comunicação política tende a se fragmentar em 140 caracteres (limite permitido por postagem) e, para que a informação veiculada seja objetiva e completa, também é comum o uso da repetição para a sua memorização. Conforme já citado anteriormente, também é comum o uso de indexadores e abreviaturas, além de links, linguagem coloquial, abreviaturas, interjeições, gírias e de uma

mesclagem temática entre posts34. Essas são as principais estratégias que identificamos nos discursos governamentais postados por Marcelo Déda em sua página pessoal do Twitter. A adequação do discurso oficial à linguagem das redes populariza a comunicação política, facilitando e aproximando cidadãos comuns de autoridades públicas - o que resulta, muitas vezes, em uma ilusória relação de intimidade. Na investigação realizada para esta pesquisa, confirmamos essa relação de proximidade de MD com seus interlocutores e também identificamos a variedade de temas que ele abordava em sua página. Segue a demonstração abaixo.

Exemplo 1: Tenho 51 anos nas costas e 22 no coração... RT @henriquesena: Engraçado o nosso

governador @MarceloDeda falando ""broder"" kkk

Exemplo 2: Amigos, aqui em Bsb são 22:27!!! Vou pegar a sopinha e dormir. Pra semana tem mais

""Audiência no Twitter."" Quem sabe uma twitcam?

Exemplo 3: RT @valter_jornal: Não tinha como ser diferente: @MarceloDeda eleito melhor twitteiro

de SE. E isso não tem a ver com política.

Exemplo 4: Desculpem-me, mas agora me veio uma idéia talvez despropositada. E se eu anunciasse o

reajuste aqui no Twitter? Que acham? Opinem.

Exemplo 5: RT @varetinha07: Muito legal a interação do governador @marcelodeda com as pessoas

através do Twitter. Parabéns.

Exemplo 6: RT @territorioideia: @MarceloDeda o único governador que interage com o cidadão no Twitter. Parabéns, assim que se faz. Fica o exemplo.

Exemplo 7: Obrigado!----RT @alyneneco: @MarceloDeda Parabéns pela sua interatividade com a

população no Twitter!

Exemplo 8: Bom, são 13 horas, hoje, sábado. Vou encerrar o expediente, liberar o pessoal e tomar

uma cerveja...sem álcool. Bom fim-de-semana pra todos!

(Twitter@MarceloDeda, 2010)

Na sequência acima, Déda utiliza uma linguagem coloquial com características próprias das redes sociais, a exemplo do uso de gírias, abreviaturas, indexadores, diálogos e de postagens em primeira pessoa. A respeito desse conteúdo, verificamos que Déda divulgava e mesclava assuntos de cunho pessoal e governamental, além de retuitar comentários que

34 Mensagem que se publica em uma página de internet (disponível em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/posts).

reforçavam o seu ethos discursivo: de um governador trabalhador (“expediente no sábado”), humano (“tomar uma cerveja”) e responsável (“... sem álcool”).

Essa personalidade de Marcelo Déda, também foi evidenciada nos resultados desta pesquisa, conforme os gráficos abaixo, sobre a grande variação de eixos temáticos encontrados em seu Twitter.

Gráfico 3 – Postagens de MD, separadas por temas, referentes a 2010. Fonte: RODRIGUES, Carolina (2015).

De acordo com os resultados acima, constata-se que o ex-governador Marcelo Déda intercalava muito bem suas postagens, com diferentes temas. Inicialmente, mais da metade dos seus posts referiam-se à política (31%) e à divulgação de ações governamentais (20%). Vale lembrar que este foi o ano em que ocorreram as eleições governamentais cuja Lei n. 12.034 - que autorizou o uso das redes sociais nas campanhas eleitorais - passou a ser aplicada no Brasil. Nesse período, Déda era candidato à reeleição ao cargo de chefe do executivo estadual, saindo vitorioso. Já, no ano de 2011, MD passou a dar mais ênfase às informações de governo e a valorizar sua imagem pessoal na Twitter, conforme demonstrado no gráfico abaixo. 31% 19% 1% 3% 2% 44%

POLÍTICA AÇÕES GOVERNAMENTAIS REPERCUSSÃO DE AÇÕES GOV.

Gráfico 4 – Postagens de MD, separadas por temas, referentes a 2011. Fonte: RODRIGUES, Carolina (2015).

O gráfico acima comprova que no primeiro ano, como governador reeleito, a divulgação de ações governamentais (33%) aumentou junto às postagens de temas diversos (54%), cujo conteúdo contempla assuntos relacionados à família, esporte, datas comemorativas, homenagens, agradecimentos e gostos pessoais. Isso demonstra a importância e a visibilidade que MD pretendia dar às ações do governo, na sua segunda gestão da administração pública estadual, mas sempre preservando o perfil humanizado (ethos) - de um ser social diverso -, assumido por Déda na sua página do Twitter. No ano seguinte, a interação do ex-governador com seus interlocutores, na rede, foi direcionada à divulgação de obras públicas e de questões relacionadas a sua saúde, conforme os resultados do gráfico abaixo.

12% 25% 8% 1% 0% 54%

POLÍTICA AÇÕES GOVERNAMENTAIS REPERCUSSÃO DE AÇÕES GOV.

Gráfico 5 – Postagens de MD, separadas por temas, referentes a 2012. Fonte: RODRIGUES, Carolina (2015)

Em 2012, destaca-se a grande repercussão (RTs) que Déda deu às ações governamentais postadas (16%), no sentido de demonstrar a continuidade das ações do seu governo. Nesse ano, também cresceram as postagens relacionadas à sua saúde (11%), e isso se deve ao fato de que foi em 2012 que Déda iniciou seu tratamento quimioterápico contra o câncer. Em função da doença, o ano seguinte foi muito marcado por postagens com foco emocional, especialmente por aquelas relacionadas a assuntos pessoais (37% sobre temas diversos, 20% sobre a saúde pessoal e 10% sobre poesias). Essa mudança de abordagem em sua página do Twitter pode ser identificada no gráfico abaixo, referente a 2013 – ano em que a sua doença agravou-se, resultando no seu falecimento.

19% 20% 16% 2% 11% 32%

POLÍTICA AÇÕES GOVERNAMENTAIS REPERCUSSÃO DE AÇÕES GOV.

Gráfico 6 – Postagens de MD, separadas por temas, referentes a 2013. Fonte: RODRIGUES, Carolina (2015).

Fazendo uma avaliação a respeito da evolução temática dos posts de Déda, entre 2010 e 2013, constatamos que os dois primeiros anos da sua segunda gestão foram marcados por divulgações de ações governamentais e debates em torno de questões políticas. Já os dois últimos anos tiveram os temas pessoais mais expostos na página do Twitter do ex-governador, com destaque para a evolução do doença desenvolvida e para a contemplação à vida, demonstrada por meio de tweets sobre poesias, família e experiências pessoais. O ano de 2013, especialmente, foi marcado pela grande emoção de quem, por um lado, sofria de uma doença fatal e lutava contra ela; por outro, desejava compartilhar os últimos e intensos dias de sua vida.

De acordo com a concepção de Charaudeau (2007), sobre o uso da emoção no discurso das mídias, esse recurso retórico deve ser utilizado e mensurado de acordo com o retorno dado pelo interlocutor da mensagem. O termômetro, neste caso, depende do contexto no qual o discurso e o emissor estão inseridos e de como se estabelece essa relação dialógica. Segundo essa concepção:

Para satisfazer o princípio de emoção, a instância midiática deve proceder a uma encenação sutil do discurso de informação, baseando-se, ao mesmo tempo, nos apelos emocionais que prevalecem em cada comunidade sociocultural e no conhecimento dos universos de crenças que aí circulam –

13% 12% 8% 10% 20% 37%

POLÍTICA AÇÕES GOVERNAMENTAIS REPERCUSSÃO DE AÇÕES GOV.

pois as emoções não são um inefável aleatório. Elas são socializadas, resultam da regulação coletiva das trocas. (CHARAUDEAU, 2007, p. 92)

A instância da circulação discursiva que representava, antigamente, a intermediação entre o emissor e o receptor, a partir da participação ativa e colaborativa de todos os interlocutores, passa a ser agora “transformada em lugar no qual produtores e receptores se encontram em jogos complexos de oferta e reconhecimento” (BRAGA In: MATTOS org., 2012, p. 39). Nessa relação de troca, em que o discurso é o produto da interação social entre as diversas vozes envolvidas na enunciação, fica mais fácil compreendermos a importância da circulação das mensagens no processo comunicacional. Sobre as experiências de comunicações políticas bem-sucedidas no Twitter, realizamos um levantamento dos principais casos que se tornaram referências para os usuários da rede. O assunto é tratado no tópico a seguir.

4.4 POLÍTICA EM 140 CARACTERES: CASES DO TWITTER NO MUNDO, BRASIL