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A concepção de língua e gramática: a teoria gerativista

No documento Adriana Martins Simões (páginas 33-37)

Capítulo II: Algumas questões teóricas

2.1. A concepção de língua e gramática: a teoria gerativista

Nesta parte esboçaremos alguns dos principais conceitos e pressupostos da teoria gerativista (CHOMSKY, 1981, 1986, 1999) que darão subsídios para a teoria de aquisição/aprendizagem de LE adotada e para nossa perspectiva de língua e gramática.

Em nossa pesquisa lidamos com a concepção de língua enquanto entidade biológica, internalizada, presente na mente/cérebro de um indivíduo, conforme os pressupostos teóricos gerativistas (CHOMSKY, 1981, 1986, 1999), que

combinamos, conforme dito anteriormente, com a abordagem da língua enquanto fenômeno social.

De acordo com Chomsky, todos os seres humanos seriam dotados de uma capacidade linguística inata, comum à espécie humana, de modo que haveria na mente/cérebro um componente dedicado à linguagem denominado faculdade da

linguagem.

Há algumas questões centrais nesse modelo teórico (CHOMSKY, 1986:3)18,

sendo que para as duas últimas (CHOMSKY, 1999:55), que fazem interface com as ciências biológicas, não há todavia respostas:

(i) O que constitui o conhecimento da linguagem? (ii) Como esse conhecimento é adquirido?

(iii) Como o conhecimento da linguagem é colocado em uso?

(iv) Como é que estas propriedades da mente/cérebro evoluíram na espécie? (v) Como é que estas propriedades se realizam nos mecanismos do cérebro?

Em relação à primeira questão, o conhecimento da linguagem seria a existência de uma gramática, uma língua-I na mente/cérebro de determinado indivíduo. Essa gramática seria o estado final de aquisição de determinada língua, após a fixação de todos os parâmetros, dando origem a uma língua internalizada na mente/cérebro. Língua-I, nesse sentido, que representa o conhecimento linguístico atingido, difere de língua-E, que constitui um objeto externo.

Quanto à questão da aquisição, esta se daria pela interação do aparato mental especificado para a linguagem humana, a GU — composta por princípios universais comuns a todas as línguas naturais, que restringem a forma de todas as línguas e que constituiria o estado inicial da aquisição — com a experiência do ambiente linguístico, a partir da fixação de parâmetros.

Já em relação à terceira questão, esta se relaciona à forma como o conhecimento linguístico atua na expressão e compreensão da língua, que são áreas relacionadas às teorias de performance. Segundo Chomsky (1986:9), o conhecimento linguístico seria algo diferente do desempenho linguístico, uma vez que conhecimento é um estado da mente/cérebro de um indivíduo, é sua

competência, nos termos do autor, enquanto desempenho significa colocar esse

18 As questões (i), (ii) e (iii) são traduções minhas do texto original de Chomsky (1986:3):

(i) What constitutes knowledge of language? (ii) How is knowledge of language acquired? (iii) How is knowledge of language put in use?

conhecimento em uso, o que se denomina performance. Assim, duas pessoas poderiam ter um mesmo conhecimento, mas uma forma diferente de colocar esse conhecimento em uso. Além disso, o desempenho linguístico pode sofrer alterações sem que haja mudança no conhecimento linguístico, pois o conhecimento permanece estável, enquanto o desempenho pode apresentar declínios ou melhoras.

Conforme Chomsky (1981), a GU seria o estado inicial da faculdade da linguagem e a criança, nos primeiros anos de vida, fixa, por meio da experiência linguística, os parâmetros da língua a que está exposta, até atingir uma gramática

particular, que seria o estado final, denominada gramática nuclear19. Além desta, o

indivíduo também vai incorporar, ao longo da vida, empréstimos de outras línguas, resíduos de mudança linguística da própria língua, invenções e outros fenômenos que constituem a periferia marcada. Assim, um determinado indivíduo tem representadas em sua mente/cérebro a gramática nuclear e uma periferia marcada, que compõem sua língua-I.

De acordo com Chomsky (1981:6), uma mudança em um único parâmetro provocaria efeitos em várias partes da gramática, já que, segundo o autor, determinadas propriedades da gramática estariam relacionadas à fixação do valor do parâmetro de um jeito ou outro.

Na versão minimalista da teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1999), a faculdade da linguagem interage com outros sistemas, sendo eles o articulatório-perceptual (A-P) e o conceitual-intencional (C-I), que fazem interface com os níveis Forma Fonética (FF) e Forma Lógica (FL), respectivamente. Assim, determinada língua, L, a partir de um procedimento gerativo, dá origem aos pares π e λ, sendo aquele uma representação da FF, interpretada no sistema A-P, e este, uma representação da FL, interpretada no sistema C-I. Qualquer expressão linguística em uma dada língua precisa satisfazer a condição de Interpretação Plena para convergir não apenas em um, mas em ambos níveis de interface. Além de uma expressão precisar ser uma derivação convergente, é necessário que também seja ótima e para isso é preciso que satisfaça determinadas condições de economia,

19 De acordo com Chomsky (1981:8), a partir do ponto de vista da realidade, a gramática nuclear seria uma

idealização. No entanto, sob outra perspectiva, um indivíduo teria no interior de sua cabeça um artefato que seria o resultado da interação de fatores idiossincrásicos com a GU e a gramática nuclear.

como localidade do movimento e derivação ausente de “passos supérfluos”, conforme Chomsky (1999:308).

Por meio do acesso ao léxico mental, o sistema computacional mapeia um conjunto de itens lexicais para dar origem às sentenças em uma determinada língua natural. Considerando-se que a gramática não nativa também se configura como uma língua natural, como veremos adiante (cf. LICERAS & DÍAZ, 2000), pressupomos que a geração de sentenças em uma LE dá-se da mesma forma.

O foco de nossa pesquisa é a gramática não nativa do espanhol de aprendizes brasileiros. Considerando-se que partimos da concepção biológica de língua e gramática, significa dizer que, para nós, essa gramática não nativa está representada na mente/cérebro desses aprendizes. Porém, além dessa gramática não nativa, esses aprendizes possuem também representada a gramática de sua LM, adquirida durante a infância, conforme os pressupostos gerativistas, e que no caso específico de nossos aprendizes, constitui o PB, que é a sua língua-I.

O PB, como já mencionamos no primeiro capítulo e continuaremos vendo ao longo deste trabalho, passou por mudanças linguísticas que levaram pesquisadores (cf. GALVES, 2001; KATO, 2005) a propor que, além da gramática nuclear, há, também, representada na mente/cérebro de alguns brasileiros, uma periferia

marcada que abrigaria determinados elementos decorrentes do processo formal de

aprendizagem.

Os dados com que vamos lidar em nosso trabalho estão constituídos por testes de aceitabilidade tanto da gramática do espanhol quanto da do PB, que têm por objetivo detectar a intuição dos aprendizes de espanhol em sua LM e na LE. Assim, vamos lidar com o conceito de competência proposto por Chomsky (1981, 1986) em relação à gramática do PB e à gramática não nativa do espanhol, a fim de que possamos obter indícios sobre sua competência não nativa, não apenas por meio de sua intuição a respeito da gramática não nativa, mas também por meio de sua intuição sobre a gramática da LM.

Nosso trabalho se fundamenta na perspectiva teórica gerativista em sua forma conceitual, tanto para compreender a gramática não nativa e interpretar a aquisição/aprendizagem de espanhol por brasileiros, quanto para compreender a gramática do espanhol e do PB a partir da abordagem de pesquisas que expliquem o fenômeno do PB em estudo e também essa área da gramática do espanhol.

A breve exposição de como ocorre a derivação das sentenças no âmbito dessa teoria, assim como os demais conceitos vistos, tem o objetivo de que o leitor possa visualizar de forma mais concreta em que consiste e o que significa a concepção biológica de língua e gramática com a qual estamos lidando, que é a base da teoria de aquisição/aprendizagem de LE e de mudança linguística que adotamos e veremos nas partes subsequentes deste capítulo.

No documento Adriana Martins Simões (páginas 33-37)