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González (1994, 1998, 1999, 2001, 2005)

No documento Adriana Martins Simões (páginas 37-42)

Capítulo II: Algumas questões teóricas

2.2. O modelo teórico de aquisição/aprendizagem de LE

2.2.1. González (1994, 1998, 1999, 2001, 2005)

Como vimos no primeiro capítulo, considerando a aquisição como um processo seletivo (LIGHTFOOT, 1991) e tendo em vista que o aprendiz de LE não apenas já possui uma língua, mas a experiência de aquisição dessa língua (CORDER, 1983), González, baseada, por sua vez, em trabalhos de diversos outros pesquisadores, (ADJÉMIAN, 1976; FLYNN, 1987; KEAN, 1984; LICERAS, 1981, 1986b; WHITE, 1988, entre outros) inseriu o fenômeno da transferência no modelo cognitivo de perspectiva gerativista. Assim, no processo de aquisição/aprendizagem de uma LE, haveria transferência, e essa transferência seria de base cognitiva e prevê diversos fenômenos, além dos da utilização das regras da L1, como a estratégia de generalização livre, oriunda do processo de aprendizagem, mas que não representa propriamente aquisição, como veremos.

Na proposta de González, a transferência cognitiva20 atuaria no nível do

intake e determinaria a seleção e o processamento do input através de mecanismos

internos, já que o intake, nível em que ocorre a seleção, atuaria entre o input e o

output e seria afetado por fatores cognitivos, como o conhecimento linguístico

prévio, não apenas da LM como de outras línguas aprendidas, pela metalinguagem e por aspectos da GU (LICERAS, 1985, 1986a, 1986b).

A partir da análise de diferentes tipos de produção de aprendizes de espanhol de diferentes níveis, González constatou que a gramática não nativa desses aprendizes apresenta, em um primeiro momento, tanto em relação ao não preenchimento quanto ao preenchimento do objeto, tendências que a aproximam à LM desses indivíduos, o PB. Essas tendências foram comparadas às constatadas por Duarte (1989) a respeito do PB, língua que vem passando por mudanças nesse sentido, tornando-se, assim, oposta ao espanhol nessa área da gramática. Portanto, haveria uma transferência que seria uma forma de filtragem e processamento do

input, que aproximaria a gramática não nativa da gramática da LM e também geraria

aproximações equivocadas da L2.

A autora observou que a ocorrência de objeto nulo [exemplos (1) e (2)] foi de 65%, em detrimento de 35% de objeto preenchido, sendo que, desse percentual de

objetos nulos, 25% corresponde ao objeto nulo proposicional [exemplo (3)]21.

(1) Les voy a prestar un disco para que ustedes (e) escuchen. (lo escuchen) (2) Professor - ¿Viste la película de Almodóvar?

Aluno - 0 (e) Vi. (Sí, la vi) (3) Aluno - X se peleó con Y. Professor - ¿Quién te lo contó?

Aluno - Nadie me (e) contó, yo (e) vi con mis propios ojos. (me lo contó) Em relação ao preenchimento do objeto, o índice foi de 35% e esse preenchimento corresponde não apenas aos clíticos, como também ao pronome nominativo e aos demonstrativos. Assim, 51% do preenchimento corresponde ao

20 Como já mencionado no capítulo anterior, o fenômeno de transferência proposto por González (1994,

1998, 1999, 2001, 2005) difere do proposto pela Análise Contrastiva de base behaviorista, em que transferência era vista como a manutenção de hábitos da L1 na LE.

21 No que se refere aos traços semânticos do antecedente, o índice de apagamento de objeto [-humano] foi

de 83,3%, o de objeto [-humano] e [-definido], que corresponde ao contexto de objeto nulo permitido na gramática do espanhol, foi de 100%, e o objeto de traço [+humano] teve 65% de apagamento com antecedente singular e plural.

clítico [exemplo (4)], 35,5% ao pronome lexical [exemplo (5)] e 35,5% a demonstrativos [exemplo (6)].

(4) Me gustaría invitarlos para la fiesta de mi cumpleaños.

(5) Todos los días compra los panes y siempre pone ellos sobre la mesa. (...los pone...)

(6) Él sabe que debe ir, pues tienen noticias importantes para él. Él espera esas. (...las espera.)

A partir da análise dos dados de colocação, a autora verificou que 62,5% das construções de colocação se aproximam do espanhol, sendo que a maior parte delas corresponde também à gramática do PB, configurando-se, portanto, como uma transferência positiva, enquanto apenas 1% dessas construções representa, de fato, a aquisição do espanhol, por estarem presentes apenas na gramática dessa língua. Quanto à aproximação da gramática do PB, a ocorrência foi de 37,5% de construções possíveis apenas na LM, que também evidenciam transferência, mas

nesse caso uma transferência não positiva, que distancia essa produção da LE22.

Além dos fenômenos de transferência, González constatou também outro fenômeno denominado por ela de transferência às avessas, a estratégia de

generalização livre23, que se divide em supergeneralização de regras, com 58,6%

das ocorrências, e em distorção de regras, com índice de 41,4%. Embora esse fenômeno represente uma tentativa por parte do aprendiz de aproximar-se da LE, a gramática deste acaba distanciando-se tanto da LM quanto da LE. Esses fenômenos

22 Em relação à colocação pronominal, o índice de próclise foi de 74% e o de ênclise de 26%. No que se

refere à ênclise, desses 26%, 46,6% ocorreram em contextos de locuções verbais, em que o pronome aparece posposto ao verbo principal [exemplo (1)], o que vai de encontro à gramática do espanhol.

(1) Explicó para la muchacha que él no podría ayudarla.

Quanto à próclise, 4,8% do total de 74% das construções ocorreram em contexto de próclise ao auxiliar [exemplo (2)], o que revela uma aproximação à gramática do espanhol. Já em relação aos contextos em que a gramática não nativa aproxima-se à LM, 70% dos casos de próclise ocorreram em contexto de próclise ao principal, como em (3) com locução verbal.

(2) Les voy a prestar un disco para que ustedes (e) escuchen. (3) Dijo que él iba a me llamar. (...iba a llamarme/me iba a llamar.)

23 Em relação ao fenômeno de generalização livre, este teve 20,6% de ocorrências e aparece com mais

força na produção de aprendizes de níveis intermediários e avançados, com predominância na produção escrita, em contextos mais formais e em alguns exercícios. Ao considerar todos esses contextos, a ocorrência do fenômeno seria de 55,6%.

predominam em etapas mais avançadas do processo de aquisição/aprendizagem segundo os dados da autora.

A supergeneralização de regras compreende os casos em que o clítico aparece de forma indevida na sentença, duplicando um complemento, e tem sua referência recuperável, além de papel temático. Esses casos ocorreram devido ao fato de o aprendiz se focar no clítico e generalizar sua presença, o que violaria a regra de superficialização dos argumentos. Houve 76,5% de ocorrências de clítico duplicando um objeto direto proposicional de forma catafórica [exemplo (7)].

(7) Ayer me lo dijiste que no estabas de acuerdo... (...me dijiste que...)

A hipótese da pesquisadora para esses casos é de que os clíticos me lo, se lo teriam sido aprendidos de forma conjunta e os aprendizes teriam dificuldade para sua dissociação. Nesses casos haveria a atuação da memória auditiva, em vez da aplicação das regras da gramática do espanhol, e isso seria decorrente de uma instrução formal focada em exercícios estruturais que levariam à memorização e à automatização.

Apoiando-se nesses resultados de duplicação de um mesmo clítico na gramática não nativa do espanhol e com base nos resultados de Correa (1991), analisados em Nunes (1993), a respeito de duplicação de clítico no PB – como em

Para o identificá-lo – González argumenta que, se a instrução formal em LM conduz

o estudante a fenômenos como a hipercorreção, isso também ocorreria na aprendizagem formal de LE em forma de supergeneralização de regras.

Já os casos que se configuram como distorção de regras da LE se apresentam em forma de construções em que há um ou mais clíticos, mas que, no entanto, são empregados de maneira indevida, já que não há uma função (ao menos aparente) para eles na sentença, de modo que não se recuperam nem sua referência nem seu papel temático. Do total de 41,1% de ocorrências desse fenômeno, pelo menos um dos clíticos não possui uma referência na sentença [exemplo (8)]; em 14,3% dos casos, não há duplicação, mas o clítico aparece sem nenhuma referência [exemplo (9)], o que, assim como os outros casos, parece representar ou mimetizar, a sonoridade do espanhol, repleto de clíticos, e é um indício de que a aprendizagem não leva necessariamente à aquisição.

(8) Él dijo que me llamaba, peo aunque me lo llame no voy. (...aunque me llame..., uma vez que não há objeto direto que possa ser reproduzido anaforicamente pelo clítico lo.)

(9) Yo me diría que no. (Yo diría...)

A hipótese de González para esses fenômenos é de que a instrução formal em LE foca a atenção dos estudantes para os clíticos que aparecem no input; no entanto, o aprendiz perceberia apenas o efeito sonoro das construções com clíticos, mas não sua função, seu sentido, sua referência na sentença. Assim, nesse momento, atuaria na gramática não nativa do aprendiz, no nível do intake, a estratégia de generalização livre das propriedades da gramática da LE, que, para a autora, ainda seria uma consequência da LM atuando no processamento do input.

González constatou que os fenômenos referentes a essa área da gramática estudada estão correlacionados entre si e provocam um efeito em cadeia nessa gramática dos aprendizes, já que, além de apresentarem objeto nulo e pronome tônico no que diz respeito ao preenchimento do objeto, também apresentam preenchimento do sujeito, preferência pela ordem SV, pelas construções passivas com o verbo ser, entre outras construções, que estão em processo de variação/mudança no PB e que teriam se originado de uma mudança em um mesmo ponto da gramática. A análise dos dados revelou que haveria uma barreira cognitiva que atuaria nessa área da aquisição/aprendizagem da gramática do espanhol por brasileiros, que provoca, no momento inicial da aprendizagem, uma não percepção dos clíticos no input, por exemplo, assim como uma não percepção do efeito de sentido que sua ausência acarreta à sentença.

Nossa pesquisa, como vimos, se originou dessa pesquisa de González sobre a aquisição/aprendizagem do espanhol por brasileiros a partir da perspectiva teórica gerativista e nosso intuito é poder contribuir com um passo a mais na compreensão da gramática não nativa e do processo de aquisição/aprendizagem do espanhol nessa trajetória de pesquisas.

O objetivo de González foi entender a seleção e o processamento do input no nível do intake, que é o nível em que ocorre a transferência, para poder compreender o output, que representa a produção não nativa. Embora não esteja em nosso objetivo a perspectiva de aquisição/aprendizagem vista a partir da seleção

e do processamento do input como González, os resultados de sua pesquisa dão suporte aos nossos, que por sua vez também corroboram os de González.

Em nossa pesquisa nos interessam particularmente os resultados da autora referentes aos fenômenos de generalização livre, em razão de que, apesar de serem decorrentes do processo de aprendizagem, não significam que tenha ocorrido aquisição. Sendo assim, nosso objetivo é relacionar esses resultados com a questão que nos propusemos a investigar: se a gramática não nativa estiver refletindo a gramática do espanhol, isso constituiria uma competência igual à de um falante nativo de espanhol ou representaria uma competência aparente?

Além disso, nos interessam também as constatações de González de que a aquisição/aprendizagem dessa área da gramática do espanhol por aprendizes brasileiros produz um efeito em cadeia, que se manifesta em diversas construções, as quais estariam relacionadas entre si através de um único parâmetro. Ao relacionar essas constatações com as intuições da gramática não nativa, nos foi possível detectar indícios a respeito das diferenças entre a aquisição de LM e a aquisição/aprendizagem de LE no âmbito da reestruturação.

No documento Adriana Martins Simões (páginas 37-42)