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Considerações iniciais sobre a escolha dessa teoria

No documento Adriana Martins Simões (páginas 51-54)

Capítulo II: Algumas questões teóricas

2.4. Sociolinguística

2.4.1. Considerações iniciais sobre a escolha dessa teoria

Devido à complexidade de nosso objeto de estudo — a gramática não nativa do espanhol de brasileiros de diferentes gerações —, lidaremos, em nossa pesquisa, com duas concepções de língua. Uma delas é a que concebe língua como um sistema biológico inato, que se adquire de forma inconsciente desde o nascimento, que é a gramática que qualquer falante nativo de determinada língua natural tem representada em sua mente/cérebro e que é classificada nos termos gerativistas de Língua-I, como vimos anteriormente. Já para esta outra concepção, a língua é

constituída na sociedade e na exterioridade e denomina-se Língua-E enquanto produto social.

Assim, se por um lado lidaremos com a concepção biológica de língua, já que queremos investigar a intuição, a competência do falante não nativo, por outro, faz- se necessário também lidarmos com a concepção social, uma vez que vamos observar diversos fatores sociais na aquisição e, em especial, na aprendizagem do espanhol, como também na aprendizagem formal do português via escolarização, aprendizagem esta que, entre outros fatores, mostrou produzir efeitos na produção não nativa em espanhol na pesquisa de Yokota (2007), assim como a faixa etária, que se mostrou relevante em nossa pesquisa anterior (SIMÕES, 2006).

Portanto, conjugaremos, em nosso trabalho, a teoria gerativista à teoria sociolinguística, já que, se por um lado temos por objetivo utilizar a perspectiva teórica gerativista para compreender a gramática não nativa do espanhol e a gramática do PB, e para interpretar o processo de aquisição/aprendizagem de espanhol por brasileiros, bem como apresentar trabalhos que expliquem tanto o fenômeno do PB em estudo quanto essa área da gramática do espanhol, por outro, lidaremos com a questão das diferentes gerações de aprendizes de espanhol, com a questão do nível de instrução em LM, fatores que se vinculam a questões sociais relacionadas à coexistência de gramáticas no PB.

Diante dessas faces de nosso objeto de estudo e apoiando-nos no que afirma González (2003), baseada em Moles (s/d, apud FRANCHI, 1992:9), de que a escolha da teoria depende da perspectiva a partir da qual se quer abordar os fenômenos linguísticos, e apoiando-nos também no que coloca Lightfoot (1999:80), de que é o objeto de estudo que determina a abordagem teórica mais adequada para sua investigação, justificamos a escolha dessas duas teorias que, ao mesmo tempo que são antagônicas, se complementam para explicar o fenômeno de aquisição/aprendizagem de LE, em nosso caso, de espanhol por brasileiros.

Conexões dessa natureza, por outro lado, já foram feitas por pesquisadores de grande importância, como Kato e Tarallo (1986), com resultados significativos para a análise dos dados do PB. Além disso, a proposta de Lightfoot (2006) sobre a mudança linguística, como vimos, alia também a visão biológica de gramática, presente na língua-I, à visão social da língua-E, na medida em que a mudança linguística ocorre pela interação das duas. Em outras palavras, para Lightfoot (2006), mudanças na língua-E podem conduzir a mudanças na língua-I da geração

precedente, e, posto que esta se externaliza através da língua-E, mudanças na língua-I provocam mudanças na língua-E. Entretanto, como a língua-E apresenta constante variação e a língua-I é estável, por representar o conhecimento linguístico adquirido na infância, isto é, a competência linguística, mudanças na língua-E podem não significar mudanças na língua-I de uma mesma geração de falantes, mas podem provocar mudanças na língua- I das próximas gerações.

Em nossa pesquisa, partindo da concepção biológica de gramática, o PB seria a língua-I dos aprendizes de espanhol, sua LM adquirida durante a infância. O espanhol, dentro dessa concepção biológica de língua e gramática, representa uma LE a ser adquirida/aprendida após o desenvolvimento da LM desses aprendizes. Isso seria, de forma sintetizada, o âmbito da perspectiva biológica em nossa pesquisa.

No entanto, o PB passou por mudanças linguísticas no seu sistema pronominal a partir do século XIX, mudanças essas que originaram uma coexistência de gramáticas na mente/cérebro dos falantes da língua. Com o passar do tempo, as gramáticas que coexistem na mente/cérebro dos falantes nativos teriam passado a ter estatutos diferentes, já que o clítico não mais seria produto de aquisição, tal como o são o objeto nulo e o pronome tônico acusativo, mas de aprendizagem formal (cf. CORREA, 1990, apud NUNES, 1993; DUARTE, 1989; GALVES, 2001; KATO, 2005; MAGALHÃES, 2006). Assim, os testes de aceitabilidade que aplicamos aos aprendizes de espanhol têm o objetivo tanto de verificar a intuição não nativa desses aprendizes sobre o espanhol, a partir da concepção biológica de língua e gramática, quanto a intuição desses aprendizes em relação à sua LM, o PB.

Consideramos, então: (a) que há uma coexistência de gramáticas no PB, as quais possuem estatutos diferentes na mente/cérebro dos falantes nativos; (b) que esta está aliada a fatores sociais, tais como faixa etária (que nos permite captar a intuição de gerações diferentes) e nível de instrução em LM (que nos permite verificar o grau de atuação da instrução formal tanto na recuperação do clítico quanto na avaliação das variantes inovadoras). Ao conjugar esses dois fatores sociais a fim de observar a atuação da educação formal na mudança linguística através do tempo, nosso objetivo é, portanto, detectar a atuação do PB na aquisição/aprendizagem do espanhol, focalizando essa questão da coexistência de gramáticas.

Além disso, outra abordagem sociolinguística em nosso trabalho serão as análises a respeito da associação entre a aceitabilidade de determinada forma de realização do objeto e o traço semântico do antecedente e o índice de aceitabilidade do clítico e a forma de colocação em sentenças com verbos no infinitivo, já que esses aspectos linguísticos se mostraram relevantes na pesquisa de Duarte (1989) sobre o PB e também na pesquisa de González (1994) sobre a aquisição/aprendizagem do espanhol por brasileiros. Embora essas análises não constituam o foco principal de nossa análise, nos lançaram pistas a respeito da natureza da competência não nativa.

No capítulo dedicado à análise poderemos visualizar com mais nitidez a atuação e importância das duas perspectivas teóricas em nossa pesquisa.

No documento Adriana Martins Simões (páginas 51-54)