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A concepção de Vigotski sobre o conceito de compensação

Esta seção é dedicada à exposição do conceito de compensação em seu sentido geral; somente no capítulo de análise dos casos de Sacks é que será aprofundado como esse processo ocorre em uma determinada deficiência, ou melhor, no padecimento e afecções23 dos indivíduos

acompanhados pelo neurologista inglês.

Esse conceito, compensação, versa sobre um processo essencial no desenvolvimento do indivíduo que luta contra adversidades oriundas de algum tipo de deficiência (cegueira, surdez, mudez, deficiência intelectual etc.). A compensação ocorre quando o indivíduo necessita substituir suas vias de apreensão e expressão do mundo por outras que lhe garantam o desenvolvimento (BARROCO, 2007). Tal condição fora, por tempos, compreendida como anormal, desviante do desenvolvimento sadio, isto é, como uma falha do desenvolvimento. A investigação de Vigotski, sobre o processo de compensação, é parte de uma perspectiva maior, a defectologia, uma temática dos estudos do psicólogo soviético que teve como objeto o desenvolvimento infantil em toda sua diversidade (VYGOTSKI, 1929/2012).

Para a psicologia histórico-cultural o desenvolvimento não consiste em um processo maturacional universal em que todos os indivíduos, independentemente de suas condições sociais, materiais e culturais percorrerão um mesmo caminho; ou seja, conquistando etapas pré- estabelecidas, marcadas pelo acúmulo de capacidades específicas em determinados períodos;

23 A escolha do termo afecção é justamente para não atribuir nenhuma valoração de desvio, doença, patologia,

enfermidade às deficiências (ou nos casos de Sacks, ao padecimento), mas de garantir um entendimento como aquilo que afeta o indivíduo, que pode provocar alterações independente da natureza e da qualidade destas.

essa compreensão naturaliza um processo que é dinâmico, constituído histórico e socialmente. Em contraposição, para a psicologia histórico-cultural o indivíduo se desenvolve à medida que se relaciona socialmente e se apropria da cultura, desde que lhe sejam possibilitadas condições para tal, pois, conforme afirmado acima, o desenvolvimento do indivíduo não é natural, isto é, não ocorre sem que haja mediação de outros indivíduos (SHUARE, 1990/2016).

Essa concepção de desenvolvimento não anula os processos biológicos, mas compreende que esses são subordinados aos sociais, ou melhor, o indivíduo é síntese de ambas as linhas de desenvolvimento, em processo de constante transformação, tal como afirma a psicologia histórico-cultural, cuja tese central é de que a relação do indivíduo com a cultura ocorre de maneira mediatizada por signos e instrumentos. Trata-se de um processo de desenvolvimento em que ocorre a progressiva superação da natureza, isso significa dizer que a progressiva apropriação da cultura dá origem a um conjunto de leis gerais do desenvolvimento que são irredutíveis às leis da natureza e que passam subordiná-las em um certo grau sem jamais suprimi-las.

Signos e instrumentos são produtos da atividade humana no decorrer de sua história; ambos medeiam a relação do indivíduo com sua realidade concreta. Vigotski considera que signos são estruturas psicológicas que se interpõem nas relações sociais entre os seres humanos e, ao ser apropriados, agem sobre as estruturas psíquicas do indivíduo, provocando mudanças sobre estas. Os instrumentos, por sua vez, se interpõem entre o sujeito e sua ação sobre a natureza, provocando mudanças externas, isto é, modificando-a fisicamente (VIGOTSKI, 1929/2000).

Esse processo de desenvolvimento, mediado por signos e instrumentos, transforma a relação entre as funções psicológicas do sujeito à medida que ele se apropria da realidade externa. Sendo assim, é preciso ressaltar a diferença entre as funções psicológicas elementares e as superiores. As primeiras podem ser caracterizadas como imediatas e involuntárias, de natureza inata, ou seja, são aquelas que não necessitaram de aprendizagem para existir como, por exemplo, os reflexos. As funções psicológicas superiores, como: imaginação, linguagem, atenção concentrada, percepção, memória voluntária, pensamento, consciência, Vigotski caracterizou-as como culturais, aquelas que são aprendidas; à medida que o indivíduo se relaciona com a cultura se apropria a seu modo – isto é, a partir de como significa – daquilo que foi produzido pela humanidade (VIGOTSKI, 1984/2007).

As funções psicológicas elementares não desaparecem quando o indivíduo desenvolve as funções culturais; elas não são distintas, mas as mesmas em condições diferentes

(VYGOSTKI, 1930/2004). Por exemplo, o indivíduo percebe a partir dos seus sentidos o frio; quando muito pequeno, a primeira reação é o choro, mas quando aprende o que é aquela sensação incômoda, que foi lhe foi ensinada por outros indivíduos a identificá-la, ele é capaz de resolvê-la. Ou seja, ele sabe que o que ele sente é “frio”, o signo designado para aquela sensação e pensa nos instrumentos, no caso um agasalho, para resolver tal problema. Assim, após aprender culturalmente o que significa aquela sensação incômoda e como resolvê-la de modo mediado (que não é o choro), ele se relaciona com o meio e consigo mesmo de outro modo. Esse modo é voluntário e consciente, desenvolvido culturalmente (VIGOTSKI, 1984/2007).

É baseado na compreensão acima que Vigotski (1929/2000) afirma que: “[...] qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos – primeiro no social, depois no psicológico.” (p. 26). Desse modo, num primeiro momento as funções psicológicas são interpsicológicas, presentes na relação entre pessoas e posteriormente, após o indivíduo se apropriar de tais relações, as funções tornam-se intrapsicológicas, isto é, os signos de outros que dominavam a conduta do indivíduo foram apropriados e internalizados por ele e, assim, este torna-se capaz de regular sua própria conduta. Segundo Vigotski, “[...] o desenvolvimento segue não para socialização, mas para individualização de funções sociais” (VIGOTSKI, 1929/2000, pp. 28-29). Essas afirmações sobre o processo de desenvolvimento são fundamentais para compreender a concepção e a defesa de Vigotski no campo da defectologia na explanação a seguir.

O campo de estudos da defectologia dedica-se a produzir conhecimentos sobre indivíduos que manifestam algum tipo de deficiência, ou seja, que são considerados fora da norma por não se desenvolverem conforme o esperado socialmente, devido a condições físicas ou psicológicas – socialmente consideradas – adversas. Antes disso, é preciso ressaltar que os estudos de defectologia não nascem com as investigações de Vigotski que ocorreram entre as décadas de 1920 e 1930, no entanto, a defectologia vigotskiana marcava uma contraposição à concepção de defectologia vigente em seu tempo (VAN DER VEER; VALSINER, 1999).

No ano de 1924, Vigotski (1997) escreveu seus primeiros ensaios na área da defectologia [...]. Duas principais correntes a respeito da compensação estavam em ampla circulação naquele contexto histórico, final do século XIX e início do século XX, e afetaram as elaborações de Vigotski. A versão mística da compensação [...] A outra vertente era biológica, que considerava que a perda de uma função perceptiva seria compensada naturalmente com o funcionamento de outros órgãos. (DAINEZ; SMOLKA, 2014, pp. 1096-1097).

A crítica de Vigotski à defectologia de sua época – caracterizada como tradicional – consistia em denunciar a redução desta a métodos e abordagens puramente quantitativos. Assim, a prioridade dessa defectologia tradicional era quantificar as deficiências, isto é, medir o grau de incapacidade da pessoa com deficiência sob os parâmetros da pessoa “normal”, que se traduzia em um número que nada dizia sobre o indivíduo e sua deficiência. Pouco se investigava a qualidade dessa afecção e quais as possibilidades adequadas para se trabalhar numa perspectiva transformadora que garantisse, mesmo com o “defeito”, o desenvolvimento do indivíduo. A consequência dessa compreensão de capacidades diminuídas das pessoas com deficiência teve como alternativa o oferecimento de um ensino mais aligeirado a elas, de caráter assistencialista e pouco direcionado ao ensino estabelecido socialmente (VYGOTSKI, 1929/2012).

A defectologia vigotskiana lutou para ser transformada de um campo puramente quantitativo para a apreensão qualitativa das diferentes características do desenvolvimento da criança com deficiência. A concepção hegemônica da defectologia à qual Vigotski se contrapunha consistia avaliar e compreender quantitativamente as deficiências primeiramente e, em segundo plano, a própria criança, sob a perspectiva de um conjunto de déficits (VYGOTSKI, 1929/2012). Esse movimento não se deu somente na defectologia, mas em grande parte da psicologia, que foi a expressão de uma tentativa de positivar esse campo do conhecimento a fim de torná-lo, de fato, científico, de acordo com as exigências do final do século XIX e começo do século XX, isto é, feitas pela corrente positivista. Assim, foram transplantados das ciências naturais seus métodos de observação direta e quantificação do objeto de estudo da psicologia e isso o parcializou, não possibilitando compreendê-lo em totalidade, mais precisamente, em sua concreticidade. No entanto, Vigotski, apoiando-se em Engels – quando discute a abstração presente na física e na química – afirma que nem as ciências mais duras, como a física, por exemplo, deixam de utilizar instrumentos, ela é também uma ciência que lida com seu objeto através de métodos indiretos (VIGOTSKI, 1926-1927/2004).

Um exemplo dessa quantificação da “incapacidade” é a escala de Stanford-Binet que, a propósito, foi deturpada, pois o objetivo inicial de seu criador, Alfred Binet (1857-1911), era de realizar um estudo individual em que identificaria as dificuldades das crianças para ensiná- las de modo mais adequado. O propósito de Binet era que seus testes fossem utilizados como um guia prático para encontrar alternativas que ajudassem as crianças a se desenvolverem e não a rotulá-las como incapazes. Entretanto, tal estudo foi modificado por Lewis M.

Terman24(1877-1956), nos EUA, em meados de 1916, que atualizou a escala de Binet,

transformando-a exatamente naquilo contra o que seu criador advertiu. Terman aplicou as tarefas – que Binet alertou como de uso individual – em massa, inclusive em adultos, com o intuito de mensurar um conjunto de atributos da inteligência (como atenção, memória, raciocínio lógico etc.) e transformar o resultado desses testes em um número, sendo este o quoeficiente de inteligência (QI). O número obtido nesses testes classificaria o grau de inteligência dos indivíduos que variavam desde inteligente a “débil mental” (GOULD, 1981/2014).

Segundo Luria (1979/2015), Vigotski tinha como projeto de psicologia entender o funcionamento do psiquismo como totalidade, isto é, não reduzindo a compreensão das funções psicológicas a partes que se constituem isoladamente, mas como um sistema interfuncional. Posto isto, seus estudos no campo da defectologia também marcaram essa orientação, uma vez que o objetivo de Vigotski era compreender o funcionamento psíquico como um todo, ou seja, como as funções psicológicas se organizam ou se reorganizam independentemente de deficiência e/ou afecção.

Nesse sentido, o interesse do psicólogo soviético consistia em entender o desenvolvimento da criança com deficiência, não apenas para diagnosticá-la, mas afirmar uma diferença qualitativa em relação ao desenvolvimento da criança considerada sadia (VYGOTSKI, 1929/2012). Em suma, a tarefa assumida por Vigotski era compreender a formação e o funcionamento do psiquismo independente da deficiência, abarcando a diversidade existente no processo de desenvolvimento das crianças.

A preocupação fundamental de Vigotski era compreender as peculiaridades do desenvolvimento de cada criança e, apoiado nesse entendimento, propiciar a adequada educação a ela, capaz de humanizá-la. Isso não significa facilitar seu processo educativo, no sentido de torná-lo mais fácil ou menos exigente, mas fornecer os instrumentos e signos, isto é, as mediações necessárias para que ela alcance o pensamento abstrato. Em suma, este é o primado que caracteriza as proposições de Vigotski, na contramão da defectologia tradicional. Segundo Van der Veer e Valsiner (1999), o interesse de Vigotski pela defectologia, possivelmente, nasceu quando participou do Comissariado do Povo para a Educação Pública (Narkompros) no ano de 1922, no qual “[...] Entre as crianças estudadas estavam surdos-mudos, cegos, não educáveis e deficientes mentais” (VAN DER VEER; VALSINER, 1999, p. 73),

24 Terman foi quem batizou a escala de Binet para Stanford-Binet. A princípio era somente identificada por escala

de Binet que consistia num conjunto de tarefas cotidianas para identificar o que as crianças (submetidas a essas tarefas) conseguiam ou não realizar (GOULD, 1981/2014).

todas caracterizadas como crianças “defeituosas”. Além disso, Vigotski não se preocupou em trazer registros detalhados de seu trabalho clínico, uma vez que sua iniciativa era de teorizar sobre sua prática. Seu objetivo não se pautava em, necessariamente, resolver o caso singular e sim em entender a problemática enfrentada por esse campo de estudos, a defectologia. De outro modo, o compromisso de Vigotski incidia sobre a necessidade de que pessoas com deficiência fossem ser devidamente educadas, almejando para elas o mesmo desenvolvimento tal qual esperado para as crianças “normais”. As vias de desenvolvimento são alternativas, mas o resultado deve ser o mesmo.

O início das formulações de Vigotski sobre sua concepção de “criança defeituosa” pode ser datado em meados dos anos 1924 e não puderam ser totalmente concluídos até 1934, ano em que faleceu. Nessas investigações de Vigotski, é possível identificar como tese central a importância da educação social. Isso significa que o psicólogo percebeu que já ao nascer a criança com deficiência recebe uma atenção diversa, sendo subestimada, considerada desde o nascimento como incapaz de desenvolver-se como as demais crianças, ou é superprotegida, não tendo necessidade de fazer as coisas por si, uma vez que a comunidade à sua volta providencia- lhe (VAN DER VEER; VALSINER, 1999). Essa é, portanto, uma diferença observada na educação da criança com deficiência já em seus primeiros contatos sociais e, certamente, no momento em que está sendo gestada, a família ao saber que receberá uma criança sob essas condições busca se organizar de um outro modo, talvez se preocupando mais, se frustrando etc.

O argumento supracitado de Vigotski rompe com a ideia de que exista um sentimento subjetivo sobre as deficiências tão potente a ponto de compensá-las; com efeito, o que ocorre é um processo necessariamente social (VAN DER VEER; VALSINER, 1999). Isso significa dizer que a deficiência da criança só é compreendida por ela no momento em que ela se relaciona, isto é, que identifica a existência de diferenças entre ela e as demais crianças, sendo, assim, negativadas, estigmatizadas e colocadas num lugar de exclusão (VYGOTSKI, 1929/2012).

A título de exemplo – para marcar o quanto isso é uma situação concreta na vida desses indivíduos – em um dos livros produzidos a partir de uma peça de teatro sobre a vida da pintora modernista brasileira Tarsila do Amaral, escrita por Maria Adelaide Amaral, há um diálogo com Anita Malfatti, também pintora do mesmo período, em que a segunda relata: “Até os oito anos eu não sabia que tinha uma mão atrofiada... foi na escola que as crianças me contaram que era defeituosa” (AMARAL, 2011).

Todas essas compreensões sobre a educação da criança com deficiência era, no período de Vigotski, considerada como uma pedagogia menor, de caráter mais assistencialista, cuja noção de desenvolvimento se baseava em focalizar aquilo que faltava à criança. Por exemplo, se ela expressava um comprometimento motor, logo não se introduzia a escrita por considerar que seria uma atividade de muito esforço e frustrante (VYGOTSKI, 1929/2012). Esse ponto de vista na prática se transformava em um processo educativo mais facilitado, com atividades de distração e sem de fato ter como preocupação o desenvolvimento cognitivo da criança (CUNHA; AYRES; MORAES, 2010). Sublinhe-se que tal concepção permanece até hoje e, pode-se dizer, de forma generalizada.

Uma importante tese, presente nos estudos de defectologia de Vigotski, é que a criança que se desenvolve ou nasce com algum tipo de deficiência não pode ser considerada, imediatamente, menos desenvolvida; é preciso entender que o curso de seu desenvolvimento seguirá um caminho diferente. Vale dizer que, assim como são propiciadas condições sociais para a criança considerada “normal” se desenvolver, o mesmo também deve ocorrer com a criança com deficiências orgânicas, independente de qual seja. Isso não consiste na quantificação do desenvolvimento e sim em compreender as peculiaridades qualitativas e encontrar os caminhos necessários para que haja desenvolvimento cultural pleno, que possibilite à criança participar ativamente na sociedade (VYGOTSKI, 1929/2012).

[...] A criança cega ou surda pode alcançar o mesmo desenvolvimento que a criança normal, mas as crianças com um defeito podem alcançá-lo de maneira diferente, através de um caminho diferente, com outros meios, e para o pedagogo é importante conhecer a peculiaridade do caminho pelo qual deve conduzir a criança. A chave da peculiaridade lhe dá a lei da transformação do menos do defeito em mais da compensação. (VYGOTSKI, 1929/2012, p. 17)25.

Em síntese, deve-se compreender a criança com deficiência de acordo com o tipo de desenvolvimento possível e não como um fracasso em relação ao desenvolvimento “normal”. Assim: “[...] A compensação como reação da personalidade ao “defeito”, dá início a novos processos indiretos de desenvolvimento, superestruturas, nivela as funções psicológicas” (VYGOTSKI, 1929/2012, p. 17)26.

25 No original: El niño ciego o sordo puede lograr en el desarrollo lo mismo que el normal, pero los niños con

defecto lo logran de distinto modo, por un caminho distinto, con otros medios, y para el pedagogo es importante conocer la peculiaridad del camino por el cual debe conducir al niño. La clave de la peculiaridad le brinda la ley de transformación del menos del defecto en el más de la compensación.

26 No original: La compensación, como reacción de la personalidad al defecto, da inicio a nuevos procesos

A compensação não deve ser compreendida e/ou explicada como uma correção biológica automática, pois uma função “comprometida” não será superdesenvolvida imediatamente para compensar a função ausente. Isso significa dizer que uma criança que nasce cega não desenvolverá espontaneamente uma audição apurada. Esse aperfeiçoamento da audição ocorrerá após ser educada socialmente para tal, isto é, já que não pode enxergar por consequência de uma deficiência orgânica, será educada a perceber com mais primor – em relação à pessoa que possui o sentido da visão preservado – os sons e as vibrações para compensar a ausência de visão (BARROCO, 2007).

Vygotski (1929/2012) defendia que o importante era entender como o sujeito se desenvolve sob as condições de uma deficiência sem que esta seja apartada do indivíduo. Essa orientação também será encontrada em Sacks, pois ele afirmou isso de diversos modos, em diferentes trabalhos, quando em seus casos revelava estar preocupado com a maneira como a pessoa convive com a afecção e não com a afecção impessoalizada.

[...] Assim como para a medicina moderna o importante não é a enfermidade, mas o paciente, para a defectologia o objeto não é a insuficiência em si, mas a criança oprimida pela insuficiência [...] Assim, a reação do organismo e a personalidade da criança para o defeito é um fato central e básico, a única realidade com que a defectologia opera. (VIGOTSKI, 1929/2012, p. 14)27.

Para expor o conceito de compensação, Vygotski (1924/2012a) apresenta, primeiramente, a concepção de Adler, da qual se apropriou e superou num segundo momento por entender que não era suficiente para explicar o fenômeno. Para Adler, o “defeito” é a mola propulsora do desenvolvimento do indivíduo, de modo que para aquele que é acometido por um “defeito” orgânico, desenvolvem-se mecanismos em sua estrutura psíquica a fim de superar o sentimento de inferioridade e/ou de menos valia que é consequência direta dos impactos da deficiência na sociabilidade do indivíduo. Tal sentimento, entende Adler, manifesta-se no momento em que o indivíduo reconhece que não é capaz de atender às exigências sociais. Assim, a compreensão do psicanalista austríaco é determinantemente subjetiva, ou seja, a esfera social não assume um lugar constitutivo do sujeito nesse processo de tomada de consciência sobre sua deficiência; a dimensão social é apenas um aspecto externo. Além disso, Adler

27 No original: Así como para la medicina moderna lo importante no es la enfermedad, sino el enfermo, para la

defectología el objeto no lo constituye la insuficiência en sí, sino el niño agobiado por la insuficiencia.. Así la rección del organismo y de la personalidad del niño al defecto es hecho central y básico, la única realidad con que opera la defectología.

considera que a dificuldade oriunda da deficiência, necessariamente, transformar-se-á, em sucesso.

[...] O rompimento definitivo com as visões de Adler só foi articulado em Vygotsky (1931, pp. 119-21) quando ele afirmou que as oportunidades objetivas presentes no coletivo da criança eram mais importantes para a possibilidade de compensação do que seu sentimento subjetivo de inferioridade”. (VAN DER VEER; VALSINER, 1999, p. 83).

Para Adler, a compensação é uma transformação dialética, no sentido de que é precisamente por existir uma “falha” que se encontra a possibilidade de superá-la, ou melhor, é na deficiência que nasce a força para o processo compensatório. Nesse sentido, cabe dizer que para Adler, na tentativa do sujeito superar seu sentimento de inferioridade oriundo de sua deficiência, é que se encontram os mecanismos para compensá-la. Vygotski (1929/2012) refutou tal concepção, criticando por ser um otimismo científico, pois:

Seria errado supor que o processo de compensação sempre termina inevitavelmente

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