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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. Bárbara Caroline Celestino Palhuzi

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Bárbara Caroline Celestino Palhuzi

O conceito vigotskiano de compensação na narrativa clínica de Oliver Sacks

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

São Paulo 2020

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Bárbara Caroline Celestino Palhuzi

O conceito vigotskiano de compensação na narrativa clínica de Oliver Sacks

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação da Profa. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes.

São Paulo 2020

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Banca Examinadora

_________________________________

_________________________________

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Ao compreender que o processo de compensação é luta constante, dedico este trabalho a todos os trabalhadores que pelas mais diferentes vias constituem seus processos compensatórios a fim de suprir as dificuldades educacionais impostas pela luta de classes.

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O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo nº 130059/2019-6.

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AGRADECIMENTOS

Escrever esses agradecimentos em um período de pandemia altera qualitativamente seu significado. Primeiro, por escancarar a desigualdade social e mostrar quem de fato têm acesso aos direitos básicos, como educação. Segundo, por conseguir concluir este ciclo em meio as angústias e medos desse momento e reconhecer as pessoas que me ajudaram, mesmo quando parecia não fazer sentido terminar.

Ao povo brasileiro que me possibilitou acesso ao auxílio financeiro por meio do CNPq. Além de produzir tempo livre para que eu tivesse a oportunidade de estudar.

A toda a minha família, principalmente à Bruna, minha irmã, que dividiu a vida comigo nesses dois anos. À minha avó, Maria Aparecida, que me proporcionou as condições necessárias. À minha mãe, Claudia, pela confiança. À minha tia, Adriana, que contribuiu materialmente com a minha formação. Obrigada, mulheres, pelo apoio, carinho e por tudo que representam!

Ao meu avô, Regnes, com quem eu gostaria de poder compartilhar esta caminhada. Saudades!

À Mitsuko Antunes, minha orientadora, parceira e uma importante referência intelectual e de generosidade para mim. Além das contribuições diretas a esta pesquisa com as pacientes correções, me permitiu e me apoiou viver integralmente o mestrado, em diversas atividades fundamentais à minha formação acadêmica. Valeu pelas (des)orientações, Mimi!

À banca, Bruno Carvalho e Antônio Carlos Ronca, por aceitarem o convite e às considerações feitas não só a este trabalho, mas, principalmente, pela participação direta e constante em minha formação. A ambos, minha admiração pela coerência, rigor e companheirismo.

A todos os meus professores do PED pelas contribuições. Especialmente à Ia, que me acolheu no programa desde o início e me ajudou a crescer academicamente; ao Sérgio Luna, pelo constante rigor e por reconhecer em mim qualidades acadêmicas que eu mesma não identificava; ao Ronca que me ajudou a não perder meu interesse pela literatura e que participou comigo de tantas decisões, pessoais e coletivas. A todos, meu profundo respeito e admiração.

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Aos professores anteriores ao mestrado que contribuíram e me apoiaram para que eu pudesse ingressar na pós-graduação.

Ao Edson, que liga todos os dias a máquina do PED, que me ajudou com tantas burocracias, papos divertidos e pelos cafés.

Aos meus amigos de longa data: Kpta (Henrique Castro), Ana Flávia e Bruno por todo companheirismo e afeto a mim dedicado. Pelos momentos em que dividimos felicidades e dificuldades. Obrigada, pelas conversas sinceras, diversão, contribuições e rigor!

Aos amig@s que de longe me deram algum amparo: Naty Perles, Lari Gomes, Celinha, Hellen Lu, Shiro, Netto, Isa, Vini Araújo e Samara.

Aos novos amig@s que a vida PUC me proporcionou, pessoas admiráveis que deixaram marcas pelas lutas diárias e pelas trocas, desde discussões teóricas a bobagens necessárias. Obrigada por fazerem parte desse ciclo: Jaque, João, Cintia, Lu, Vivi, Márcia, Fábio e Claudia.

Às mulheres que encontrei nesse caminho, que me fortaleceram em momentos distintos e com quem me identifiquei pelas lutas, inquietações, companheirismo, solidariedade e humor (memes, principalmente rs). Obrigada Agda, Ruzia, Jaque e Cíntia!

Ao pessoal da revista Psicologia da Educação por tanto aprendizado, trabalho e descobertas coletivas.

Aos meus amig@s de turma que pelas diversas situações compartilhadas, desde lanches coletivos a incertezas enfrentadas em decorrência do sucateamento da educação brasileira.

Ao “grupo do desespero”, formado por Andréa, Rafa, Angela, Rita, Laura e Larissa, mulheres fortes que tornaram mais leves os momentos de desespero do mestrado e dividiram as alegrias e angústias umas das outras. Obrigadas pelos cafés e cervejas!

Aos camaradas da Inter-SP e aos monitores do 13 de Maio que afiaram minha espada durante as cotidianas lutas da classe trabalhadora.

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Às turmas de quem pude ser monitora.

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A coluna partida, 1944 – Frida Kahlo

O povo mais feliz é o que tiver seus filhos bem-educados, na instrução do pensamento e na direção dos sentimentos. Um povo culto sempre será forte e livre. (Fidel Castro – A história me absolverá)

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RESUMO

PALHUZI, Bárbara Caroline Celestino Palhuzi. O conceito vigotskiano de compensação na narrativa clínica de Oliver Sacks. 2020. Dissertação (Mestrado em Educação: Psicologia da Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2020.

Esta pesquisa trata de um estudo de natureza teórico-conceitual, que teve como objetivo investigar como e se o conceito vigotskiano de compensação, presente nos trabalhos de Defectologia, comparece na narrativa clínica de Oliver Sacks. Para tal investigação foram tomados como objeto os estudos sobre surdez presentes no livro Vendo vozes: uma viagem ao

mundo dos surdos (1989/2002) do neurologista. Realizou-se um levantamento bibliográfico,

para coligir pesquisas relacionadas ao tema em questão e a seleção dos estudos de Sacks para análise. Apresenta-se a sistematização da discussão sobre compensação, expondo os primeiros usos do conceito e as concepções em diferentes áreas de conhecimento; a definição vigotskiana de compensação e a apresentação dos estudos de Defectologia deste autor, nos quais encontram-se o emprego do conceito em questão, tendo as teorizações de Alfred Adler como referência mais direta para na formulação do conceito em tela. O núcleo de sistematização deste trabalho compõe-se de: uma breve exposição biográfica de Sacks; a descrição e a análise de seus estudos sobre surdez, presentes no livro supramencionado, e o cotejamento destes com as teorizações sobre compensação e Defectologia desenvolvidas por Vigotski. Nesta parte do trabalho, são analisadas as aproximações das discussões e investigações feitas por Sacks com as elaborações presentes na psicologia de Vigotski e de seu parceiro de trabalho, Luria, com quem Sacks manteve intenso intercâmbio epistolar. Concluiu-se que o conceito de compensação, bem como algumas concepções sobre linguagem defendidas por Vigotski, comparecem nos estudos de Sacks. No entanto, a presença destas imbricam-se na prática clínica de Sacks, que as incorpora, orientando-as a sua área de conhecimento, a neurologia. Além disso, outras categorias como historicidade e totalidade, fundamentos do método da psicologia histórico-cultural – mesmo que não tenha sido intencional – se fizeram presentes em diversos, ou quase todos, estudos de Sacks pelo movimento investigativo de suas pesquisas. Uma ideia muito importante deste trabalho é que o conceito de compensação refere-se à luta constante por humanização; trata-se, portanto, das condições (materiais e simbólicas) possibilitadas pela cultura para suprir as necessidades dos sujeitos, oriundas de deficiências orgânicas, impedindo, assim, o desdobramento para uma deficiência de segunda ordem causada pela ausência dessas condições. Por fim, entende-se, a partir deste trabalho, que a compreensão de compensação é indispensável como fundamento na elaboração de vias alternativas para a educação, principalmente de crianças com deficiência.

Palavras-chave: Psicologia Histórico-Cultural. Defectologia. Deficiência Auditiva. Vigotski. Luria.

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ABSTRACT

PALHUZI, Bárbara Caroline Celestino Palhuzi. Vygotsky’s concept of compensation in Oliver Sacks’ clinical narrative. 2020. Dissertation (M.Sc. in Education: Educational Psychology) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2020.

This present research is a theoretical-conceptual study, which aimed to investigate how and if Vygotsky's concept of compensation, from his Defectology studies, appears in Oliver Sacks’ clinical narrative; for this particularly investigation, the studies on deafness present in his “Seeing Voices: A Journey Into the World of the Deaf” (1989) book. A bibliographic survey was conducted to gather related works to the topic in hand and the selection of Sacks studies for analysis. It presents the systematization of the compensation’s discussion, exposing the first uses of the concept and its conceptions in different areas of knowledge; Vygotskian definition of compensation and the presentation of this author's Defectology, in which the concept in question is used, with Alfred Adler's studies as the most direct reference for formulating the concept. The core of this work's systematization is composed by: a brief Sacks’ biographical introduction; the description and analysis of his studies on deafness, present previously mentioned book, and the comparison of all these with the theorizations about compensation and Defectology developed by Vygotsky. At this point of the research, were analyzed the approximations of the discussions and investigations made by Sacks with the elaborations present in the psychology of Vygotsky and his working partner, Luria, with whom Sacks maintained an intense epistolary exchange. As a result, the compensation’s concept, as well as some language’s concept defended by Vygotsky, appear in Sacks' studies. However, their presence is intertwined in Sacks' clinical practice, which incorporates them, guiding them to his area of knowledge, neurology. In addition, other categories such as historicity and totality, foundations of the historical-cultural psychology’s method - even if it was not intentional - were present in several, or almost all, studies by Sacks by the investigative movement of his research. A very important idea of this research is that the compensation’s concept refers to a constant struggle for humanization; it is, therefore, the conditions (material and symbolic) made possible by culture to meet the needs of the subjects, arising from organic deficiencies, thus preventing the unfolding of a deficiency of a second order caused by the absence of these conditions. Finally, it is understood, from this research, that the use of the compensation’s concept is indispensable as a basis in the development of alternative ways for education, especially for children with disabilities.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – O sinal radical OLHAR ... 82 Figura 2 – Imagens reproduzidas das capturas computadorizadas de três inflexões gramaticais do sinal OLHAR ... 84 Figura 3 – Consequências de uma lesão no hemisfério cerebral direito... 87

Quadro 1 - Resumo dos procedimentos de inclusão e exclusão do material bibliográfico ... 25

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRAPSO Associação Brasileira de Psicologia Social APA American Psychological Association ASL Língua Americana de Sinais

BVS Biblioteca Virtual em Saúde CAFe Comunidade Acadêmica Federada

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Cpar Campus de Paranaíba

EUA Estados Unidos da América ISL Língua de Sinais Israelense LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde MS Mato Grosso do Sul

Psi Psicologia

QI Quoeficiente de Inteligência SciELO Scientific Eletronic Library Online

UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 14

1 INTRODUÇÃO ... 19

1.1 A pesquisa ... 20

1.2 Procedimentos do levantamento bibliográfico ... 20

1.3 Escolhendo os casos de Oliver Sacks ... 29

2 O CONCEITO DE COMPENSAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ... 31

2.1 Primeiros usos da palavra compensação ... 32

2.2 A concepção de Vigotski sobre o conceito de compensação ... 36

3 A MATERIALIZAÇÃO DO CONCEITO DE COMPENSAÇÃO NA NARRATIVA CLÍNICA DE OLIVER SACKS ... 56

3.1 Conhecendo brevemente a trajetória de Oliver Sacks ... 56

3.2 Aproximação da concepção vigotskiana de compensação nas elaborações de Sacks ... 57

CONCLUSÃO ... 93

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APRESENTAÇÃO

O atual momento histórico tem mostrado cada vez mais a pauperização da condição humana em relação à autodescrição que cada vez mais baseia-se em categorias, geralmente, nosológicas e pouco explicativas. Tais categorias, oriundas de teorizações da psicologia e da psiquiatria, são reproduzidas pelo senso comum como mecanismo auto descritivo, substituindo, assim, ações humanas ricas de sentidos por leis formais abstratas que pouco se relacionam com a condição do sujeito (POLITZER, 1928/2004). Ocorre, assim, o afastamento do próprio indivíduo de si mesmo, no sentido de que ele foi expropriado de meios para conseguir se autodescrever, passando a incumbir a outrem a narrativa de uma consciência. De outro modo, é dizer que estamos, paulatinamente, perdendo (ou não desenvolvendo) a capacidade de falar sobre nós mesmos.

Além disso, um tipo de narrativa clínica como a de Oliver Sacks (1933-2015) choca, parte considerável, da comunidade científica neurológica, por se opor ao desenvolvimento de instrumentos mecanizados que estão cada vez mais transformando as ciências, em especial as naturais, em atomistas (LURIA, 1979/2015) – isto é, a primazia do elementar, da partícula sobre a compreensão da totalidade. Sacks, por não sucumbir a esse modo circunscrito e reduzido de produção científica, é frequentemente colocado no lugar de “literário neurológico” por sua orientação de difusão da ciência; ou melhor, de transformar em conhecimento público aos leigos, teorias e discussões consideradas próprias dos cientistas (mais frequentemente do campo de estudo da neurologia) sem simplificá-las ou perder a complexidade dessas discussões.

A princípio, foi a atitude de Sacks de difundir o conhecimento científico que despertou meu interesse em estudá-lo. Em seguida, vejo a necessidade de devolver à psicologia – em seu trabalho com diferentes afecções – o modo de proceder utilizado por Sacks em seus casos clínicos. Faço uso da palavra “devolver” não por considerar que Sacks expropriou algo da psicologia e a tomou como próprio tal modo de proceder, mas porque o desenvolveu a partir da influência da ciência romântica de Alexander Romanovich Luria (1902-1977), que foi perdida ou pouco conhecida dentro da própria ciência psicológica. Todas essas afirmações serão aprofundadas, justificadas e analisadas no decorrer deste trabalho.

***

O interesse por Sacks teve início antes de meu ingresso no mestrado; foi na disciplina de psicopatologia, no fim do meu quarto ano de psicologia na UFMS (campus de Paranaíba,

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interior do estado de Mato Grosso do Sul), em 2017. Como atividade avaliativa, foi solicitado um trabalho cujo objetivo era apresentar um caso clínico à luz de uma determinada abordagem psicológica. Nesse ínterim, tive meu primeiro contato com a obra de Oliver Sacks, mais precisamente com o livro O homem que confundiu sua mulher com um chapéu (1985/2016). Escolhi o emblemático caso do doutor P1 (que dá título ao livro que narra outros casos além

deste) e analisei-o, junto com o meu grupo de trabalho, sob a perspectiva da psicologia histórico-cultural2.

A narrativa clínica de Sacks era uma completa novidade para mim; na verdade, encontrei em seus casos e no seu modo de proceder com os pacientes uma possibilidade de “desmecanicizar” a produção de relatórios dos estágios. De outro modo, nesse mesmo ano, em 2017, eu já estava finalizando o primeiro de dois semestres de Estágio Obrigatório em Processos Educativos, na modalidade de Orientação à Queixa Escolar – na seção de psicologia da UFMS-Cpar – e não produzia os relatórios exatamente como exigidos pela comissão de estágios, pois acreditava ser insuficiente para apresentar todas as informações, análises e intervenções produzidas em atendimentos. Ademais, o modelo padrão de relatório era incapaz de trazer à tona a singularidade daquele indivíduo que estava sendo acompanhado por mim, eu tinha interesse em apresentá-lo em todas as esferas de sua vida, como uma criança que estava angustiada por ser reconhecida pela família, pela escola e pela comunidade como “problemática”. Minha principal preocupação consistia em apresentar quem era, de fato, o indivíduo e não sua queixa ou seu diagnóstico.

A aproximação com a produção clínica de Sacks me fez perceber que o caminho percorrido até aquele momento não estava equivocado; pelo contrário, poderia contribuir mais que todas as exigências protocolares das práticas desse campo de estudos que é a psicologia, em especial as disciplinas de estágios. Em síntese, eu almejava que a escrita, ou melhor, a produção de relatórios pudesse contemplar o sujeito concreto atendido naquelas sessões, que não se resumisse ao registro e/ou a descrição em si.

1 Em linhas gerais, é o caso de um professor de música que em decorrência de um tumor no lobo occipital perde a

capacidade de perceber o todo de uma imagem; ele consegue apenas identificar suas partes, mas sem uni-las. Doutor P. só era capaz de “visualizar” algo por completo a partir da música corporal da coisa. Ou seja, seu pensamento passou a ser organizado pela música, uma vez que somente conseguia compreender visualmente as coisas se elas tivessem sons (SACKS, 1985/2016).

2 É preciso esclarecer ao leitor que nesta pesquisa utilizar-se-á o termo Psicologia Histórico-Cultural para se referir

diretamente à produção de Vigotski e aos clássicos da Psicologia Soviética. O termo conhecido por Psicologia Sócio-Histórica refere-se à denominação do grupo orientado por Silvia Lane em meados da década de 1980, no Programa de Estudos de Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP. Assim, esse termo é atribuído às produções da psicologia crítica desenvolvida no Brasil que tiveram como fundamento as obras de Vigotski, contudo esta dissertação não se apoiará em tais produções (FURTADO; SVARTMAN, 2009).

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Esses desconfortos supracitados não foram espontâneos, muito menos aconteceram no momento em que eu entrei em uma sala de atendimento ou que tive contato com um único caso de Sacks. Pelo contrário, somente pude me sentir incomodada com a redução da personalidade aos diagnósticos, com as práticas higienistas (ao longo da história), segregacionistas e também com a fragmentação da realidade concreta dos indivíduos por parte da ciência psicológica (mas não só) porque tive acesso a uma formação acadêmica crítica. Desde o primeiro semestre tive professores (Samara Marino e Henrique Castro) que trabalhavam na contramão dessa “cientificização” massiva da academia, em oposição às exigências do modo de produção capitalista e, principalmente, contrários à naturalização dos múltiplos determinantes sociais e à “patologização” das pessoas a favor de uma ideologia dominante que justifica o que foge ao padrão como “defeituoso”, dispensável, inútil etc.

Além disso, a participação como membra, durante quatro anos, no núcleo local de Paranaíba-MS da ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social) me colocou em contato com discussões urgentes na psicologia, mais precisamente à luz da psicologia histórico-cultural. Essa informação, é basicamente uma justificativa para explicitar que, ainda que no curso, nas disciplinas dirigidas à psicologia histórico-cultural, tenha me faltado muito, eu pude suprir esse “déficit” nos encontros da ABRAPSO, em outras disciplinas (apresentadas a seguir) e com professores que trabalharam em Paranaíba, mas que diretamente ou formalmente não foram meus professores, como: Nilson Berenchtein Netto e Célia Regina da Silva.

Dentre as muitas e profundas discussões que tive a oportunidade de participar, as mais significativas para uma leitura crítica da realidade foram provocadas nas aulas de avaliação psicológica, psicopatologia e no grupo de estudos Marxismo e Psicologia, ministradas e coordenado pelo professor Bruno Carvalho. Nesse grupo de estudos, que se iniciou em 2014, quando eu estava no terceiro semestre de psicologia (e continuou até 2017), teve origem uma pesquisa de iniciação científica, a saber: A crise da psicologia na década de 1920 por Vigotski3 e Politzer: uma análise comparativa. Com essa pesquisa pude investigar em profundidade um

dos textos que permitem compreender o ponto alto do pensamento teórico-metodológico de L. S. Vigotski, O significado histórico da crise da psicologia (1926-1927)4.

3 É sabido que o nome de Lev Semionovich Vigotski é grafado de inúmeras formas a depender da tradução, sendo

assim, ao longo desta dissertação, a forma escolhida para grafar foi “Vigotski”.

4 A dupla datação neste texto de Vigotski justifica-se pela investigação de alguns de seus estudiosos, como

Zavershneva (2012) que realizou uma análise documental desta obra e apontou que não há como precisar exatamente a data de finalização do texto. As provas mais conclusivas sobre a data deste texto é que Vigotski iniciou-o no ano de 1926, enquanto estava no hospital em Zakharino (URSS), pois foram encontradas algumas notas referentes a esse texto em um dos cadernos que estavam consigo nesse período.

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O desenvolvimento dessa pesquisa transformou minha leitura sobre a psicologia; pude compreender que, apesar de que Vigotski estivesse analisando, em 1920, as escolas psicológicas (psicanálise, behaviorismo, a psicologia da gestalt e personalismo) vigentes naquele momento histórico, essa crise permanece. Ainda temos uma multiplicidade de teorias, métodos, princípios explicativos que praticamente se anulam, tornando a ciência psicológica dispersa e fragmentária. Esse movimento de parcializar a ciência, acarreta também na compreensão parcializada do sujeito.

Essa exposição é para clarificar que minha aproximação com o tema desta pesquisa vem de muito antes do mestrado e até mesmo do trabalho de conclusão de curso (que considero parte inicial da tarefa que me dediquei a continuar a pesquisar no trabalho em tela). Sendo assim, no TCC, minha pesquisa consistiu em analisar como a ciência romântica de Luria foi incorporada na narrativa clínica de Sacks, pois ambos apresentaram a afecção de seus pacientes a partir da personalidade destes. Deste modo, em linhas muito gerais, essa concepção cunhada por Luria refere-se a um modo de proceder diante dos casos clínicos, colocando sempre em primazia a personalidade e não fixando-se, somente, na explicação da afecção, seja qual for sua natureza.

Após as análises dos casos de Sacks, apontando sua aproximação com Luria, em que ambos colocavam em primazia a personalidade, o sujeito acometido por determinada afecção, pude, então, destacar que tanto Luria, quanto Sacks, não se dedicavam exclusivamente a diagnosticar ou descrever determinados diagnósticos, mas em buscar entender o que uma determinada afecção representava na vida dos indivíduos e em suas relações sociais. Desta maneira, percebi o quão próximas essas compreensões estão dos estudos sobre Defectologia5 de Vigotski, de que não basta quantificar a deficiência, apontar o quanto o indivíduo é incapaz ou, ainda, o quanto este é menos em relação aos indivíduos “normais”.

Vigotski aponta que tanto a marca negativa do “defeito”, quanto a superação do mesmo, isto é, o processo de compensação, se engendram nas relações sociais. Ou seja, somente pela via cultural, com os meios necessários desenvolvidos às necessidades do indivíduo com deficiência, no rompimento das barreiras (físicas e/ou simbólicas) que se impõem ao desenvolvimento é que se torna possível a superação do “defeito” (VIGOTSKI, 1931/2011).

Após definido meu interesse de pesquisa e considerando que adentraria na área de estudos da educação especial/inclusiva, minha primeira opção de orientação foi a professora

5 As expressões “defeito” e “defectologia” serão mantidas conforme utilizadas por Vigotski, não há nenhum uso

valorativo ou moral aqui, é apenas a forma como era o que hoje denominamos deficiência e educação especial/inclusiva. Tais termos serão definidos nos capítulos seguintes.

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Mitsuko Antunes, não apenas pelo seu domínio das discussões dessa área, mas principalmente pelo seu interesse e admiração pela obra de Oliver Sacks.

Por fim, minha escolha em estudar o conceito de compensação que consiste no processo de desenvolvimento da pessoa com deficiência, no sentido de superar as dificuldades orgânicas e sociais impostas, se deu após me apropriar de que é por meio e na cultura que se desenvolve o estigma do indivíduo com deficiência física e/ou psicológica, em que o seu “defeito” é uma condição de menos valia e, paralelamente, é também pela cultura que se possibilitam as condições de educação e os meios para que esse indivíduo se desenvolva. Ou seja, a doença, afecção, patologia, ainda que sejam orgânicas, são as condições sociais que impõem o rótulo de incapacidade ao indivíduo e dificultam seu desenvolvimento, impondo-lhe cada vez mais barreiras. Deste modo, defendo que, por este motivo, é que se torna tão difícil compreender o adoecimento de um sujeito sem antes conhecê-lo ou, ainda, tentar explicar uma afecção “impessoalizada”, sem ter como foco a pessoa que adoece.

É a partir desse conjunto de afirmações que tenho como objetivo analisar como e se o conceito de compensação está presente na narrativa clínica de Oliver Sacks. Com isso, elaborar caminhos, ou melhor, possibilidades de se produzir proposições em direção à compreensão do sujeito concreto e ao seu processo contínuo de compensação, desvencilhando-o das fragmentações que teorizam sobre suas afecções. É preciso afirmar, mais uma e quantas vezes for preciso, que o ser social não pode ser reduzido aos diagnósticos das ciências naturais e, consequentemente, às proposições “biologizantes”. O seu contrário, as proposições “sociologizantes”, também devem ser negadas, pois ainda que o ser seja constituído pelo gênero humano, é preciso que a psicologia, sem abandonar a genericidade, dê conta de compreendê-la em uma singularidade, que é concreta, viva e que sente.

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1 INTRODUÇÃO

A dissertação em tela é uma pesquisa de natureza teórico-conceitual, que tem como objetivo investigar como e se o conceito de compensação – segundo a concepção de L. S. Vigotski – comparece na narrativa clínica e, consequentemente, na condução terapêutica dos casos clínicos de Oliver Sacks, presentes no livro Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos

surdos (1989/2002).

Este capítulo dedica-se a expor o levantamento bibliográfico, que teve como finalidade encontrar as pesquisas que tomaram como objeto de estudo o conceito de compensação tal qual formulado por Vigotski. Além disso, serão apresentados os procedimentos realizados para coligir a literatura necessária e escolha dos casos de Sacks.

O segundo capítulo, O conceito de compensação e sua relação com o desenvolvimento

da pessoa com deficiência, tem como objetivos: a) expor os primeiros usos do conceito de

compensação e seus diversos significados em áreas de conhecimento diferentes e também dentro da ciência psicológica; b) definir o conceito de compensação na perspectiva vigotskiana; c) apresentar a defectologia, campo em que tal conceito foi utilizado e a perspectiva de Alfred Adler (1870-1937), uma das principais referências de Vigotski para formulação desse conceito. O terceiro capítulo, A materialização do conceito de compensação na narrativa clínica

de Oliver Sacks é dedicado a: a) uma breve exposição da vida e da obra de Sacks e sua

aproximação com a teoria de dois principais artífices da Psicologia Histórico-Cultural, A. R. Luria e Vigotski; b) a descrição dos casos sobre surdez acompanhados por Sacks e compilados no livro Vendo Vozes e a análise de como este conceito, tomado aqui como objeto de estudo comparece, c) uma análise da aproximação da concepção vigotskiana de compensação presente nas elaborações de Sacks.

Por fim, uma discussão sobre possíveis contribuições desta pesquisa e encaminhamentos futuros e necessários para o avanço deste estudo no campo da educação. Ou ainda, um fechamento, num estilo ensaístico, para destacar a importância da narrativa de Sacks – no desenvolvimento do relato clínico – como instrumento de estudo e não somente como registro formal.

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1.1 A pesquisa

Este capítulo não é essencialmente um capítulo de método, mas a exposição dos procedimentos, das decisões tomadas no intento de responder aos objetivos desta pesquisa. Assim, será elucidado o percurso adotado dentre outros caminhos possíveis à elaboração desta dissertação.

A sequência para organização das seções deste capítulo tem uma função didática, uma vez que as etapas não foram efetuadas isoladamente, pois foram revistas e repensadas conforme a decisão sobre uma delas orientou possibilidades de decisões sobre as demais. Este capítulo está organizado do seguinte modo: a) apresentação do levantamento bibliográfico; b) escolha do conceito de compensação, tomado como objeto de estudo nesta dissertação, e c) critérios de seleção dos casos de Oliver Sacks que serão estudados no capítulo três. Somente no capítulo três é que se apresentará como serão realizadas as análises dos casos para responder se comparece ou não na condução terapêutica de Sacks aquilo que Vigotski conceituou como compensação.

1.2 Procedimentos do levantamento bibliográfico

O levantamento bibliográfico foi realizado com o objetivo de coligir o que tem sido produzido sobre o conceito de “compensação” – oriundo da psicologia histórico-cultural6 – no

modo de proceder do neurologista Oliver Sacks diante de seus casos clínicos. Ademais, a busca por literatura que versasse sobre o tema em tela também teve como objetivo encontrar subsídios teóricos para que, a posteriori, fossem incorporados à fundamentação teórica e à análise dos dados obtidos nesta pesquisa.

Ao todo, sem ter passado por nenhum filtro de seleção, as buscas nas bases de dados resultaram em 118 produções. Entres essas foram encontrados artigos, livros, teses e dissertações. Com a exclusão dos materiais que se repetiram, esse número se reduziu para 71; destes listam-se: 4 livros, 2 teses, 4 dissertações e 61 artigos7.

6 Conforme analisou Leal (2013), em sua tese de doutorado, este conceito (compensação) foi estudado e

mencionado por muitos teóricos, que atribuíram compreensões diversas. Sendo assim, faz-se necessário especificar a partir de qual compreensão orientou-se este trabalho e as análises relacionadas às buscas por literatura.

7 Esse resultado é apenas o número total das buscas realizadas no período de 09 a 16 de dezembro de 2018. É

preciso dizer que o período de busca mencionado acima refere-se, então, a uma segunda busca por literatura, pois a primeira, que foi realizada no período de 28 de agosto a 10 de setembro de 2018, resultou em 31 materiais

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Essa busca teve os seguintes filtros de seleção: a) área: psychology; b) artigos e livros; c) os idiomas em inglês, português e espanhol, e d) nos últimos 50 anos. Com a finalidade de encontrar mais materiais, optou-se por ampliar os descritores (mencionados a seguir), as bases de dados e incluir teses e dissertações.

Dessa forma, essa segunda busca por artigos e livros, realizou-se a partir de publicações das seguintes bases de dados: Portal periódicos CAPES – feito pelo acesso CAFe8; Scientific

Eletronic Library Online (SciELO); Biblioteca Virtual em Saúde – Brasil (BVS-Brasil); Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia Brasil (BVS-Psi Brasil); Bases em Ciências da Saúde e áreas correlatas; Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Portal Regional BVS, e Portal de Revistas da USP. A escolha de tais bases de dados definiu-se porque estas indexam muitas revistas e periódicos brasileiros. Em seguida, para dissertações e teses as buscas ocorreram no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Os descritores estabelecidos foram seis, sendo eles: “Luria AND compensação”; “Luria AND Oliver Sacks”; “Oliver Sacks AND Psicologia”; “Vygotsky (usando também Vigotski e Vigotsky) AND Oliver Sacks”; “Neuropsicologia AND compensação”; e, “Psiconeurologia”.

Diante dos materiais localizados nas bases de dados a partir dos descritores mencionados, para refinar os resultados foram marcados os seguintes filtros de seleção: a) deveriam ser artigos e livros; b) estar nos idiomas português, inglês ou espanhol; c) ter sido publicado entre a década de 1970 até o ano 2018, e d) ser produção do campo de estudo da educação ou psicologia. Somente para os descritores “Luria AND Oliver Sacks”; “Oliver Sacks AND Psicologia”; “Vygotsky AND Oliver Sacks”, foi selecionado – além dos filtros mencionados – o filtro “psychology”, pois parte majoritária das produções localizadas eram temas muito específicos do campo da medicina, afastando-se do tema de investigação da dissertação em tela.

Há duas justificativas fundamentais em relação aos procedimentos desse primeiro momento da localização das produções. A primeira é que, apesar de descrito que um dos

(apenas artigos e livros). No entanto, uma necessitou de uma terceira busca, no período de 27 de fevereiro a 10 de março, pois os procedimentos das buscas não estavam devidamente descritos.

8 A sigla CAFe significa Comunidade Acadêmica Federada. Esse é um serviço da Rede Nacional de Ensino e

Pesquisa (RNP) que tem permissão, através da assinatura das instituições, o acesso remoto ao conteúdo pago do

Portal de Periódicos da CAPES (Fonte:

http://www.periodicos.capes.gov.br/?option=com_plogin&ym=3&pds_handle=&calling_system=primo&instit ute=CAPES&targetUrl=http://www.periodicos.capes.gov.br&Itemid=155&pagina=CAFe).

(23)

critérios para refinar a busca foi incluir os artigos em três idiomas (português, inglês e espanhol), os descritores estavam somente em português. Houve uma tentativa – no período de 13 a 16 de março de 2018 – de refazer a busca utilizando o operador de truncagem9 “*” ao

radical da palavra para alterar os descritores, com a expectativa de encontrar índices em outros idiomas. Por exemplo: o descritor “Luria AND compensação” foi transformado em “Luria AND compensa*”, pois com isso é possível localizar títulos que possuam as palavras

compensation e compensación. Entretanto, os resultados se ampliaram exponencialmente,

chegando a 9.974 com apenas um descritor em apenas uma base de dados e mesmo com os filtros – aqueles utilizados na busca anterior – para refinar, os resultados ainda eram muito amplos, com 981 índices.

Considerando os artigos e livros localizados a partir dos descritores com o operador de truncagem, pôde-se perceber que as produções contemplavam majoritariamente outras áreas de conhecimento, não satisfazendo o interesse e a busca específica deste levantamento bibliográfico, que consiste necessariamente em encontrar produções sobre um conceito específico de uma determinada abordagem da psicologia. Sendo assim, os descritores estabelecidos continuaram em português e diante das produções em diversas línguas foram selecionados apenas os que estavam nos idiomas supracitados.

O segundo ponto a ser justificado é o ano inicial – do período estabelecido para as buscas por literatura na web – de 1970, que foi definido por condizer com a década em que o psicólogo A. R. Luria publicou seus emblemáticos casos clínicos à luz de sua ciência romântica, a saber:

A mente e a memória (1968) e O homem com um mundo estilhaçado (1972), cujos pacientes,

Sherashevsky e Zazetsky, respectivamente, foram acompanhados por ele por pouco mais de duas décadas. Resumidamente, a ciência romântica luriana é uma concepção que consiste num determinado modo de proceder tanto na elaboração da narrativa clínica quanto na condução terapêutica dos casos. Portanto, é pertinente considerar a publicação de tais livros como um marco inicial pois afirma a aproximação de Sacks com parte da produção de Luria, uma vez que foi a partir da apresentação desse modo de proceder (presente nessas obras) que Sacks, ao incorporá-lo, elaborou sua própria narrativa clínica, sendo este o ponto alto de seu trabalho (PALHUZI, 2018).

Esta é uma explicação em linhas gerais para justificar a escolha do período estabelecido para o levantamento bibliográfico. A discussão e a investigação da incorporação de elementos

9 Os operadores de truncagem de termos são símbolos específicos acrescentados ao radical da palavra que ampliam

(24)

teóricos e conduções terapêuticas oriundos da psicologia em geral e em particular da ciência romântica de Luria por Oliver Sacks serão trabalhados posteriormente. Por ora, é necessário elucidar os procedimentos realizados para a investigação da literatura encontrada sobre o tema supracitado.

O segundo momento dos procedimentos para coligir e analisar a literatura encontrada ocorreu da seguinte maneira: a) foi elaborada uma tabela no programa Microsoft Excel 2016 para anexar e sistematizar todo o material encontrado; esta tabela foi organizada em dez colunas, que indicavam, respectivamente: o número do artigo; a data em que foi encontrado; o título do artigo; autor; instituição do autor; palavras-chave; ano de publicação; fonte e descritor; b) em seguida, após todo material encontrado ser reunido, iniciou-se a seleção deste. Para tanto, o primeiro critério de exclusão foi eliminar os materiais que se repetiram. Deste modo, conforme mencionado anteriormente, o total de 118 foi reduzido para 71; c) posteriormente, alguns foram eliminados pelo título e palavras-chaves, mas quando eram insuficientes ou pouco elucidativos optou-se por ler os resumos. Ademais, nos artigos também foram lidas as referências bibliográficas e utilizada a ferramenta “localizar na página” do navegador de internet Microsoft Egde para procurar as palavras “Vigotski”; “Vygotsky”; “Vigotsky”; “Luria”; “Compensação”; “Sacks” dentro do próprio material; d) por fim, conforme já dito, o período estabelecido para as buscas foi de 1970 a 2018, porém, o artigo mais antigo encontrado foi publicado no ano de 1980.

Feita a compilação da literatura encontrada e após retirados os índices repetidos, foram lidos trinta e nove resumos, incluindo até mesmo alguns artigos excluídos de imediato pelo título, para certificar-se, de fato, não tinha relação com o tema desta dissertação. Dentre os resumos lidos, dois eram de teses, três eram de dissertações e trinta e quatro de artigos. Na sequência, foram lidos os sumários, prefácios e apresentações dos quatro livros encontrados, mas apenas um subitem do capítulo Refletindo sobre a educação inclusiva, do livro Educação

inclusiva: o professor mediando para a vida (SAMPAIO; SAMPAIO, 2009) foi considerado

relevante para o objetivo deste trabalho.

Posteriormente, após a leitura dos resumos, foram selecionados onze artigos para serem lidos integralmente, por serem aqueles que se aproximavam dos critérios de inclusão, a saber: a) o artigo ter como objetivo trabalhar o conceito de “compensação” fundamentado na concepção de Vigotski ou de Luria; b) relacionar a produção de Sacks com pressupostos dos estudos sobre defectologia de Vigotski ou da neuropsicologia de Luria; c) ainda que de maneira ensaística, investigar a aproximação de Sacks com a psicologia histórico-cultural.

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Dos onze artigos lidos integralmente apenas quatro tinham como objetivo trabalhar o conceito de compensação. Os demais artigos e até mesmo aqueles excluídos pelos resumos trabalhavam com o conceito de compensação numa discussão secundária ou referia-se a esse conceito como uma possível ferramenta para analisar determinados grupos. O artigo O trabalho

do deficiente como fator de desenvolvimento (RIBEIRO; LIMA, 2010), a título de exemplo,

aborda o conceito de compensação e aponta que a sociedade possui possibilidades de desenvolver meios para que o indivíduo com deficiência supere suas dificuldades orgânicas. Entretanto, o objetivo do referido artigo é investigar como a empregabilidade (mesmo que sejam trabalhos estritamente manuais) desses sujeitos no mercado de trabalho pode transformar qualitativamente suas vidas na relação com o meio social e, consequentemente, consigo mesmos.

Por fim, os quatro artigos incluídos foram: Reflexões sobre desenvolvimento humano e

neuropsicologia na obra de Vigotski (ANDRADE; SMOLKA, 2012); Vygotskian-Inspired Research on the Developmental Implications of Organic Impairment10 (DAINEZ; SMOLKA, 2016); O conceito de compensação no diálogo de Vigotski com Adler: desenvolvimento

humano, educação e deficiência (DAINEZ; SMOLKA, 2014) e A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal 11 (VIGOTSKI, 1931/2011)12.

É digno de nota que dos quatro trabalhos encontrados e considerados para o embasamento teórico desta pesquisa, três foram de Ana Luiza B. Smolka, pesquisadora brasileira que tem se dedicado a temática da compensação, principalmente no âmbito da educação.

Em síntese, o resultado da busca, pode ser visualizado abaixo, no Quadro 1:

10 Pesquisa sobre o comprometimento orgânico no desenvolvimento a partir da obra vigotskiana.

11 Este artigo mesmo que esteja com o título em português, em todas as buscas que foi localizado estava com o

seguinte título: Los problemas fundamentales de la defectología contemporanea.

12 Este é um artigo de Vigotski traduzido diretamente do original russo (VIGOTSKI, L. S. Defektologuia i utchenie

o razvitii i vospitanii nenormálnogo rebionka. In: Problemi defektologuii [Problemas de defectologia]. Moscou: Prosveschenie, 1995. pp. 451-458.) por Denise Regina Sales, Marta Kohl de Oliveira e Priscila Nascimento Marques. As autoras afirmam que a datação do material é incerta, mas possivelmente foi produzido entre os anos 1924 e 1931.

(26)

Quadro 1 - Resumo dos procedimentos de inclusão e exclusão do material bibliográfico

Fonte: Elaboração própria.

Além da primeira tabela produzida para compilar toda a literatura localizada na web, optou-se por fazer uma tabela-síntese para registrar informações fundamentais dos textos, ou melhor, foi feito basicamente um sumário descritivo apontando a ideia central de cada artigo. De outra maneira, esta tabela teve finalidade auxiliar a leitura dos textos.

Com base na leitura dos artigos que não foram selecionados, faz-se necessário destacar que a menção a Sacks e, em especial, a seu modo de proceder teve uma significativa predominância nos trabalhos na área de estudo das neurociências. Para mais, foi recorrente encontrar em alguns trabalhos a associação entre o conceito de compensação e a neuroplasticidade (aprofundados no capítulo seguinte).

Sem pormenorizar, os artigos que foram excluídos e que mencionavam Sacks, possuíam uma apropriação mecânica de sua narrativa clínica, pois pouco fora apreendido do movimento integral que o neurologista se dedicava a realizar em cada um de seus casos clínicos. De outro

13 CLEMESHA, A. E. Palestina, 1948-2008: 60 Anos de Desenraizamento e Desapropriação. Tiraz, São Paulo, v.

5, [s. n.], p. 167-187, 2008.

14 RASERA, E. F.; GUANAES, C. Momentos marcantes na construção da mudança em terapia familiar. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 26, n. 2, p. 315-322, junho, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722010000200013&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 21 mar. 2019.

15 TOBÓN, M. Los sueños como instrumentos etnográficos. Revista de Antropología Iberoamericana, [s. l.], v.

10, n. 3, p. 333-353, 2015. Disponível em: <http:// www.aibr.org/antropologia/netesp/numeros/10 03/1 00303.pdf>. Acesso em 21 de março de 2019.

16 ANTUNES, C. A. A. O corpo lúdico sua utilização na psicoterapia infantil de orientação Junguiana. 1986.

Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1986.

N Itens

repetidos

Itens não relacionados ao

tema

Exemplos de itens excluídos pelo título N Total Artigos 98 37 71 57 a) Palestina, 1948-2008 - 60 Anos de Desenraizamento e Desapropriação (CLEMESHA, 2008)13 b) Momentos Marcantes na Construção da Mudança em Terapia Familiar (RASERA; GUANAES)14

c) Los sueños como

instrumentos etnográficos (TOBÓN, 2015)15

4

Dissertações

e Teses 12 6 6 6

O corpo lúdico sua utilização na psicoterapia infantil de orientação Junguiana (ANTUNES, 1986)16.

0

Livros 8 4 4 3 - 1

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modo, pode-se dizer que, em muitos dos trabalhos encontrados, a análise integral do indivíduo resultava numa soma de partes, tais como: descobrir a natureza da afecção, unir a sintomatologia desta a características psicológicas tipificadas e associar o quadro clínico às condições sociais do paciente.

Essa compreensão aligeirada de Sacks pode ser contraposta ao que o neurologista afirma em dois de seus livros, Gratidão (SACKS, 2016a) e Sempre em movimento: uma vida (SACKS, 2015), de que a rigor ele não foi um pesquisador, isto é, um cientista ou um teórico que elaborou leis gerais, mas um estudioso que – conforme mencionado anteriormente – dedicava-se a compreender o indivíduo em sua totalidade. Esse era o fio condutor de Sacks em sua prática clínica. Segundo ele:

Os pacientes eram de carne e osso, muitas vezes indivíduos passionais com problemas concretos – e às vezes opções – frequentemente torturantes. Não era uma simples questão de diagnóstico e tratamento; podiam aparecer questões muito mais graves – questões sobre a qualidade de vida e mesmo se valia a pena viver em determinadas circunstâncias. (SACKS, 2015, p. 41).

Para tanto, esse destaque é necessário para que esclareça o problema dos trabalhos que realizam uma análise apressada dos trabalhos de Sacks, pois o neurologista apropriou-se de discussões fora de sua área de estudo; no livro O rio da consciência (SACKS, 2016b), por exemplo, é possível identificar que Sacks conseguia com facilidade compreender e discutir os problemas e objetos de estudos de outras ciências, como se fosse um estudioso das áreas de conhecimento pela qual transitava (evolução, botânica, química, psicologia, filosofia, história da ciência etc.). Assim, seu arcabouço teórico era um referencial para sua prática clínica – principalmente para compreender o comportamento de seus pacientes (SACKS, 2016b) – e isso possibilitou-lhe apresentar em seus casos clínicos não somente a exposição da afecção dos indivíduos que acompanhou, mas o entendimento de como a singularidade de cada personalidade determina o curso de uma mesma afecção vivida por diferentes indivíduos (PALHUZI, 2018).

Outra justificativa importante, especialmente pela grande quantidade de materiais excluídos, é que com base na literatura encontrada pôde-se notar que há praticamente uma ausência desse tema (compensação) na ciência psicológica, mais especificamente na área de psicologia da educação. Ainda são pouco incorporados nos trabalhos teórico-práticos da educação inclusiva os estudos de defectologia de Vigotski e, consequentemente, a compreensão de compensação tal qual cunhada pelo psicólogo soviético. Cabe ressaltar que não se trata propriamente de ausência desse conceito, mas conforme defendido por Dainez e Smolka (2016),

(28)

esse conceito tem sido transformado e utilizado com as mais diversas interpretações e referenciais teóricos.

Considerando o tema desta dissertação – a que esse levantamento bibliográfico auxiliou –, em que se pretendeu investigar a incorporação do conceito de compensação na produção de Oliver Sacks, pôde-se notar também que além da incorporação diminuta desse conceito nas pesquisas em psicologia, Sacks também é um autor pouco pesquisado na psicologia. Em que pese que Sacks não fosse diretamente um estudioso da psicologia e, mais especificamente, da psicologia histórico-cultural, sua noção de totalidade do sujeito se aproxima fortemente dessa abordagem, podendo ser uma possível fonte de instrumentalização de base prática para a atuação do psicólogo. Ainda assim, o que foi mais pertinente nas pesquisas encontradas é que grande parte delas, principalmente as de medicina, coloca a produção de Sacks como um contributo para apenas detectar afecções incompreendidas (ou quase exóticas), tendo sua produção reduzida àquilo que ele próprio criticava, isto é, à fragmentação da medicina e, consequentemente, a fragmentação do indivíduo. Sacks (2015) relacionou essa fragmentação ao boom de especialidades médicas que surgiu na década de 1960, apontando que a medicina estava cada vez mais distante da clínica geral e da compreensão do indivíduo como totalidade. Em grande parte da literatura localizada, por intermédio deste levantamento bibliográfico, além dos equívocos aos trabalhos Sacks, encontrou-se também que a principal menção sobre Luria era a seu trabalho realizado com Sherashevsky, em que buscou compreender e explicar um indivíduo que havia constituído sua personalidade com a interferência de uma função psicológica superior superdesenvolvida, no caso a memória. No entanto, uma predominância nas pesquisas era de uma leitura mecânica deste caso acompanhado por Luria, uma vez que foi descaracterizada por completo sua concepção de ciência romântica, isto é, seu modo de proceder. É possível afirmar que se deu destaque a Luria naquilo que ele próprio considerou acessório, como, por exemplo, a potencialidade da memória e de todos os recursos mnemônicos de seu paciente. Em suma, grande parte dos artigos, principalmente os presentes na medicina, utilizam Luria e Sacks para apresentar a discussão sobre córtex, localização das funções corticais, temas que estão presentes nos escritos de ambos, mas que apresentados isoladamente transformam o caráter daquilo que tinham como objetivo, ou seja, de explicar não a atividade mental e/ou cerebral apenas, mas de entender como acontecem em um sujeito.

Ainda que Sacks seja mencionado pelas neurociências, sua produção é apresentada como uma alternativa secundária para os estudos dessa área, pois em grande parte das críticas

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que recebeu desde que começou a difundir – em meados dos anos 1970, nos jornais dos EUA – seus casos clínicos e explicações neurológicas com uma linguagem compreensível ao público leigo, muitos o apontaram não como um médico, ou cientista, mas como um “literário neurológico”, conforme exposto:

[...] A abordagem de Sacks em relação à medicina implica outro entendimento das doenças: para ele as doenças não podem ser reduzidas aos achados patológicos, elas constituem mundos diferentes. Ele se caracterizou por usar termos filosóficos, psicológicos e míticos para suas interpretações e narrativas. No entanto, apesar de sua perspectiva simpática, a abordagem de Sacks resulta em um certo déficit: suas interpretações nem sempre são realísticas, ficando parciais. Analisando, a partir da reflexão teórica, seu método e atitude permanecem simplistas. Entretanto, ele traz a medicina de volta a um mundo real, ampliando-a para muitos universos (discursivos) além da ciência, na prática e na reflexão teórica. (MERGENTHALER, 2000, p. 277)17.

A citação acima sintetiza parte das críticas feitas a Sacks, principalmente, em relação a suas análises clínicas. O tom desse fragmento mostra a concepção de cunho evidentemente positivista, desconhecendo ou rejeitando outras concepções teórico-metodológicas de ciência. Ademais, desconsidera o trabalho de Sacks por não estar sujeito à padronização dos registros protocolares da medicina.

Apareceram nos materiais localizados, algumas pesquisas enfatizando o enfoque “holístico” da obra de Sacks; estas foram descartadas após a leitura do resumos, pois quando se diz que há uma compreensão holística do fenômeno, afirmando uma explicação de modo integral, acaba por se realizar o seu contrário, ou seja, fragmentando-o, isolando e dissecando todas as partes como se atuassem independentemente de seu conjunto para, posteriormente, uni-las novamente sem sequer buscar o “movimento” entre euni-las – e foi encontrado exatamente essa posição nestas pesquisas, por esse motivo foram excluídas. Isso se afasta substancialmente daquilo que Sacks coloca em primazia, “a dramaticidade da vida humana” (SACKS, 2015, p. 36). Ademais, algo muito recorrente quando se trata de Sacks, foi ter encontrado um texto quase padrão que caracteriza sua obra como holística, de natureza literária e não científica.

17 No original: [...] Sacks’ personal approach to medicine implies another understanding of diseases: For him,

diseases cannot be reduced to pathological facts, they constitute other worlds. He characteristically uses philosophical, psychologicaland mythical terms for interpretationand narration. But conversely to its sympathetic appearance, Sacks’ approach entails some deficits: His presentation is not always realistic, his interpretations are often one-sided. The theoretical reflections on his method and attitude remain poor. Nevertheless, he puts medicine back into lifeworld, to open it for many discourse universes beyond science in practice and theoretical reflection.

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1.3 Escolhendo os casos de Oliver Sacks

Trata-se nesta seção da seleção dos casos de Oliver Sacks que serão expostos e analisados para investigar se a concepção de Vigotski sobre compensação faz-se presente na obra do autor e, se for, de que modo se apresenta; ou seja, é determinante no processo analítico de Sacks ou seu papel é acessório?

No Brasil, a coleção de livros de Sacks publicados pela editora Companhia das Letras reúne 15 índices, que expõem centenas de casos. Não se tem a pretensão de quantificar os casos que Sacks acompanhou ao longo de seu exercício como médico e expôs em suas obras; em alguns livros o autor dedicou-se a estudar comunidades inteiras (além de escrever sobre temas como química, botânica e mesmo uma extensa autobiografia, publicada no final de sua vida) e em outros ele recuperou e compilou casos acompanhados em momentos diferentes de sua atividade, como, por exemplo, no livro Enxaqueca (1992/2015), que no prefácio afirma ter tido contato com mil pacientes acometidos por essa condição. Além disso, há casos que Sacks utilizava como exemplos em notas de rodapé, apenas para completar algumas de suas discussões sobre determinada afecção, mas não os apresentava por completo.

Antes de recorrer diretamente aos casos, foi feita uma “varredura” nos livros de Sacks, separando-os de acordo com as temáticas de seus casos clínicos. Em seguida, com o objetivo de dar enfoque a apenas um tipo de afecção para analisar o processo de compensação dos indivíduos que a manifestam, foi realizada outra “varredura”. Para fazê-la, foram lidos os prefácios, introduções e sumários dos livros, além de que uma boa parte dos livros já haviam sido lidos por completo em outro momento, pela pesquisadora.

Dos quinze livros de Sacks (publicados no Brasil), três versam especificamente sobre o neurologista, sua vida, sua obra e sobre um acidente que o acamou por alguns meses. Dos demais livros, um é sobre um de seus maiores interesses no campo da biologia, a botânica (O

diário de Oaxaca, 2002); outro é sobre outra grande área de interesse que o aproximou dos

estudos das ciências naturais, a química (Tio Tungstênio, 2001); e três nos quais ele expõe suas investigações de comunidades inteiras, Tempo de despertar (1973), uma comunidade hospitalar que sofria de “letargia do sono”, A ilha dos daltônicos e a Ilha das cicadáceas (1996), uma comunidade de daltônicos e Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos (1989), uma comunidade de surdos.

(31)

O primeiro critério de escolha dos casos consistiu em excluir aqueles casos clínicos em que afecções neuropsicológicas são tomadas como objeto, por exemplo delírios e alucinações oriundos de alguma lesão cerebral. Analisar tais conjuntos de casos dependeria de uma pesquisa de fôlego maior, em que pudesse ser investigada com mais cuidado a posição da neurologia e, em alguns casos, também da psiquiatria.

No segundo momento, outro critério era não escolher os casos que fossem afecções do próprio Sacks, pois ainda que seja digno de reconhecimento o primor da capacidade de observação do neurologista, tais casos estariam muito mais próximos de relatos biográficos, como, por exemplo, o livro “Com uma perna só” (1984), um belíssimo estudo sobre compensação, quando Sacks praticamente precisou reaprender a controlar sua motricidade em decorrência da lesão em sua perna após um grave acidente.

Por fim, o critério julgado como decisivo para a escolha dos casos foi considerar aqueles em que Sacks colocou em primazia o estudo da cultura ou, ainda, que se interessou em compreender a esfera social não somente como externa ao indivíduo, mas constitutiva do mesmo. Dito de outra maneira, dentre os casos que poderiam ser escolhidos, como: perturbações motoras, cânceres, autismo, síndrome de Tourette, comprometimento das funções cerebrais, cegueira, surdez etc., reduziu-se àqueles que possuem mais detalhamentos descritivos sobre a cultura e as determinações desta. Assim, por este critério, foram escolhidos, mais precisamente, os livros: Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos (1989) e A ilha dos

daltônicos e a ilha das cicadáceas (1996), que se referem, respectivamente, à surdez e ao

daltonismo de comunidades inteiras.

A escolha pelos casos em que Sacks tenha se preocupado em buscar as determinações da cultura no desenvolvimento humano, tomando-a também como objeto de investigação, possui relação com a defesa de Vigotski de que a compensação é social. Assim, o processo de superação do “defeito”, por vias não “convencionais” do desenvolvimento e a própria marca negativa deste acontecem na e pela cultura. Deste modo, os casos de Sacks precisavam apresentar tal orientação para que fosse possível fazer um paralelo entre sua condução terapêutica e o processo de compensação. E, por último, Vendo Vozes, além de atender a todos os critérios apresentados, também é o livro no qual Sacks cita Vigotski várias vezes.

(32)

2 O CONCEITO DE COMPENSAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Este capítulo tem como objetivo definir o conceito de compensação, tomado como objeto de análise nesta dissertação. Conforme exposto anteriormente, trata-se aqui de destacar a compreensão do conceito tal qual entendida e trabalhada por L. S. Vigotski (1896-1934) em seus trabalhos sobre defectologia18. É importante tal justificativa, uma vez que este conceito

está presente em outras áreas de conhecimento além da psicologia, por exemplo, na física, no direito, na fisiologia e na genética, conforme apontado por Leal (2013), apresentando variações substanciais. A autora mostra, também, que na ciência psicológica existem concepções distintas e, até mesmo, na psicologia histórico-cultural, pois, segundo Dainez e Smolka (2016), há um dissenso entre alguns estudiosos sobre esse conceito em relação às proposições de Vigotski.

Como fonte principal serão utilizados os textos de Vigotski reunidos no livro Obras Escogidas Tomo V – Fundamentos de defectologia19 (1983/2012), a saber: Los problemas fundamentales de la defectología contemporánea (1929/2012) e El defecto y la compensación

(1924/2012a). Como complemento, serão utilizados os materiais localizados por meio do levantamento bibliográfico – já mencionados no capítulo anterior – e para uma exposição histórica do conceito, a discussão apoiar-se-á na tese Compensação e cegueira: um estudo

historiográfico (LEAL, 2013). Por fim, serão situados – a partir dos próprios textos de Vigotski

e de alguns de seus estudiosos – os estudos do psicólogo soviético sobre defectologia, em que o conceito de compensação é tomado como parte fundamental de tais teorizações.

É importante destacar que a partir deste ponto do trabalho, os termos “deficiente, defeituoso, anormal e ‘defeito’” serão substituídos por pessoa com deficiência e deficiência, respectivamente; os termos anteriores apenas serão mantidos nas citações diretas dos textos de Vigotski, pois o autor utilizou-se das palavras correntes em seu momento histórico. Atualmente, essas palavras não são usadas, pois suas etimologias e os significados que carregam possuem definições que negativam o público-alvo a quem se direcionam.

Se há algo consensual na Educação Especial-Inclusiva é a constante mudança dos termos, nomenclaturas e concepções sobre os fenômenos estudados nesse campo. A rigor,

18 São os estudos sobre o desenvolvimento dos indivíduos com deficiência e sobre a construção de uma educação

que possibilite educá-los para que possam aprender e se desenvolver. Em suma, tais estudos buscam caminhos para que se pense uma educação tal qual elaborada para os indivíduos “normais”, retirando-lhe o caráter de uma educação assistencialista (VYGOTSKI, 1929/2012).

19 Essa obra recebe esse título (Obras Escolhidas) porque é uma compilação de uma série de textos de Vigotski. O

(33)

compreende-se que a recorrente mudança de termos utilizados pode ser atribuída à insuficiência destes em expressar idealmente o que existe na materialidade. Outrossim, em relação a essa área, os termos em sua maioria são recorrentemente alterados também em virtude dos inúmeros significados pejorativos que recebem e que, por vezes, são assumidos em atitudes preconceituosas e em comportamentos depreciativos à pessoa com deficiência. Um exemplo de tais palavras que não são mais usadas: idiota, cretino, imbecil, débil mental, retardado, defeituoso, deficiente etc.

A escolha dos termos a serem usados na exposição dos dados produzidos nesta dissertação foi uma decisão a ser tomada para que não houvesse incoerência com as proposições aqui defendidas. Em primeiro lugar, por não se tratar de uma mera decisão protocolar, mas de assumir uma posição política, no sentido de que a depender do termo utilizado poder-se-ia individualizar e culpabilizar o sujeito por sua condição, assim como implicitamente adotar concepções medicalizantes e patologizantes. Em segundo, a escolha foi orientada por uma questão teórica, visto que, na maioria das vezes, a disputa por termos, nas discussões acadêmicas, sobrepõe-se à apreensão da realidade. De outra maneira, é dizer que a teoria tangencia a realidade em vez de representá-la idealmente.

Sendo assim, para ser coerente com os fundamentos da psicologia histórico-cultural – esses, orientados a uma leitura da realidade concreta, com base método materialista histórico-dialético – o termo “diferenças funcionais” se mostrou impreciso, uma vez que não se trata apenas de uma diferença na função, mas em toda estrutura que constitui o sujeito que se desenvolve sob o rótulo de pessoa com deficiência.

Justifica-se que se as deficiências forem consideradas “apenas” como diferenças não há e não haverá necessidade de superá-las a partir do substrato cultural, isto é, encontrando maneiras adequadas e coerentes na educação da criança com deficiência (seja qual for). Cabe dizer que o ponto de partida na educação da criança com deficiência e da criança sem deficiência será diferente, mas o ponto de chegada precisará ser o mesmo, o alcance do pensamento conceitual. Dito isso, o termo utilizado nesta dissertação será “pessoa com deficiência”.

2.1 Primeiros usos da palavra compensação

Não há pretensão de se realizar uma investigação histórica sobre o conceito de compensação, uma vez que já existe um estudo com este objetivo, feito por Leal (2013). Com

(34)

isso, tal estudo será utilizado para apresentar a origem desse conceito e em que momento aparece no campo da psicologia.

Em busca da etimologia da palavra compensação, Leal (2013) recorreu a dicionários da língua portuguesa, etimológicos, analógicos, filosóficos e enciclopédias, até chegar aos manuais e dicionários de psicologia para encontrar o desenvolvimento desse conceito de um modo geral e na ciência psicológica. Nessas pesquisas, a definição mais antiga encontrada está registrada no Latin Dictionary, cuja data é de 1933:

[...] compensação como sendo “uma ponderação, equilíbrio de várias coisas juntas” e, se utilizado no campo dos negócios, um “equilíbrio das contas, uma prestação equivalente”. Há, ainda, uma terceira definição que apesar de não fazer menção a que área se refere, diz que a partir da compensação se “exigiria um equilíbrio sábio para evitar o prazer, se o resultado for maior que o sofrimento; equilibrando desconfortos atenuados” [...]. (LEAL, 2013, p. 72).

Em que pese seja sinalizada a definição acima como a mais antiga, Leal (2013) salienta a existência do estudo de Barth (2009)20 – sobre compensação ambiental – cuja definição de

compensação é registrada no Diccionario da Língua Portuguesa21 de 1813. Contudo, tal

dicionário não foi encontrado pela autora.

Nas várias referências encontradas por Leal (2013) e algumas verificadas na investigação desta dissertação, resumidamente, compensação ou compensar são definidas segundo a noção de cômputo e/ou do campo jurídico, por exemplo: “pôr na balança, ação de pesar coisas, substituição do que falta, vantagem, lucro, contrabalancear, equilíbrio entre partes, ganho, ato ou efeito de compensar, qualidade de igual estado, ressarcimento de prejuízo, indenização proporcionada”. Esse é um compilado das definições encontradas no Latin

Dictionary 1933, Dicionário Latino Português de 1937 e do Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa de 1980 reunidas aqui, propositalmente, para expressar a semelhança entre

as definições e ligeiras modificações que não alteraram o conteúdo destas. Somente na edição de 2009 do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa há uma modificação no modo de organização, pois primeiramente é apresentada a definição ampla do conceito e em seguida especifica-se o conceito por áreas de conhecimento, como: física, genética, fisiologia, no campo jurídico e na psicologia, com duas definições provenientes da psicanálise, sendo elas:

20 BARTH, N. T. Compensação Ambiental. 2009. Disponível em:

http://www.terrabarth.com.br/r2/artgos/9-categoriaartigo01/33-compensa%C3%A7%C3%A3o-ambiental.html. Acesso em: 07 mai. 2019.

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