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Não há pretensão de se realizar uma investigação histórica sobre o conceito de compensação, uma vez que já existe um estudo com este objetivo, feito por Leal (2013). Com

isso, tal estudo será utilizado para apresentar a origem desse conceito e em que momento aparece no campo da psicologia.

Em busca da etimologia da palavra compensação, Leal (2013) recorreu a dicionários da língua portuguesa, etimológicos, analógicos, filosóficos e enciclopédias, até chegar aos manuais e dicionários de psicologia para encontrar o desenvolvimento desse conceito de um modo geral e na ciência psicológica. Nessas pesquisas, a definição mais antiga encontrada está registrada no Latin Dictionary, cuja data é de 1933:

[...] compensação como sendo “uma ponderação, equilíbrio de várias coisas juntas” e, se utilizado no campo dos negócios, um “equilíbrio das contas, uma prestação equivalente”. Há, ainda, uma terceira definição que apesar de não fazer menção a que área se refere, diz que a partir da compensação se “exigiria um equilíbrio sábio para evitar o prazer, se o resultado for maior que o sofrimento; equilibrando desconfortos atenuados” [...]. (LEAL, 2013, p. 72).

Em que pese seja sinalizada a definição acima como a mais antiga, Leal (2013) salienta a existência do estudo de Barth (2009)20 – sobre compensação ambiental – cuja definição de

compensação é registrada no Diccionario da Língua Portuguesa21 de 1813. Contudo, tal

dicionário não foi encontrado pela autora.

Nas várias referências encontradas por Leal (2013) e algumas verificadas na investigação desta dissertação, resumidamente, compensação ou compensar são definidas segundo a noção de cômputo e/ou do campo jurídico, por exemplo: “pôr na balança, ação de pesar coisas, substituição do que falta, vantagem, lucro, contrabalancear, equilíbrio entre partes, ganho, ato ou efeito de compensar, qualidade de igual estado, ressarcimento de prejuízo, indenização proporcionada”. Esse é um compilado das definições encontradas no Latin

Dictionary 1933, Dicionário Latino Português de 1937 e do Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa de 1980 reunidas aqui, propositalmente, para expressar a semelhança entre

as definições e ligeiras modificações que não alteraram o conteúdo destas. Somente na edição de 2009 do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa há uma modificação no modo de organização, pois primeiramente é apresentada a definição ampla do conceito e em seguida especifica-se o conceito por áreas de conhecimento, como: física, genética, fisiologia, no campo jurídico e na psicologia, com duas definições provenientes da psicanálise, sendo elas:

20 BARTH, N. T. Compensação Ambiental. 2009. Disponível em: http://www.terrabarth.com.br/r2/artgos/9-

categoriaartigo01/33-compensa%C3%A7%C3%A3o-ambiental.html. Acesso em: 07 mai. 2019.

[...] “reação inconsciente de contrabalançar deficiência ou inferioridade real ou imaginária, ou de compensar alguma falta, pela procura de satisfação através de um comportamento substantivo” e, mais, “esforço para anular a consciência dolorosa de determinada deficiência de comportamento ou de personalidade”. (LEAL, 2013, pp. 73-74).

É somente nos dicionários de filosofia e enciclopédias de filosofia que se nota o conceito de compensação distanciado das noções de comercialização e de medidas jurídicas “para ganhar a forma de lei ou princípio pautado nos fenômenos do mundo moral” (LEAL, 2013, p. 76). Dito de outra maneira, essa outra noção baseada nas discussões sobre moralidade, se referirá a “como o humano entende sua relação com o outro a partir de uma moral, nos remetendo ao conceito de condição humana” (LEAL, 2013, p. 77).

A partir de compreensões do senso-comum, ao refletir sobre a palavra compensação, o pensamento é quase imediatamente direcionado a noções e situações de cálculos, justiça, ao princípio de balança, de substituição por algo ou, muito semelhante, a recompensas, como por exemplo: é preciso compensar a falta ou carência de vitaminas no organismo com medicamentos. Das definições supramencionadas nos parágrafos anteriores em relação às formulações presentes no senso comum, é possível identificar que não se afastam consideravelmente e, por este motivo, torna-se, mais que necessário, definir esse conceito para a psicologia e, principalmente, para a concepção de Vigotski.

A grande maioria dos estudos sobre compensação – inclusive o próprio Vigotski nos

Fundamentos de Defectologia (1983/2012) – faz referência a Alfred Adler22 (1870-1937) como

o precursor desse conceito, sendo o primeiro, devidamente reconhecido, a mencionar na psicologia o conceito de compensação, em meados do ano 1907, como o ponto central de sua teoria sobre o sentimento de inferioridade no desenvolvimento de sua psicologia individual (LEAL; ANTUNES, 2015) que será exposta mais adiante. Devido a isso, nos dicionários de

22 Alfred Adler, que é um dos mais respeitados nomes da psicanálise, formou-se em medicina nos anos 1895, pela

Universidade de Viena, se especializou em oftalmologia e trabalhou como clínico geral. Em 1902 orientou seus interesses à psiquiatria, momento em que se aproximou e ajudou a fundar Sociedade Psicanalítica de Viena juntamente com Sigmund Freud (1856-1939). Em meados dos anos 1911, por divergências teórica, política e pessoal, rompe com Freud, pois considerava que as influências da sexualidade não deveriam ser o primado da formação da personalidade. Adler defendia que os fatores sociais tinham uma importante relevância na determinação do comportamento e, além disso, sua teoria se remetia ao passado (individual) para conferir as influências que a criança teve, mas sua principal preocupação era direcionada para o futuro, ou seja, como os esforços do indivíduo o possibilitariam alcançar o objetivo de superioridade. Tal objetivo era considerado como a busca pelo desenvolvimento pleno ou sentido de perfeição que todo indivíduo almeja. De outro modo, Adler afirmou que todo indivíduo possui um interesse social inato que consiste em cooperar com os demais a fim de atingir objetivos pessoais e sociais (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

psicologia encontram-se mais definições oriundas de teorias psicanalíticas, especificamente a Adler, em comparação às demais teorias psicológicas.

As seis definições de compensação encontradas por Leal (2013), ao verificar os dicionários de psicologia, estão presentes em: a) Dicionário de Psicologia, de 1969, organizado por Piéron; b) Dicionário de Psicologia, de 1982, sob organização de Arnold, Eysenck e Meili; c) Dicionário de Psicologia Larousse Artmed, de 1998; d) Dicionário de Psicologia Dorsch, do ano de 2001; e) Dicionário de Psicologia, de 2002, sob organização de Doron e Parot; e, por último, f) o Dicionário de Psicologia APA (American Psychological Association), de 2010.

Dentre todos os dicionários apresentados, a definição predominante de compensação encontrada refere-se à possibilidade de “superar uma falta”. O sentido do conceito é modificado de acordo com as perspectivas teóricas; assim, está relacionado a neuroses, vontade, lesões cerebrais, neuroplasticidade, patologias. Ou seja, ora é entendido como uma ação intencional do indivíduo para suprir determinada deficiência, ora é entendido como força psíquica inconsciente em busca de superar a “inferioridade” e, noutro momento, é atividade natural do próprio organismo que se organiza para substituir automaticamente uma função que apresenta falhas.

O dicionário da APA – em que consta a última definição exposta por Leal (2013) – atribui à compensação a “substituição ou desenvolvimento de forças e capacidades em uma área para compensar falhas ou deficiências reais ou imaginárias” (VANDENBOS, 2010, p. 193). Nesse material, é mencionado também o conceito de supercompensação, que não se encerra na superação da “falha” ou do “defeito”, mas no hiperdesenvolvimento de habilidades com notoriedade, ou seja, o indivíduo supera o desenvolvimento satisfatório, esperado socialmente. Ademais, são mencionadas as concepções de alguns autores, a saber:

O dicionário APA acrescenta, ainda, que para Freud a compensação é um mecanismo de defesa que protege o indivíduo da percepção consciente das falhas ou deficiências; para Adler é o conceito central de sua teoria sobre a personalidade, pois vê todos os empenhos humanos como uma resposta a sentimentos de inferioridade; e pela primeira vez encontramos menção ao conceito de compensação na teoria de Jean Piaget: “um processo mental – uma forma de REVERSIBILIDADE – em que percebemos que para toda operação existe outra operação que compensa os efeitos da primeira, isto é, uma mudança numa dimensão pode compensar mudanças em outras (VANDENBOS, 2010, p. 193, grifo do autor). (LEAL, 2013, pp. 81-82).

Por fim, Leal (2013) apresenta a concepção de Vigotski – que por sinal não foi encontrada em nenhum dicionário de psicologia supramencionado – que consiste na primazia das potencialidades do indivíduo em contraponto ao foco das deficiências. Ademais, vale

ressaltar que potencialidade é considerada nesta pesquisa como aquilo que o indivíduo pode vir a ser capaz de realizar a partir do substrato cultural, ou seja, as capacidades que serão desenvolvidas por meio dos instrumentos socialmente elaborados para superar o dano orgânico ou psíquico.

Leal (2013) se dedica, ainda, a investigar o desenvolvimento histórico do conceito de compensação, e qual sua expressão em cada momento no trabalho com pessoas cegas, isto é, qual foi o papel da compensação e os meios elaborados a partir das proposições desse conceito (e processo) para educação dos cegos.

Na seção seguinte será aprofundada a concepção de compensação para Vigotski e a formulação de Adler, uma vez que é sua referência mais direta e situar-se-ão os estudos de defectologia em que tal conceito aparece nos escritos de Vigotski.

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