• Nenhum resultado encontrado

Aproximação da concepção vigotskiana de compensação nas elaborações de Sacks

O neurologista relata que o livro Vendo vozes é composto por três partes, que foram escritas em momentos distintos. A primeira foi elaborada entre os anos 1985 e 1986 como resenha do livro When the mind hears: a history of the deaf45 (1984) de Harlan Lane46 (1936-

2019) e posteriormente foi transformada num ensaio para publicação no New York Review

44 Título original: Awakenings.

45 “Quando a mente ouve: uma história de surdos”.

46 Foi professor do curso de psicologia na Northeastern University, situada em Boston, no estado de Massachusetts,

nos EUA. Era uma importante referência nas pesquisas sobre a comunidade surda, sua cultura e a língua de sinais.

Books47 no ano de 1986. A segunda parte, Sacks escreveu por último no final do ano de 1988 e

considerou ser o núcleo do livro, isto é, o momento de sua sistematização sobre o tema surdez. Por fim, a terceira parte foi motivada pelos estudantes da Gallaudet University48 e publicada em

junho de 1988 no New York Review Books (SACKS, 1989/2002).

É preciso destacar já no início deste capítulo que será usado o termo “surdo” para os sujeitos sob condição de deficiência auditiva e “ouvinte” para aqueles sujeitos que não possuem deficiências auditivas. Ambos, “surdo e ouvinte”, serão referidos como substantivos; é importante que seja esclarecida tal escolha para que não haja adjetivações negativas sobre os termos em questão.

Logo nas primeiras páginas do livro, Sacks não se baseou em conferir apenas aspectos biológicos à condição humana, marcando uma posição distinta dos neurologistas de modo geral, quando afirma: “[...] É facílimo aceitarmos como natural a língua, a nossa própria língua – talvez seja preciso encontrarmos outra língua, ou, melhor dizendo, um outro “modo” de linguagem, para nos surpreender, nos maravilhar novamente [...]” (SACKS, 1989/2002, p. 9). O autor destaca que a língua de sinais não pode ser entendida apenas como um outro idioma, mas um outro modo de linguagem que opera de outro modo no desenvolvimento do sujeito, que reestrutura a forma pela qual o sujeito age e se apropria do mundo.

Para conhecer e se aprofundar na investigação sobre pessoas surdas e sua linguagem, Sacks imergiu, em meados da década de 1980, neste universo até então desconhecido por ele. Se aproximou de pessoas surdas e de suas famílias, visitou escolas para surdos, a renomada universidade de surdos, a Galleudet University – localizada em Washington, capital dos EUA. Frequentou a Ilha de Martha’s Vineyard – situada no estado de Massachusetts, nos EUA – onde a língua predominante era a de sinais, pois existia uma grande quantidade de pessoas com surdez hereditária. Por fim, direcionou-se às cidades de Fremont e Rochester – ambas nos EUA; a primeira fica no estado da Califórnia e a segunda no estado de Nova Iorque – onde havia uma inédita e apreciável interlocução entre surdos e ouvintes. Além de conhecer todos esses lugares e seus respectivos funcionamentos, Sacks dedicou-se a interagir com estudiosos especialistas na língua de sinais e com notáveis estudante surdos (SACKS, 1989/2002).

Sacks (1989/2002), entusiasmado com o início do novo estudo, registra que: “[...] Ainda que jamais tenha esquecido a condição ‘médica’ dos surdos, fui então levado a vê-los sob uma

47 Fundada em 1963, a New York Review Books é uma revista estadunidense que publica quinzenalmente ensaios,

resenhas, opiniões de autores, geralmente famosos, sobre temas diversos, como: cultura, política, religião, ciência, arte etc. (Fonte: https://www.nybooks.com/about/).

luz nova, ‘étnica’, como um povo, com uma língua distinta, com sensibilidade e cultura próprias” (p. 10). É coerente o posicionamento do neurologista à luta da comunidade surda ao reconhecê-la como uma cultura, principalmente pela proposição feita pelos seus membros (destacada por Sacks no Vendo vozes) de que para se referir à surdez auditiva que seja com “s” minúsculo e para se referir a uma comunicação linguística e cultural deve-se escrever Surdez com “s” maiúsculo. De outro modo, trata-se não apenas de um grupo de pessoas com deficiência auditiva, mas de uma comunidade que possui suas lutas históricas e diárias por inserção plena na sociedade.

No prefácio do livro, Sacks apresenta uma concepção de desenvolvimento que se aproxima daquela que Vigotski defende em sua abordagem, discutida no segundo capítulo desta pesquisa, a saber:

[...] O estudo dos surdos mostra-nos que boa parte do que é distintivamente humano em nós – nossas capacidades de linguagem, pensamento, comunicação e cultura – não se desenvolve de maneira automática, não se compõe apenas de funções biológicas, mas também tem origem social e histórica; essas capacidades são um presente – o mais maravilhoso dos presentes – de uma geração para a outra. Percebemos que a cultura é tão importante quanto a natureza. (SACKS, 1989/2002, pp. 10-11, grifo do autor).

Ainda assim, é necessário pôr em foco uma ligeira, mas, fundamental, diferença entre essa afirmação de Sacks e o pensamento de Vigotski. O primeiro pontua que a “cultura é tão importante quanto a natureza”, enquanto o segundo – se bem explanado no capítulo 2 (O

conceito de compensação e sua importância no desenvolvimento da criança com deficiência)

– compreende que a natureza é fundamental, caso contrário não existiria o organismo. No entanto, a materialidade sensível do ser só se desenvolverá e torná-lo-á humano se estiver imerso em uma cultura. Na tese de Vigotski, a cultura suprassume o desenvolvimento da natureza, ou melhor, é ela que o rege, no sentido de que as leis que propiciam o desenvolvimento humano são as aquelas de natureza social.

Sacks (1989/2002) expõe como as potências do indivíduo possibilita-lhe desenvolver- se, enfatizando a capacidade de reorganização do cérebro humano e do sistema nervoso como um todo, frente às adversidades. Essa ideia se aproximaria da concepção de compensação de Vigotski se Sacks tivesse enfatizado que até mesmo a possibilidade de reorganização cerebral ocorre a partir do processo cultural à medida que o sujeito se envolve (e é envolvido) em caminhos diferentes dos habituais para desenvolver-se. Pode-se verificar tal ideia no seguinte trecho:

A existência de uma língua visual, a língua de sinais, e das espantosas intensificações da percepção e inteligência visual que acompanham sua aquisição demonstra que o cérebro é rico em potenciais que nunca teríamos imaginado e também revela a quase ilimitada flexibilidade e capacidade do sistema nervoso, do organismo humano, quando depara com o novo e precisa adaptar-se. Se esse tema nos mostra as vulnerabilidades, os modos como (muitas vezes inadvertidamente) podemos prejudicar a nós mesmos, ele nos mostra, da mesma forma, nossas forças desconhecidas e inesperadas, os infinitos recursos de sobrevivência e transcendência com que nos dotaram, juntas, a natureza e a cultura. (SACKS, 1989/2002, p. 11). Sacks discorre com honestidade que não possuía especialidade nos estudos sobre surdez, nem sequer se interessava pelo assunto; a primeira aproximação dele com o tema foi a partir do livro – mencionado anteriormente – de Harlan Lane, When the mind hears: a history of the deaf, que o quase total desconhecimento transformou-se em fascínio. O interesse foi tão repentino que Sacks procurou uma colega, Isabelle Rapin49 (1927-2017) – que era especialista há 25 anos

no tema – e logo após entrou em contato com uma moça surda, Lucy K., que foi educada pela família para se adequar ao “mundo” dos ouvintes, isto é, primeiramente aprendeu a ler lábios e só aos 14 anos aprendeu a língua de sinais. Esse é um caso emblemático que exemplifica uma das dificuldades encontradas pelas pessoas surdas congênitas que não têm suas necessidades devidamente compensadas. Lucy K manifestou que: “[...] Às vezes sinto que estou entre dois mundos, que não me ajusto perfeitamente em nenhum deles” (SACKS, 1989/2002, p. 16).

Rapidamente a leitura de Sacks sobre a comunidade surda se expandiu, leu coletâneas, ensaios biográficos sobre as primeiras experiências da educação de surdos e até mesmo ensaios autobiográficos. Se aprofundou nesse tema sob diversas dimensões: científica, pessoal, antropológica, educativa etc., como alguém que investiga a totalidade de um fenômeno. Dentre esse universo, Sacks (1989/2002) tornou-se cônscio da imprecisão do termo “surdo”, uma vez que há graus distintos de surdez; além da faixa etária, o período do desenvolvimento e traumas físicos serem igualmente importantes. Mas dedicou-se no Vendo Vozes apenas aos surdos congênitos.

David Wright (1920-1994), um poeta e novelista sul-africano, em seu livro autobiográfico, Deafness50 (1969), relata seu caso de surdez pós-linguística, isto é, pessoas que

49 Isabelle Juliette Martha Rapin, pediatra e neurologista, atuou Faculdade de Medicina Albert Einstein desde 1958

dirigindo pesquisas em medicina por mais de 50 anos. Foi uma das mais importantes pesquisadoras sobre Transtorno do Espectro Autista (TEA), tornando pública a discussão sobre esse tema. Além disso, dedicou-se a estudos denominados como “transtornos de comunicação”. Rapin teve a oportunidade de trabalhar e se especializar – mesmo que temporariamente – em alguns renomados hospitais, como: Salpêtrière e Hôpital Necker-Enfants Malades, em Paris; no Hospital Bellevue, em Manhattan; no Instituto Neurológico de Nova York, e no Hospital Presbiteriano de Columbia (Fonte: magazine.einstein.yu.edu/backup/fall- 2017/remembering-isabelle-rapin/).

se tornam surdas após aprenderem a se comunicar com a linguagem dos ouvintes. O poeta relata que ficou surdo aos oito anos e durante alguns anos seguintes conseguia, estranhamente, ouvir vozes, denominadas por ele de vozes fantasmagóricas, pois não eram vozes de fato, mas memórias auditivas (SACKS, 1989/2002).

[Minha surdez] ficou mais difícil de perceber porque desde o princípio meus olhos inconscientemente haviam começado a traduzir o movimento em som. Minha mãe passava grande parte do dia ao meu lado e eu entendia tudo o que ela dizia. Por que não? Sem saber, eu vinha lendo seus lábios a vida inteira. Quando ela falava, eu parecia ouvir sua voz. Foi uma ilusão que persistiu mesmo depois de eu ficar sabendo que era uma ilusão. Meu pai, meu primo, todas as pessoas que eu conhecia conservavam vozes fantasmagóricas. Só me dei conta que eram imaginárias, projeções do hábito e da memória, depois de sair do hospital. Um dia eu estava conversando com meu primo, e ele, num momento de inspiração, cobriu a boca com a mão enquanto falava. Silêncio! De uma vez por todas, compreendi que quando não podia ver eu não conseguia escutar. (WRIGHT apud SACKS, 1989/2002, p. 19). Os surdos denominados de pré-linguísticos não possuem memórias auditivas, portanto as “vozes fantasmagóricas” não os acompanham, o que acontece com eles é o aperfeiçoamento da percepção de discriminação de ruídos, ou melhor, desenvolvem uma capacidade aguçada, uma sensibilidade apurada das vibrações e quanto mais aprendem a diversificá-las mais refinada e sofisticada torna-se essa percepção. Assim como Vigotski, Sacks atribuiu à linguagem fundamental importância, a possibilidade de humanização e discorreu sobre a problemática de nascer surdo em circunstâncias de desfavorecimento material (condições sociais de acesso a instrumentalização) necessários para educação dos natissurdos. Tal declaração pode ser encontrada no trecho a seguir:

[...] os que têm surdez pré-linguística, incapazes de ouvir seus pais, correm o risco de ficar seriamente atrasados, quando não permanentemente deficientes, na compreensão da língua, a menos que se tomem providências eficazes com toda presteza. E ser deficiente na linguagem, para um ser humano, é uma das calamidades mais terríveis, porque é apenas por meio da língua que entramos plenamente em nosso estado e cultura humanos, que nos comunicamos livremente com nossos semelhantes, adquirimos e compartilhamos informações. Se não pudermos fazer isso, ficaremos incapacitados e isolados, de um modo bizarro – sejam quais forem nossos desejos, esforços e capacidades inatas. E, de fato, podemos ser tão pouco capazes de realizar nossas capacidades intelectuais que pareceremos deficientes. (SACKS, 1989/2002, p. 22).

Atente-se que Sacks é meticuloso no uso das palavras e com os significados que as acompanham. Note-se que ele escreveu “correm o risco de ficarem seriamente atrasados”, não necessariamente ficarão, pois, conforme elucida a seguir, “a menos que se tomem providências eficazes”, isto é, salvaguardas as condições materiais, tais indivíduos não ficarão às margens da

humanização. Novamente, Sacks não é peremptório ao apresentar as consequências de um fenômeno, e deixa evidente em sua descrição possíveis desdobramentos das situações. Em outras palavras, se se deixar que a natureza corra seu curso sem interferência cultural e se esperar que o desenvolvimento humano seja linear e natural – no sentido maturacional – esse ser permanecerá incapaz de sociabilização e, consequente, de tornar-se humano.

Sacks exemplificou os problemas da ausência de linguagem na humanização de Victor, emblemático caso, conduzido por Jean-Marc Itard51, que ocorreu em 1800. Trata-se de um

menino encontrado em 1799 nas florestas de Aveyron na França; ficou conhecido como Menino Selvagem por não se comunicar, andar como quadrúpede e viver como animal. A princípio foi levado ao Instituto Nacional para Surdos-Mudos em Paris, por ser considerado surdo devido à ausência de linguagem e falta de comunicação. Em seguida, após a constatação de que não era surdo, surgiu o interesse em alternativas para ensinar a linguagem humana e, com isso, pesquisar as possíveis naturezas desta no ser humano (SACKS, 1989/2002).

As escolas “orais” para surdos foram a grande imposição durante o século XIX para que os surdos não fossem reconhecidos como tal e se adequassem ao máximo ao mundo dos ouvintes. O método pedagógico dessas escolas não condizia com a psicofísica da pessoa surda, uma vez que era severamente proibida a linguagem de sinais e para isso era exigido um árduo esforço, quase que ininterrupto, mecânico e individualizado tanto do estudante quanto do professor (SACKS, 1989/2002). Tais práticas pedagógicas limitavam o desenvolvimento do pensamento abstrato, ao passo que eram direcionadas apenas para leitura escrita e labial, como forma de decodificar mecanicamente a comunicação. Essa proposta pode ser útil para os surdos pós-linguísticos como David (caso supramencionado), mas para os natissurdos isso é um entrave no desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores.

Em Principios de la educación social de los niños sordomudos (1925/2012), Vigotski se debruça especificamente sobre o processo de ensino-aprendizagem das crianças surdas, alegando que não havia conhecimento científico consolidado sobre a questão nem na psicologia, nem na pedagogia. O ponto de partida, certamente, seria desenvolver a necessidade de linguagem nesses indivíduos, não apenas como uma mera comunicação, mas, principalmente, para constituição da humanização destes

51Jean Marc Gaspard Itard nasceu em Oraison na França. Médico francês, trabalhou no Instituto Nacional de

Surdos-Mudos de Paris, onde se dedicou a estudar os surdos e práticas pedagógicas na educação desses sujeitos. Ademais, foi um estudioso primordial sobre a síndrome de Tourette e um dos primeiros a discorrer sobre bases científicas a respeito das deficiências intelectuais, contribuindo assim, com parte das teorizações da psicologia infantil (Fonte: https://www.britannica.com/biography/Jean-Marc-Gaspard-Itard).

[...] É preciso organizar a vida da criança de forma que a linguagem seja necessária e interessante; por outro lado, que a mímica não é interessante nem necessária para ele. O ensino deve ser orientado para os interesses das crianças e não contra elas. Devemos fazer dos instintos da criança nossos aliados e não nossos inimigos. Devemos criar a necessidade da linguagem humana, para que a linguagem venha por si mesma. A experiência fala em favor disso. A vida fala em favor disso. A escola tradicional não só não pode "imergir a língua na criança" – de acordo com uma expressão de Stern – , mas nela tudo está organizado para suprimir a necessidade de linguagem oral. A linguagem nasce da necessidade de se comunicar e pensar; pensamento e comunicação são o resultado da adaptação às complexas condições de vida. (VYGOTSKI, 1925/2012, p. 125)52.

É importante destacar que o desenvolvimento das forças produtivas, consequência do ininterrupto trabalho humano, desenvolveu possibilidades de educar crianças surdas congênitas, seja por meio de instrumentos cada vez mais inovadores, seja pela elaboração de estratégias mais especializadas a fim de contribuir para a educação desses sujeitos. O que significa dizer isso? Em suma, pode-se entender que o dano biológico do surdo no mundo atual é o mesmo daquele que viveu em séculos passados, o que difere são as ferramentas, ou melhor, os instrumentos e signos desenvolvidos e dedicados a suprir esse dano orgânico e estabelecer vias diferentes daquelas consolidadas hegemonicamente para a educação dos sujeitos. Conforme discorre Sacks:

A situação das pessoas com surdez pré-linguística antes de 1750 era de fato uma calamidade: incapazes de comunicar-se livremente até mesmo com seus pais e familiares, restritos a alguns sinais e gestos rudimentares, isolados, exceto nas grandes cidades, até mesmo na comunidade de pessoas com o mesmo problema, privados de alfabetização e instrução, de todo conhecimento do mundo, forçados a fazer os trabalhos mais desprezíveis, vivendo sozinhos, muitas vezes à beira da miséria, considerados pela lei e pela sociedade como pouco mais do que imbecis – a sorte dos surdos era evidentemente medonha. (SACKS, 1989/2002, p. 27).

Essa questão, no entanto, não pode ser confundida com uma “força de vontade” ou desejo dos responsáveis pela educação dessas crianças surdas. É fundamental reforçar, que em que pese existam meios para uma educação de qualidade, nem todos poderão acessá-la, ou seja, não basta os pais e educadores acreditarem no desenvolvimento da criança, é preciso que esta encontre condições objetivas para tal. Nesse sentido, trata-se de reconhecer que a sociedade é

52 No original: [...] Es preciso organizar la vida del niño de tal manera que el lenguaje le resulte necesario e

interesante; en cambio, que la mímica no sea para él ni interesante ni necessaria. Se debe orientar la enseñanza en el sentido de los intereses infantiles y no contra de ells. Debemos convertir los instintos del niño en nuestro aliados y no en nuestros enemigos. Debemos crear la necesidade del linguaje humano, entonces el lenguaje vendrá de por sí. La experiencia habla en favor de esto. La vida habla en favor de esto. La escuela tradicional no solo no puede "sumergir al niño el leguaje" - según una expresión de Stern -, sino que en él todo está organizado como para suprimir la necesidade del lenguaje oral. El lenguaje nace de la necesidade de comunicarse y pensar; el pensamiento y la comunicación son resultantes de la adaptación a las condiciones complejas de la vida.

dividida em classes antagônicas, em que uma é explorada e apenas sobrevive com o mínimo e a outra domina e desfruta de todos os privilégios retirados da classe que explora, isto é, daquela que tudo produz. Significa dizer que se até mesmo a criança sem deficiências encontra dificuldades em ter assegurada uma educação de qualidade – caso não possua tais condições objetivas –, a situação se agrava extraordinariamente para aquelas crianças cujo desenvolvimento ocorre por outras vias, diferentes das hegemonicamente estabelecidas como “normais”.

Não basta a humanidade ter desenvolvido todos esses meios, é preciso que sejam de acesso universal, caso contrário, resolver a questão da educação dos surdos ainda permanecerá na ordem do dia. Ademais, faz-se necessário enfatizar que não se trata aqui de meios, estritamente concretos, mas ao acesso, inclusive de informações e formação dos responsáveis e da comunidade para reconhecer as necessidades das crianças surdas.

[...] As crianças surdas demonstram desde o início uma organização diferente, que requer (e exige) um tipo de resposta diferente. Pais ouvintes com sensibilidade podem reconhecer isso em certa medida e tornar-se, eles próprios, muito habilidosos em interação visual. Mas existe um limite para o que os pais ouvintes, por mais amorosos que sejam, podem proporcionar; porque eles são, por natureza, seres auditivos e não visuais. É preciso uma interação adicional, totalmente visual, para que a criança surda possa desenvolver sua própria identidade, especial e única – e isso só pode ser proporcionado por um outro ser visual, uma outra pessoa surda. (SACKS, 1989/2002, p. 75, grifo do autor).

Uma série de crianças que são privadas dos processos de escolarização e que não conquistam o campo conceitual do pensamento, aparentemente se identificam a produção danos notórios, entretanto o sujeito que não teve as condições necessárias para desenvolver as funções psicológicas superiores, consequentemente, tem prejudicado o desenvolvimento de sua subjetividade, sua personalidade, aquilo que o torna um ser único e irrepetível no mundo. Sacks (1989/2002) aponta essa preocupação quando registra: “Mas o que se evidenciava não era nada em comparação com a destruição íntima – a destruição do conhecimento e do pensamento [...]” (p. 28). Tal ideia é bem próxima da tese que Vigotski (1929/2000) defende ao dizer que o desenvolvimento se orienta para a individualização das funções sociais.

Sacks, em todos seus estudos, dedica-se a revisões de fôlego da literatura, recorre a antigos registros históricos na tentativa de encontrar as primeiras experiências sobre o tema e fez o mesmo em sua pesquisa sobre Surdez. O neurologista relata que no século XVI o médico-

filósofo Cardano53 (1501-1576) defendeu que a compreensão das ideias não necessariamente

precisaria acontecer apenas pela capacidade de escutar palavras, a saber:

Documentos relacionados