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Capítulo 2 – Enquadramento de Aplicação

2.2. Contextualização curricular

2.2.2. A conjuntura curricular

As estruturas curriculares, apesar de não promoverem, num sentido totalmente explícito, um método de trabalho escolar consciente da noção de IM, em nada se opõem ao mesmo. Já a conjuntura curricular na qual se desenvolveu a implementação deste projeto pareceu ir de encontro às propostas de Gardner.

Prova disso é o documento elaborado por um grupo de trabalho, a pedido do Ministério da Educação, sob coordenação de Guilherme d’Oliveira Martins (2017), que traçou o Perfil dos alunos para o século XXI. De acordo com o documento, que se pretende orientador (sem ser rigidamente prescritivo) de todo o processo educativo para os próximos anos, os jovens estudantes devem desenvolver-se academicamente considerando uma série de competências-chave – competências, que vão muito além do simples conhecimento, e englobam também capacidades e atitudes.

O interessante é que as competências-chave identificadas no documento coincidem de forma muito significativa com as IM definidas por Howard Gardner, como se poderá verificar graficamente a partir da análise do Quadro 5 (cf.).

Sintetizando-o, é perfeitamente plausível relacionar: as competências na área das linguagens e textos e na área da informação e comunicação com a Inteligência

Linguística; as competências na área do raciocínio e resolução de problemas, na área do

pensamento crítico e criativo e na área do saber técnico e tecnologias com a Inteligência

Lógico-matemática; as competências na área do relacionamento interpessoal com a Inteligência Interpessoal; as competências na área do desenvolvimento pessoal e

estética e artística com as Inteligências Espacial e Musical; e as competências na área da consciência e domínio do corpo com a Inteligência Corporal-cinestésica.

Quadro 5: Relação entre as Competências-Chave segundo o Perfil dos alunos... e as IM Campos de

Competências-Chave

Descritores Operativos da Competência Inteligência(s) Correspondente(s) Linguagens e Textos Usar linguagens verbais e não verbais para significar e

comunicar; Reconhecer e usar linguagens simbólicas para representar o real e o imaginário; Dominar códigos que capacitem os indivíduos para a leitura e a escrita.

Essencialmente Linguística, não excluindo alguns códigos simbólicos de outras “Inteligências”. Informação e

Comunicação

Avaliar e validar a informação recolhida através de pesquisas, de forma crítica e autónoma; Apresentar e explicar conceitos, ideias e projetos diante de audiências reais.

Tendencialmente Linguística, não excluindo as aptidões Pessoais.

Raciocínio e Resolução de Problemas

Estabelecer estratégias de investigação e analisar resultados, reformulando, se necessário as estratégias adotadas; Generalizar as conclusões das investigações; Criar modelos para explicar determinados sistemas e para prever comportamentos sistemáticos.

Essencialmente Lógico- Matemática.

Pensamento Crítico e Pensamento Criativo

Observar, analisar e discutir ideias processos ou produtos centrando-se em evidências; Conceptualizar cenários de aplicação, avaliando a sua exequibilidade e o seu impacto; Desenvolver ideias e projetos criativos e inovadores.

Essencialmente Lógico-

Matemática, abrindo-se às demais IM na questão da criatividade. Relacionamento

Interpessoal

Trabalhar cooperativamente ou colaborativamente; Valorizar a diversidade de opiniões e de perspetivas; Relacionar-se com os outros de forma positiva em diversos contextos; Resolver problemas relacionais de forma pacífica.

Interpessoal

Desenvolvimento pessoal e autonomia

Reconhecer os seus pontos fortes e e os seus pontos fracos; Desenhar, implementar e avaliar, com autonomia, estratégias para conseguir alcançar determinadas metas pessoais.

Intrapessoal

Bem-estar e Saúde Ter consciência das consequências dos seus atos; Assumir a responsabilidade de cuidar de si, dos outros e do ambiente. Ter consciência da importância da construção de um futuro sustentável.

Essencialmente Naturalista e Intrapessoal.

Sensibilidade Estética e Artística

Desenvolver o sentido estético; Valorizar e participar nas manifestações culturais e artísticas; Mobilizar técnicas e recursos artísticos e tecnológicos.

Tendencialmente Espacial e Musical, não excluindo outras potencialidades de expressão artística.

Saber Técnico e Tecnologias

Trabalhar com recurso a materiais, instrumentos, ferramentas, máquinas e equipamentos técnicos; Consolidar hábitos de planeamento de etapas de trabalho; Identificar necessidades e oportunidades tecnológicas, fazendo escolhas fundamentadas.

Tendencialmente Lógico- Matemática, Espacial e Corporal- Cinestésica.

Consciência e Domínio do Corpo

Realizar atividades motoras, reconhecendo a sua importância para o desenvolvimento físico, psicossocial, estético e emocional; Realizar experiências motoras que favorecem aprendizagens globais e integradas.

Essencialmente Corporal- Cinestésica

Fonte: Tratado pelo autor, a partir de Martins (2017)

De resto, essas ligações não se ficariam por aí, como se pôde ver no Quadro 5, até porque, como sublinhado anteriormente, as atividades minimamente complexas exigem

a conjugação de diferentes “Inteligências”. Mas é lícito traçar este roteiro aproximado. Esta realidade pode significar que, ou o Perfil dos alunos... teve em consideração as ideias de Howard Gardner relativamente à multiplicidade das capacidades intelectuais humanas, sendo todas elas merecedoras de um papel central no desenvolvimento educativo, ou Howard Gardner conseguiu identificar as múltiplas inteligências de uma forma extremamente completa, o que faz com que praticamente tudo o que seja relevante aprender passe por pelo menos uma delas. Seja uma ou outra a hipótese mais legítima, qualquer delas acaba para ser positiva para o presente enquadramento de investigação.

O facto de um documento central, orientador em termos educativos, valorizar, além dos aspetos mais tradicionais relacionados com a Lógico-matemática e com a Linguística, aspetos referentes aos campos Pessoais e Naturalista, e, sobretudo, áreas que, por norma, são desvalorizadas em contexto escolar, como as que têm que ver com as Artes e com o corpo, é deveras motivador para quem olha para as capacidades intelectuais do ser humano a partir de uma perspetiva abrangente. No limite, é possível afirmar que o Perfil

dos alunos... veio escancarar as portas para a implementação e para a difusão de práticas

de ensino-aprendizagem que tenham por base a teoria das IM.

No entanto, ao dia de hoje, os Exames Nacionais continuam a ter um peso bastante significativo com vista ao acesso ao Ensino Superior, fazendo com que grande parte do trabalho escolar realizado consista na preparação para os mesmos, deixando os alunos engaiolados – então e as competências-chave como/quando se desenvolvem?

Em acréscimo, os professores ainda têm, diariamente, que lidar com turmas de 30 alunos e com um sem-número de burocracias. Onde se encontra o tempo para preparar aulas sócio-construtivistas e para investir na “individuação” e na “pluralização” da instrução? O tempo dirá se foi possível passar das palavras aos atos e dos documentos orientadores à práxis – se se transformou o banco de conhecimentos/informações numa universidade de competências.

Nós, professores, não podemos, no entanto, esquecer que quem anda no terreno, quem implementa as estratégias, quem decide a práxis somos nós. Por isso, é da nossa responsabilidade a escolha do caminho a seguir (não pondo em causa as normas em vigor, claro) – como diria Fernando Pessoa (1933), “é em nós que é tudo”.