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Capítulo 2 – Enquadramento de Aplicação

2.1. Contextualização disciplinar

2.1.1. Uma perspetiva de Ensino da História

Tal como constatara Ribeiro (2017), “a História permite desnudar as mentiras dos ‘evidentes’” (p. 33). E, depois de expor essas inverdades (ou “meias verdades”), a História deve possibilitar uma melhor compreensão do presente, que, de acordo com Boucheron (2015), mais não é do que o “passado acumulado” (citado em Alves, 2016, p. 18). Neste processo, o diálogo entre o historiador e o “destinatário”, efetuado através da narração (texto), é fulcral (Catroga, 2010, citado em Alves, 2016).

Em acréscimo, conforme notou Alves (2016), “muitos problemas contemporâneos reclamam da História um papel cívico, interventivo, consciente, lúcido e tolerante” (p. 11). Com isto, a História poderá ser chamada a desempenhar um papel relevante no futuro da coexistência sócio-cultural humana, devendo dar, também, atenção ao outro (próximo ou distante), garantindo uma “visão mais humanista do mundo” (Alves, 2016, p. 15). Daí a importância de uma ligação intrínseca entre a História como disciplina científica e a História como disciplina escolar.

A Educação Histórica procura entender como os jovens constroem o seu conhecimento do passado, no contexto da disciplina de História, bem como identificar os caminhos mais indicados, no sentido de aprimorar a qualidade dessa construção (Barca, 2013). E, de modo a promover essa almejada aproximação entre a historiografia e a aprendizagem histórica, é essencial proporcionar um ensino científico da História (Alves, 2016; Correia, 2017). No centro dessa ligação deverá estar, então, a consciência histórica, que deve funcionar, segundo Rüsen (2010), como ponto de partida para a teoria da

História e para a didática (citado em Alves, 2016).

Deste modo, convém evitar qualquer tipo de simplificação, que pode ser promovido pelo centrar do processo no “destinatário”, esquecendo a “epistemologia do conteúdo, a natureza da mensagem e a identidade disciplinar” (Alves, 2016, p. 11). De resto, e como argumentara Young (2007), apenas um conhecimento escolar universal, científico, estrutural e disciplinar (ao invés de um conhecimento prático e conjuntural) pode fazer com que sejam esbatidas as assimetrias socio-económico-culturais, e com que o “conhecimento poderoso” (aquele capaz de ter um efeito transformador) chegue a

implementação de uma simplificação do processo apenas fortaleceria essas desigualdades, na medida em que não permitiria que estudantes menos favorecidos chegassem a um nível superior de conhecimento.

Entretanto, Dominguez Castillo (2015) nota que o pensamento histórico requer um conhecimento de História (conhecimento substantivo do que sabemos sobre o passado) e um conhecimento sobre História (conhecimento sobre a metodologia de investigação e os procedimentos).

E, de acordo com Seixas (2006), destacam-se alguns conceitos históricos “estruturantes”, cujo domínio é indispensável para que os estudantes sejam capazes de

pensar historicamente: estabelecer a relevância histórica; utilizar provas sustentadas em

fontes primárias; identificar a continuidade e a mudança; analisar as causas e consequências; assumir uma perspetiva histórica (relevando a empatia histórica); compreender a dimensão moral das interpretações históricas (citado em Dominguez Castillo, 2015, p. 54).

Deve-se, contudo, ter em atenção os perigos inerentes à pretensão de se usar o passado para atuar no presente, desvirtuando-o pela sua potencial utilidade. Para o evitar (e para evitar qualquer tipo de tendência anacrónica), é necessário desenvolver-se uma

literacia histórica, consciente, crítica e conhecedora da epistemologia do conhecimento

histórico. E o meio primordial para promover essa literacia histórica é o Ensino da História, impulsionador de uma aprendizagem histórica substantiva e lúcida.

Neste sentido, e como sublinhou Alves (2016), “mais do que os dados factuais, ela (disciplina escolar) deve fornecer os meios para a sua análise e para um olhar em perspetiva, mais do que simplesmente situado” (p. 14). Neste âmbito, a empatia histórica – ou seja, a capacidade de reconstruir as crenças e os valores dos nossos antepassados, de forma a tornar as suas ações e práticas sociais inteligíveis, através da interpretação das fontes históricas (Lee e Shemilt, 2011, citados em Dominguez Castillo, 2015, p. 139) – desempenharia um papel fundamental.

Assim sendo, é fulcral fomentar uma didática centrada nas competências e valorizando todo o processo, ao invés de uma centrada nos conhecimentos por si só e que releva somente o produto (ou baseada em metas). E devem-se incorporar essas

competências no Ensino da História, com base numa perspetiva inclusiva e humanista (Alves, 2016).

Alves (2016) apresenta-nos algumas competências essenciais a desenvolver didaticamente: “a capacidade de interrogar as realidades sociais numa perspetiva histórica; interpretar essas realidades segundo o método histórico; construir a sua consciência como cidadão com a ajuda da História” (p. 23). Intimamente relacionadas com estas competências estariam três dimensões cruciais da aprendizagem histórica: a experiência; a interpretação e a orientação (Alves, 2016; Correia, 2017). Pretende-se, então, propiciar, em termos didáticos, uma História “investigadora” – que realce a comparação e a analogia, percecionando os diferentes ritmos da mudança e criticando as fontes, inferindo intenções – e “interrogativa” – que sabe identificar categorias de questionamento das sociedades (Alves, 2016, pp. 14-15).

De acordo com Barca (2013), tendo em conta a sociedade atual, é indispensável assumir uma abordagem socioconstrutivista, onde os alunos sejam as personagens principais no processo de construção dos seus próprios saberes.

Com isto em mente, talvez seja interessante valorizar o potencial que pode representar o desenho de uma situação-problema, que coloque o aluno na pele de um investigador (Alves, 2016).

Seria também pertinente, por exemplo, transformar um quadro concetual inicial (tácito e provavelmente estereotipado e preconceituoso), num outro mais sofisticado (com ideias mais substantivas, conceitos de segunda ordem ou competências para pensar

historicamente desenvolvidas), através da didática (Alves, 2016), refinando, desta forma,

a nossa “memória”.

Assim, seria possível, igualmente, aproveitar a metacognição, no sentido de se poder pensar, e/ou, quem sabe, repensar, o caminho que se tomara.

No concernente à intervenção pedagógica, Alves (2016) defende que se torna relevante variar as estratégias, sem, no entanto, abdicar de momentos expositivos (que têm sido bastante estigmatizados). Neste sentido, o questionamento – que se quer produtivo, interpretativo e empático – é um instrumento central. E estratégias baseadas em trabalhos em grupo (trabalho colaborativo e/ou cooperativo) e em oficinas

pedagógicas ou aulas-oficina, devem ser tidas em linha de conta, tal como a necessária diversificação e pluralização dos recursos, com relevância indispensável para o tratamento das fontes primárias, que promovem a tal aproximação – até em termos metodológicos/procedimentais – da História científica com a escolar (Alves, 2016; Barca, 2013; Ribeiro, 2017).

Já em termos de avaliação, esta deve incidir sobretudo sobre o processo, sendo mais avaliativa do que meramente classificadora. Só assim se poderá avaliar tendo por base o desenvolvimento de competências, no lugar da metrificação dos conhecimentos. E, neste processo de avaliação, o aluno pode – e deve – ter um papel ativo, através de reflexões, relatórios, reformulações, etc.. Desta forma, o paradigma construtivista poderá, de facto, e de uma forma mais completa, entrar no “terreno de jogo”.

A avaliação de competências, em História, deve ter em consideração as situações/contexto, as competências/capacidades (metodológicas/procedimentais) e os conhecimentos (substantivos e disciplinares) (Dominguez Castillo, 2015). E, considerando esta complexificação que se pretende incutir em todo o processo, deve ser tão distribuída quanto possível. De resto, Alves (2016), sublinhou, por exemplo, a importância da construção de um portfólio (especialmente no âmbito do Ensino Secundário), bem como o fomento das avaliações escritas, que promovam a construção de narrativas “próprias e pessoalizadas” (p. 25).

De facto, a construção de narrativas deve ser valorizada em Educação Histórica, até porque contribui para valorizar a referida ligação “disciplina científica-disciplina escolar”, apesar de não ser a única forma de se chegar ao conhecimento histórico.

De realçar que o trabalho com fontes históricas, num contexto didático, torna-se essencial, de modo a que os estudantes possam olhar para o passado de forma crítica e construtivista, podendo eles “validar” (ou, quem sabe, refutar), complementar e debater (as potencialidades das interpretações divergentes...) os factos históricos, transformando ideias de primeira ordem em outras mais significativas. Deste modo, também se contribuirá para rebater os perigos, frisados por Sardica (2015), “do relativismo pós- moderno e da liquefação ou desvalorização da entidade ‘facto histórico’ na reconstrução narrativa de qualquer passado” (citado em Alves, 2016, p. 27).

Por tudo isto, é, então, importante pensar a consciência histórica como referência para a aprendizagem histórica (Ribeiro, 2017). Com isso em mente, deve-se promover o desenvolvimento de uma literacia histórica, colocando os jovens na pele de um investigador, “obrigando-os” a pensar historicamente. E é necessário que este debruçar sobre o passado se relacione com as vivências presentes e com a construção de um futuro, que se quer inclusivo, democrático e humanista, sem, com isso, ser refém de qualquer tipo de solicitação conjuntural – daí a importância de se promover uma abordagem informada, abrangente (a apresentação de fontes contraditórias pode ser um recurso interessante; bem como de fontes de origem distinta), crítica, sem “assuntos-tabu” (o passado doloroso não deve ser ignorado), consciente das relações causa-consequência e permanência-mudança, empática e aberta ao debate (devido à possibilidade de conclusões distintas). Sintetizando, deve-se promover uma consciência histórica orientada para o desenvolvimento humano (Barca, 2013).

Uma História demasiado focada no conjuntural perde a sua capacidade universal e estruturante. Mas uma História que ignore o seu tempo perde a sua utilidade e o seu sentido. É no equilíbrio entre estas dimensões que a disciplina escolar deve atuar.