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Em São Luís como nos centros urbanos maranhenses em geral, a partir do último quartel do Século XVIII, as casas que até então eram em sua maioria muito precárias e construídas de taipa e palha, foram sendo substituídas por edificações de alvenaria de pedra argamassa com a cal extraída de conchas marinhas, óleo de peixe e madeira de lei. Construtores e mestres de obras vindos

diretamente de Lisboa ou do Porto, passaram a utilizar-se de materiais importados, como as cantarias de Lioz, azulejos e serralherias, trazidos com a dupla função de servir também como lastro dos navios a vela.

Figura 4.4 – Praça Benedito Leite, 1908. Foto: Gaudêncio Cunha

Surgiram por esta época os detalhes construtivos mais sofisticados e adaptados ao clima tropical e úmido, como as varandas posteriores em madeira, guarnecidas por rótulas móveis, o forro em espinha de peixe e o pé direito elevado, deixando passar a ventilação. Já nos meados do século XIX, intensificou-se a aplicação de azulejos nas fachadas, que passou a se constituir um dos aspectos mais característicos da arquitetura civil de São Luís. Este uso tornou-se tão freqüente que valeu à cidade o epíteto de “La ville aux petits palais de porcelaine”, inspirado na policromia das faianças que recobriam dezenas de fachadas de sobradões.

Figura 4.5 - Padrões da azulejaria trazida de Portugal para revestir as fachadas de São Luís.

Há neste caso em especial, uma interessante relação com os métodos utilizados na reconstrução rápida de Lisboa após haver sido destruída pelo terremoto de 1755 e que foi empreendida sob a liderança de Pombal, no mesmo período em que São Luís e Alcântara iniciavam seu crescimento.

Um dos grandes sobrados do centro de São Luís, localizado no Largo do Carmo, apresenta uma inscrição lapidar que indica a data de 1756, ou seja, um ano após o terremoto e justo no momento em foram adotados métodos de construção para reerguer, em regime de urgência, a capital lusitana. Além do que, o primeiro proprietário e construtor deste imóvel, Lourenço Belford, havia sido comissionado por Pombal para vir se instalar no Maranhão e explorar as possibilidades agrícolas da região.

Tais procedimentos construtivos implicavam, principalmente, em padronizar elementos estruturantes em pedra, como vergas, portais e balcões, e pré- fabricar as cantarias em grande quantidade para a sua aplicação simultânea em dezenas de edificações. Esta providência trouxe como resultado uma repetição intensiva de padrões, uniformidade de gabaritos e modulação de vãos. Repetição esta que culmina por caracterizar a arquitetura produzida sob a égide do Marquês de Pombal e que é vista na chamada baixa pombalina de Lisboa, e também na arquitetura maranhense do mesmo período, com bastante ênfase em São Luís, nos conjuntos das ruas Portugal, Nazaré, do Giz, Largo do Carmo e Praça Benedito Leite.

Figura 4.6 - Conjunto arquitetônico da Rua Portugal evidenciando a repetição de elementos construtivos das fachadas

Transformada em porto comercial importante da região do meio norte brasileiro, São Luís abastecia de algodão de boa qualidade os teares da Inglaterra, em plena revolução industrial e enriquecendo, tornou-se também conhecida como

Atenas Brasileira por causa de seus intelectuais. Famílias abastadas enviavam seus

filhos para estudar na Europa nas melhores universidades de Portugal ou da França, os quais, ao retornarem, logo se destacavam no cenário nacional como jornalistas, escritores e poetas.

Constituiu-se no Maranhão, uma sociedade elitista em sintonia com o que se passava no mundo ocidental. Os casarões, salvo as adaptações ao clima equatorial, em tudo lembravam aqueles construídos em Lisboa na mesma época.

Figura 4.7 - Cartão postal de época evidenciando a urbanidade de São Luís no final do século XIX.

Os jornais da época anunciavam serviços de lavanderia e baús para o as roupas sujas das famílias ricas que eram enviados para Portugal e retornariam no próximo navio, lavadas em alguma tinturaria da metrópole.

No campo do entretenimento cultural, o Teatro São Luís (hoje Teatro Arthur Azevedo), construído em 1817, o mais antigo das capitais brasileiras, foi uma casa de espetáculos de luxo, freqüentemente, recebendo companhias teatrais e apresentação da Ópera de Paris. Além do que, possuía dimensões expressivas com seus 740 lugares para uma população que não ultrapassava os 35 mil habitantes. A sociedade da época cultuava, pois a música e o teatro de gosto europeu.

Por volta de 1835, São Luís chegou a ser considerada a quarta cidade mais importante do império brasileiro ao lado de Rio de Janeiro, Salvador e Recife, conforme atestam os depoimentos dos viajantes que percorreram nossas cidades:

São Luís merece, á vista de sua população e riqueza o 4º lugar entre as cidades brasileiras. As casas de 2 e 3 pavimentos são na maioria construídas de grés de cantaria e a cômoda disposição interior corresponde ao exterior sólido, de conforto burguês.22

Para Lallemant (CALDEIRA, 1991):

A impressão não poderia ter sido mais favorável. O mais belo Domingo estendia-se sobre altas colinas, banhadas de três lados pelo mar com bonitos, magníficos mesmo, edifícios, (...) Devo dizer que, depois das três grandes cidades comerciais, Rio, Bahia e Pernambuco, a cidade do Maranhão merece indubitavelmente a classificação seguinte e tem realmente esplendida aparência. Seu traçado em linha reta, embora com subida e descida, e sua limpeza logo impressionam de modo sumamente agradável. Creio poder dizer que nenhuma cidade do Brasil conta proporcionalmente ao seu tamanho, tantas casas bonitas, grandes e até apalaçadas como o Maranhão.

Figura 4.8 - Vista da cidade a partir da ponta de São Francisco. Gravura de 1860

Também a infra-estrutura urbana acompanhava o modelo das capitais européias. O suprimento de água potável era assegurado através da Companhia das Águas que abastecia a população com 6 fontes (do Ribeirão, das Pedras, do Bispo, do Mamoin, do Alecrin e do Marajá) e seis chafarizes localizados nas principais praças.

Uma obra de engenharia admirável, de galerias subterrâneas com seus paredões laterais suportando abóbodas de berço feitas de tijoleiras de cerâmica, garantiu durante os séculos, a drenagem das fortes chuvas equatoriais. Construídas anteriormente às edificações pode-se observar que este engenhoso sistema foi instalado nos talvegues a partir da cumeeira do promontório, dirigindo-se para os dois braços de rios que o conformam.

Já no início do século XIX, a cidade possuía um sistema de iluminação pública terceirizado para empresas estrangeiras, com lampiões e óleo combustível, logo substituído por álcool terebentinado. Em 1843, nos meados deste mesmo século, acompanhando as transformações ocorridas nas grandes metrópoles, a

técnica de iluminação pública foi renovada pela instalação de sofisticados lampiões de cobre. Em 1863, foi contratada a Companhia de Iluminação a Gás do

Maranhão que instalou novo sistema e passou a utilizar o gás hidrogênio por

tubulação subterrânea também toda em cobre.

Figura 4.9 - Imagem do Gasômetro. Fonte: CUNHA, Gaudêncio. Álbum São Luís 1908.

Outro exemplo da globalização no final do século XIX, foi a instalação de um sistema de telefonia funcionando na cidade. A genial inovação tecnológica de Grahan Bell, apenas uma década após o seu lançamento mundial, na Exposição Internacional de Filadélfia em 1876, foi instalada no Rio de Janeiro e logo depois em Belém do Pará e São Luís do Maranhão, graças ao fato de que o Imperador Pedro II esteve presente àquela mostra internacional, gostou do invento e o adquiriu. Também no final do século XIX o Maranhão estava conectado à Europa por um cabo telegráfico submarino, que ligava diretamente São Luís à Inglaterra, operado por outra empresa inglesa, a Western.

A criação ainda em 1868, de um sistema de transportes coletivos, fez de São Luís a primeira cidade do Norte e Nordeste a contar com um sistema de transportes urbanos, os bondes ou “tramwais”, inicialmente movidos por tração a

sangue, como se denominavam em função do uso de animais como cavalos e

burros. Em 1871 foi firmado um contrato com a Companhia Ferro-Carril de um empresário norte americano de nome aportuguesado, José Maria Berne, que instalou novo sistema de trilhos importados dos Estados Unidos. Mais adiante, já na primeira metade do século 20 estes serviços, bem como os de energia elétrica, seriam concedidos à companhia inglesa “ULLEN”.

Figura 4.10 - Vista da Praça João Lisboa com os trilhos de bondes.

Todo este núcleo urbano resultou de fato, de um conjunto de fatores semelhantes aos que hoje associamos com a globalização, ou seja, comunicação e comércio internacional, importação de costumes que se traduziam na urbanização e na arquitetura, nos hábitos de viver, na forma de educar os filhos, de vestir, de comer e de se divertir.

Como se vê os avanços tecnológicos da época estavam presentes, mas convivendo lado a lado com a escravidão, sendo capitaneados por interesses do capital, resultando na exploração da mão de obra e concentração de riquezas.

Enquanto prevaleceu o braço escravo e boa cotação das mercadorias no mercado internacional, estes mecanismos produziram lucro. Entretanto no momento em que estas condições cessaram, no final do século XIX, a região mergulhou num longo período de depressão.