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CAPÍTULO II A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO POPULAR NA PREFEITURA

2.2 A luta pelo direito à educação no Município de Chapecó

2.2.2 A constituição da educação popular “informal”

Numa sociedade de classes, o político se liga essencialmente à relação entre capital e trabalho. Como essas relações são contraditórias, há disputas, tanto no que se refere à manutenção quanto à transformação das relações de produção capitalistas. Nesse contexto, diferentes práticas políticas visam se apropriar do poder, seja para reproduzir, seja para transformar essas relações.

Nesses processos contraditórios, existem diferentes instrumentos a serviço de determinados interesses, entre eles a educação. Ao olharmos para a história de nosso País, como já afirmado anteriormente, a educação esteve a serviço dos interesses da classe dominante; mas, por outro lado, nas últimas décadas, também foram construindo-se experiências de uma educação com outra perspectiva. É importante ressaltar que a maioria dessas experiências ocorreu fora do espaço institucional, ou seja, informalmente.

Para melhor compreendermos esses processos educacionais, os quais podem ser compreendidos como Educação Popular, é necessário conceituar essa educação. Nesse sentido, tomamos como referência o conceito formulado por Pinto (1986, p. 99), o qual a define como:

Uma prática pedagógica que visa, em um primeiro momento, à transformação dos conteúdos da consciência e, em um segundo, à modificação da conduta pela ação. No que toca ao primeiro momento, sendo a realidade social o objeto desta prática, é fundamental modificar-se (reconstruir-se?) a percepção fragmentária e foquista desta realidade, para alcançar uma compreensão da sociedade capitalista, enquanto totalidade determinada essencialmente pela contradição entre capital e trabalho: que, desnudando todas as formas de exploração do trabalho, faça explícitos os interesses da classe trabalhadora em seu conjunto. Num segundo momento, visa-se ao surgimento e ao afiançamento de uma conduta coletiva (ação organizada), ao redor dos reais interesses da classe trabalhadora, enquanto superação dos interesses particulares e individuais.

Com a intencionalidade de entender os processos que desencadearam uma outra perspectiva de educação e de compreender como as relações de poder foram se modificando no conjunto de forças sociais no município de Chapecó-SC, é necessário buscar os sujeitos, bem como os contextos que desencadearam esse processo.

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Catarinense, os quais assumem uma lógica de Educação Popular entre o final da década de 1970 e início de 1980, período considerado emergente de vários movimentos sociais36, que, inclusive, tornaram-se referências nacionais.

Conforme estudos de Poli (1995) e de Uczai (2002), a Educação Popular dos movimentos sociais no Oeste Catarinense contribuiu no sentido de desenvolvimento da vontade coletiva, uma vez que estes foram constituindo-se “a partir do presente, pelo redimensionamento das experiências cotidianas, além de uma ligação com o movimento cultural mais amplo na busca de romper com todas as formas de autoritarismo e opressão” (POLI, 1995, p. 94-95).

Procurando entender as forças que desencadearam o processo de desestruturação da política vigente, como já mencionado anteriormente, não podemos deixar de citar a grande atuação da Igreja, assim que esta passa a ser comandada pelo líder religioso Dom José Gomes, bispo da Diocese de Chapecó. Nesse período, a Igreja Católica passava por uma ação transformadora; conforme Paiva (1987, p. 30):

Educação popular e trabalho político-pastoral fundiram-se progressivamente, especialmente nos países onde – em conseqüência dos golpes militares – a Igreja mostrou ser a única instituição suficientemente forte para seguir atuando junto às camadas populares, como foi o caso brasileiro.

No contexto da Ditadura Militar no Brasil, quando os canais de participação popular foram suprimidos, as CEB’s mostram-se lugares onde os trabalhadores poderiam se mobilizar e organizar. O papel educativo é uma das características mais importantes das CEB’s. Os “círculos bíblicos” eram instrumentos de sensibilização para a realidade social utilizando textos bíblicos para interpretarem o presente. Esta pedagogia confiava na capacidade do povo de pensar, agir e se organizar, delegando a responsabilidade aos participantes. Propiciar conhecimento crítico e aprofundado da realidade social tornou-se condição da evangelização.

Com as idéias de reflexão e renovação, na década de 1970, a Diocese de Chapecó adotou o princípio básico de formação de lideranças. Nesse contexto, sob a coordenação de Dom José, trabalhava-se com a concepção de que a Igreja deveria ser a voz do povo oprimido/marginalizado.

36 De acordo com Schneider (2006, p. 16), entre 1978 e 1987, destacam-se a criação de quatro movimentos sociais: o Movimento do Sem Terra (MST), Movimento das Mulheres Agricultoras (MMA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento de Oposições Sindicais.

A tônica da formação centra-se na organização de pequenos grupos, de forma que a paróquia, por exemplo, deixa de ser uma comunidade, para se transformar numa confederação de comunidades. Nos mais diversos cursos organizados pela diocese, destacam-se a importância da participação dos leigos na organização da Igreja e a necessidade de engajamento dos cristãos nos mais diversos setores da sociedade (UCZAI, 2002, p. 143).

Os grupos de reflexão contribuíram significativamente na atuação pastoral e na formação de lideranças. A metodologia era fundamentada na experiência da ASSESOAR37, do PR, a qual capacitava as lideranças e produzia os livros e cartilhas, tendo como método VER-JULGAR-AGIR, que se baseava na práxis: ação-reflexão-ação38. Com esse trabalho, pode-se dizer que se desencadeou, na Diocese de Chapecó, um processo de Educação Popular. Nesse sentido, semeava-se a idéia de que os cristãos deveriam ter compromisso com a transformação das estruturas do mundo. Ainda, segundo o autor:

Entre os princípios propostos pelos grupos de reflexão, podemos destacar dois: o de levar a comunidade a descobrir seus problemas, valores, e situações vividas; e o de possibilitar que os membros das comunidades assumissem as situações concretas e procurassem os meios de resolvê-las (UCZAI, 2002, p. 148).

Assim, os grupos de reflexão constituíram-se em espaços de formação de lideranças populares, com engajamento nas lutas para tomada de consciência dos problemas sociais. Além do processo de formação nos grupos de reflexão, foi criado via Igreja o Curso de Teologia de Leigos, cujo objetivo geral, segundo Uczai (2002, p. 163), foi:

Capacitar lideranças leigas e agentes em Teologia Pastoral, para que fossem protagonistas na Igreja e sujeitos sociais da história [...] Ao mesmo tempo, procurou- se capacitar lideranças críticas para atuarem no trabalho pastoral, nos ministérios das comunidades, nos movimentos populares, nos sindicatos, na política.

Estes cursos ajudaram efetivamente a preparar lideranças, sendo que se consolidou em um novo modo de ser Igreja, o qual ajudou, ainda, a dinamizar as celebrações, os cultos, as reuniões dos grupos de reflexão, além de desencadear a luta de classes.

Todo esse processo de formação de base tinha inspiração na Teologia da Libertação, a

37 A ASSESSOAR – Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural – foi fundada em 1966 por 33 jovens agricultores e padres da cidade de Francisco Beltrão, PR. Entre os objetivos da ASSESOAR estavam o de promover melhores condições de vida aos agricultores e um maior desenvolvimento rural, de acordo com a doutrina da Igreja. O desafio colocado na época era o de transformar a fé em compromisso concreto em defesa da vida. Atualmente atua de forma direta ou indireta em mais de 30 municípios.

38 O ponto de partida era a realidade, a vida concreta do povo, identificando os problemas. O segundo momento era de análise e reflexão da realidade apresentada, confrontando-a com os ensinamentos da Igreja, em que se analisavam as causas que originavam os problemas. Tendo essa compreensão, discutiam e definiam propostas de ação possíveis, levando em consideração as especificidades dos grupos e/ou comunidades.

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qual pode se vista como um movimento de evangelização e de conscientização na transformação da sociedade. Segundo Vendramini (2000, p. 144):

A Teologia da Libertação é uma das maiores contribuições da Igreja Católica para a América Latina, principalmente pela audiência da Igreja, pelas posições de parte importante do episcopado brasileiro ante problemas sociais e pela emergência de uma Igreja que nasce das bases populares. A novidade que traz é a de um cristianismo de base, um movimento de massas de questionamento das estruturas sociais e reivindicação de alternativa ao capitalismo.

A Teologia da Libertação foi fundamental para a firme postura da Igreja, tanto católica quanto das igrejas do CONIC39, de enfrentamento à ditadura militar, denunciando seus crimes, exigindo seu fim e a volta da democracia. A opção preferencial pelos pobres, assumida pela Igreja, está alicerçada nos profundos conceitos de justiça social e fraternidade defendidos por essa instituição.

De acordo com a Ação Social Diocesana (ASDI), os planos de trabalho das pastorais40, através dos grupos de reflexão, passam do assistencialismo para a promoção humana e conscientização, contribuindo com a formação de lideranças, sempre incluindo o aspecto social e político. A esse momento soma-se o apoio ao surgimento de sindicatos combativos e outras organizações e a preocupação com a pastoral operária.

No meio urbano, o trabalho de base contribuiu para a promoção de instituições religiosas que passam a discutir com as mulheres de alguns bairros problemas vividos, que foram se aglutinando em torno da reivindicação por escolas, creches, segurança, pavimentação. Outras organizações, como a dos servidores públicos federais e estaduais, ultrapassavam essas reivindicações. A contribuição da Igreja Católica, com o movimento comunitário em Chapecó, ocorreu:

Como forma de se contrapor ao Estado que queria controle sobre a Igreja [...]. A Igreja considerava que o Estado queria despolitizar a organização dos moradores que tinham uma perspectiva crítica, mais política e participativa. Afirma que a direção dos Conselhos era indicada para impedir que se organizassem e reivindicassem. O trabalho de conscientização da população gerou tensão entre a Igreja e o Estado, [...] no final da década de 1980, um novo processo de organização surge com novas lideranças formadas nas pastorais da Igreja Católica. Passam a coexistir conselhos, associações nos bairros, com diferentes perspectivas, umas voltadas para os interesses populares, outras esvaziadas e outras ainda ativas, porém nos moldes clientelistas e assistenciais (LAJUS; CUNHA apud SCHNEIDER, 2006, p. 42-43).

39 Conselho Nacional das Igrejas Cristãs.

40 Segundo planos das Pastorais no arquivo do Secretariado Diocesano de Chapecó, o primeiro Plano (1967) objetivou organizar o funcionamento interno da diocese (liturgia e evangelização, saúde); o plano de 1971 apresenta uma mudança quanto a desenvolver um trabalho de pastoral. Em 1974, são elaborados os primeiros materiais de grupos de reflexão; em 1975, com o segundo plano de Pastoral da Diocese, apontam para uma Igreja-CEBs (Plano Pastoral da Diocese de Chapecó apud SCHNEIDER, 2006, p. 35).

Todo esse processo formativo da Igreja, além de ter um caráter de Educação Popular, trouxe grandes contribuições no sentido de romper com as relações de poder que se estabelecem na região. De acordo com Uczai (2002, p. 164) “Não é possível pensar a trajetória dos Movimentos Sociais, Sindicais e partidos políticos, como o Partido dos Trabalhadores, por exemplo, sem referenciar a contribuição da Igreja e, especificamente de D. José, nesses processos sociais de luta”.

Portanto, todo o contexto de formação política, de organização e reivindicação são partes constituintes de sujeitos que acreditavam na construção de outro cenário municipal. Diante das diferentes vozes que tinham a necessidade de construir uma forma mais democrática e de respeito ao se humano, trouxeram vitória a um projeto de Administração Popular.