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CAPÍTULO II A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO POPULAR NA PREFEITURA

2.3 A educação popular na administração pública

2.3.5 Pesquisa e metodologia do tema gerador

Ao pensar a prática pedagógica, numa lógica de que a educação contribua com a classe trabalhadora, aparecem muitos questionamentos, entre eles: Como modificar uma prática de saberes conteudista e reprodutora? Como levar aos alunos conteúdos ligados à vida

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e que não fossem fragmentados? Como planejar intervenções que trouxessem saberes necessários para a construção do conhecimento? Como possibilitar que os alunos, de fato, fizessem abstrações e generalizações mais amplas, ao longo de seu movimento pela vida? (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 1998a, p. 23).

Nessa perspectiva de construir uma proposta com a pretensão de compreender o ser social, buscou-se uma concepção metodológica problematizadora. Assim, o ponto de partida do trabalho pedagógico deve ser a realidade concreta dos sujeitos envolvidos, e conhecê-la implica em pesquisá-la. Segundo registros da Secretaria de Educação, a pesquisa com pais, alunos e lideranças comunitárias foi o meio encontrado para se definir o tema a ser trabalhado em cada espaço escolar.

Dentro dos princípios do Projeto Político-Pedagógico da Educação Popular, tendo a necessidade de conhecer a comunidade escolar, seus problemas, anseios, angústias e perspectivas, realiza-se a pesquisa participante, dando ênfase a dados qualitativos e quantitativos. A partir das falas significativas percebe-se a problemática principal apontada pela comunidade que levará ao Tema Gerador (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 1998b, p. 18).

Com relação ao ponto de partida do trabalho pedagógico, Freire (1981, p. 120) nos faz refletir:

Numa visão libertadora, não mais bancária da educação, o seu conteúdo programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo, mas, pelo contrário, porque parte e nasce dele, em diálogo com os educadores, reflete seus anseios e esperanças. Daí a investigação da temática como ponto de partida do processo educativo, como ponto de partida de sua dialogicidade.

Embora a metodologia do Tema Gerador, desenvolvida por Paulo Freire, tenha sido uma experiência desenvolvida com alunos adultos, em Chapecó, tomando como referência essa metodologia, desenvolveu-se uma construção na perspectiva de trabalhar o Tema Gerador em todos os níveis de ensino, adequando às diferentes fases do desenvolvimento e realidades.

A pretensão da Secretaria de Educação de Chapecó, considerados os princípios do Projeto Político-pedagógico coerentes com a Educação Popular, segundo Schneider (2006, p. 86), vem com a seguinte intencionalidade: “a construção do currículo desde a Educação Infantil, os Ciclos de Formação e EJA, ocorrerá a partir da expressão da realidade vivenciada pelos educandos, sujeitos ativos de sua aprendizagem, viabilizada pela pesquisa participante”. Assim explicitam:

Foi através do Tema Gerador que encontramos respostas para a prática humanista e libertadora dos homens, mulheres e crianças que fazem a história e escrevem-na com sua luta, suas necessidades, seus sofrimentos, suas alegrias, suas vitórias, seus acúmulos. Pautados nas ações vivenciadas na realidade cotidiana das pessoas é que buscamos os conteúdos e temáticas sistematizadas para uma compreensão crítica e contextualizada desta realidade numa dimensão de totalidade (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 1998a, p. 23).

A organização dos temas geradores e sua definição consideram, além da pesquisa, conversas informais, falas, maneira de agir, entre outras. Mas esta não ocorre somente para se conhecer a realidade, mas com a intencionalidade de propor mudanças e ações que a transformem. Nesse sentido Gentili e Frigotto (2001, p. 38) afirma que:

No processo dialético de conhecimento da realidade, o que importa fundamentalmente não é a crítica pela crítica, o conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e o conhecimento para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico-social.

O processo para definição do Tema Gerador passa pelas seguintes etapas: Primeiro realiza-se a pesquisa para coletar falas e/ou ações que retratem a realidade social e as principais problemáticas do contexto. Coletadas as falas, têm-se as informações que irão compor o diagnóstico da realidade, os educadores, juntamente com os coordenadores, irão classificá-las nas seguintes categorias: descritiva: “aquela que descreve o problema; analítica: aquela que mostra o problema e analisa; e propositiva: é a que descreve, analisa e propõe soluções e alternativas” (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 2002a, p. 9-10).

Num segundo momento, após essa classificação são selecionadas as falas consideradas mais significativas, que segundo registros da Secretaria, “são aquelas que trazem mais elementos para análise, ou seja, falas contraditórias, individualistas e fatalistas”. Contradições essas que possibilitam problematizações a partir do nosso conhecimento.

Posteriormente, definem-se as grandes áreas do conhecimento a que correspondem as falas, para perceber a relação entre os problemas apontados pela comunidade escolar nas diversas dimensões da realidade social. Para esta análise, os educadores referenciam-se em: a) práticas simbolizadoras (expressão cultural) são falas explicativas e criadoras de sentidos e significados de representações culturais, a partir das práticas existentes; b) práticas sociais e políticas (sócio-históricas), mostram como as pessoas estabelecem as relações de poder; c) práticas produtivas (ciências naturais e pensamento lógico), indicam como se estabelecem as relações de produção e distribuição, a vida econômica (SCHNEIDER, 2006, p. 89). São desses levantamentos e análises que se define o Tema Gerador, o qual segundo Freire (1987, p. 88), tem a intenção:

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O que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção de sua realidade, a sua visão do mundo, em que se encontram envolvidos seus “temas geradores”. [...] o conceito de “tema gerador” não é uma criação arbitrária, ou uma hipótese de trabalho que deva ser comprovada. Se o “tema gerador” fosse uma hipótese que devesse ser comprovada, a investigação, primeiramente, não seria em torno dele, mas de sua existência ou não.

Definido o Tema Gerador, constrói-se o Contra-Tema, ou seja, o contraponto em relação aos limites explicativos (visão de mundo), que tem o caráter de estabelecer relações e construir uma outra visão sobre determinado problema. Após, elabora-se uma Questão Geradora da Rede Temática, a qual problematiza as duas visões de mundo (Tema Gerador e Contra Tema), que tem a intencionalidade de orientar o coletivo de professores na busca dos recortes do conhecimento nas diferentes áreas. É importante ressaltar que na proposta de educação sugere-se que a definição do Tema Gerador ocorra com o diálogo e participação da comunidade, porém, segundo os estudos de Schneider (2006), somente algumas escolas faziam esse diálogo, dependendo do engajamento do coletivo de educadores com a comunidade quanto ao entendimento do Tema Gerador.

Terminando esse processo, constrói-se, coletivamente, a Rede Temática (ANEXO B) que orientará as programações e o planejamento das aulas. De acordo com relato do coletivo de professores, da Escola Básica Municipal de Educação de Jovens e Adultos Paulo Freire, o objetivo da rede temática é:

O processo de discussões, análise e síntese é registrado com a construção da rede temática, que relaciona as visões da comunidade e dos educadores sobre a realidade vivida, percebida e concebida. É uma tentativa de totalização histórica dos fenômenos sociais, econômicos e culturais que ocorrem no espaço e no tempo. Mais do que um simples registro do processo, a rede temática é um distanciamento e uma releitura coletiva da realidade em que a escola está inserida e passa a ser um instrumento pedagógico indispensável para a construção de qualquer programação ou atividade desenvolvida pela escola (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 1999d, p. 14).

Após a construção da rede temática, organizam-se os recortes do conhecimento para a intervenção pedagógica, em sala de aula, fundamentados basicamente em três conceitos: conceito espontâneo, científico e analítico. Segundo Schneider (2006, p. 96) assim são definidos:

Conceito espontâneo: são os conhecimentos que se constroem, a partir das relações das convivências cotidianas (senso comum, primeiro nível); conceito científico: conhecimentos que se dão, a partir de estudos, experiências, assimilação de novas informações (segundo nível); conceito analítico: é o que tem a função de organizar o planejamento do educador.

O conceito analítico é um instrumento de análise, a partir de uma determinada intencionalidade, em que o educador procura perceber os limites explicativos para então organizar as estratégias e os recortes do conhecimento que dê conta de ampliar a visão de mundo dos educandos. Nessa perspectiva é imprescindível que o conhecimento não seja entendido como algo estático, fragmentado, mas em suas relações como uma totalidade.

Tendo como eixos condutores os princípios da Educação popular, na perspectiva freireana, a prática pedagógica de sala de aula pressupõe um processo dialógico entre as visões de mundo de educandos e educadores, sendo estas mediadas pelo conhecimento sistematizado, cientificamente, o que gera a construção de sínteses e novos desafios a ambos.

Essa organização metodológica estrutura-se em três momentos pedagógicos, assim definidos: Estudo da Realidade (ER): Este é o momento de conhecer quem são os alunos, o contexto em que vivem e a partir de quais modelos explicativos, quais paradigmas vivenciam, explicam e constroem as relações do cotidiano local. É um dos momentos em que os alunos expressam-se diante da problemática apresentada e várias interpretações surgem, e é a partir destas que o professor vai problematizar o conhecimento que está sendo explicado, para apreendê-las e entendê-las e, a partir daí organizar essas informações que se constituem numa rede de conhecimento que aponta limites explicativos e contradições; Organização do

Conhecimento (OC): É o momento em que a situação do ER começa a dialogar com o

conhecimento historicamente produzido, em que o professor organiza, didaticamente, de forma crítica problematizadora, esse conhecimento, procurando construir uma nova concepção das situações analisadas; Aplicação do Conhecimento (AC): O conhecimento apreendido, anteriormente, proporciona outra compreensão da realidade, porém não é algo isolado, pois outras situações limites surgem, que novamente serão problematizadas e dão continuidade ao processo, tendo sempre em vista as possibilidades de ação sobre o real (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 2002a, p. 24).

Assim, o ponto de partida é a realidade do aluno, dialogando com o conhecimento, historicamente produzido, para daí ser construída uma nova síntese e novos desafios para os educandos e educadores e esses momentos não são estáticos, pois na dinâmica da sala de aula se transformam em movimento.